Pressionado pela alta dos preços dos alimentos, que estão afetando inclusive a popularidade da gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e pelas distribuidoras de combustíveis, o governo federal cedeu e, por ora, não vai alterar a quantidade de biodiesel adicionada ao diesel neste ano, que deveria subir de 14% para 15% a partir do mês que vem.

A decisão atinge diretamente as projeções da lei Combustível do Futuro, de incentivo aos biocombustíveis, e foi tomada na manhã desta terça-feira, dia 18 de fevereiro, em reunião do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), órgão liderado pelo governo.

"Mantivemos o biodiesel em B14 [sigla que corresponde à mistura de 14%] até posterior deliberação, que pode ser tomada a qualquer tempo", disse o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, em coletiva realizada em Brasília nesta terça-feira.

A preocupação com a elevação dos preços dos combustíveis foi uma das justificativas do governo para brecar a passagem do B14 para o B15. Mas não foi só isso.

Silveira mencionou também denúncias envolvendo fraudes na fabricação de combustíveis. O ministro disse que o governo tem recebido queixas de que algumas distribuidoras estão fazendo a mistura com um percentual menor de biodiesel do que deveriam ou ignorando a legislação, que obriga as empresas a fazer esse processo, por deficiência de fiscalização da ANP – ou até mesmo por fraude.

“Há muitas denúncias e nós estamos trabalhando muito fortemente para que as distribuidoras, todas, absolutamente todas, façam a mistura de forma adequada”, afirmou o ministro, segundo informações do jornal O Globo.

As empresas do setor de distribuição, representadas pelo Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e de Lubrificantes (Sindicom), já teriam pedido à ANP uma dispensa temporária da exigência de cumprimento da mistura pela falta de fiscalização no setor.

A iniciativa do governo atropela, assim, a previsibilidade da lei do Combustível do Futuro, sancionada pelo presidente Lula em outubro do ano passado, que estabelecia um incremento da quantidade de biodiesel adicionada ao diesel já a partir deste ano.

A mistura, que é obrigatória e hoje é de 14%, passaria a 15% no mês que vem e aumentaria um ponto percentual por ano até atingir 20% em 2030, podendo ainda chegar a 25% em 2035.

A legislação também estabelecia, no entanto, que o CNPE definiria o percentual e poderia alterá-lo a qualquer momento, o que está se confirmando agora.

Os preços do biodiesel subiram 44% desde que houve um aumento da mistura de 12% para 14%, que passou a valer em março do ano passado, segundo levantamento da Raion Consultoria a partir de dados da ANP.

No começo do mês, o valor do litro do biocombustível estava em R$ 5,91, depois de terem alcançado um pico de R$ 6,35 em dezembro. Há um ano, a cotação era de R$ 4,33.

Também houve um aumento de R$ 0,22 nos preços do diesel fóssil, anunciado pela Petrobras em 31 de janeiro. Dessa forma, o preço médio do diesel passou a R$ 3,72 por litro nas refinarias.

 

A reação do setor de biocombustíveis foi imediata. A Associação dos Produtores de Biocombustíveis do Brasil (Aprobio), que representa as usinas produtoras, afirmou que que o aumento no preço do diesel provocado pela mistura seria de apenas R$ 0,01 e criticou a decisão do governo.

Segundo a entidade, a decisão “coloca um freio no avanço da economia verde e manda uma mensagem contrária à pauta da COP30 que será realizada no país”.

A Aprobio diz ainda que parecia “inconcebível” que houvesse “quebra de compromisso”, se referindo à demanda prevista pela lei do Combustível do Futuro.

“Mas uma visão equivocada do impacto da evolução da mistura de biodiesel na inflação vai comprometer o desempenho em toda a cadeia produtiva, colocando em risco altos volumes de investimentos anunciados”, disse Francisco Turra, ex-ministro da Agricultura e presidente do Conselho de Administração da Aprobio, na nota.

A associação também argumentou que o valor do biodiesel está em queda em função da redução do valor do óleo de soja e da desvalorização do real frente ao dólar.

A Aprobio lembrou ainda que as companhias do setor já haviam se preparado para uma ampliação de oferta de biodiesel. Assim, a decisão trará reflexos para a agricultura familiar e para os preços dos alimentos, pela necessidade de farelo de soja, outro coproduto gerado no processamento de oleaginosa, na alimentação animal.

"Não é possível afetar toda uma cadeia produtiva com 15 dias antes da decisão esperada de aumento de mistura. As empresas empenharam seus compromissos com aquisição de matéria-prima e prepararam a estrutura produtiva para uma ampliação de oferta em cerca de 7%, que, de uma hora para outra, é cancelada”, afirmou Turra.

Segundo um levantamento feito pelo AgFeed, publicado na semana passada, empresas e cooperativas agrícolas, estimuladas pelo potencial de aumento de demanda gerado pela lei do Combustível do Futuro, anunciaram recentemente uma série de investimentos em projetos de esmagadoras de soja.

Essas estruturas vão exigir pelo menos R$ 6,8 bilhões em investimentos a serem realizados entre 2025 e 2027 – e que agora poderão entrar em xeque.

Um desses projetos é do Grupo Potencial, do Paraná, que promete inaugurar, no ano que vem, uma esmagadora de soja ao custo de R$ 2,2 bilhões para a produção de biodiesel.

Para o vice-presidente do grupo, Carlos Eduardo Hammerschmidt, o movimento do governo traz desconfiança aos empresários do setor em realizar investimentos na expansão de suas estruturas.

"Como que fica o empresário que fez esse investimento, que buscou esse recurso porque sabia que, no futuro, iria ter previsibilidade de mistura?", questionou, em entrevista ao AgFeed na tarde desta terça-feira, pouco depois do anúncio do governo.

Hammerschmidt disse acreditar que a iniciativa se trata de uma "ação momentânea" do governo, motivada pelas dificuldades macroeconômicas atuais, com a taxa Selic e inflação em níveis mais altos, e que o Poder Executivo pode voltar atrás na decisão, até por ter apoiado o projeto de lei quando estava tramitando no Legislativo.

"Acredito numa reversão desse olhar para o biodiesel, até porque trouxe também geração de renda, emprego, aumento da agricultura familiar e também para o agronegócio de uma forma geral", afirmou.

Hammerschmidt disse ainda que estava conversando com produtores de óleo de soja, ligados à Abiove, a associação dos óleos vegetais, que agora estavam temerosos com a perspectiva futura.

"Eles estavam pensando em como iriam escoar os grãos, porque já estavam pensando em esmagar para o próximo bimestre e agora vão de ter de escoar de outro jeito, vão ter de armazenar os grãos".

A mudança do governo não alterou os planos do Potencial, que segue projetando a inauguração de uma esmagadora de soja para produzir biodiesel.

A ideia é inaugurar o complexo, que está sendo construído na Lapa, cidade da região metropolitana de Curitiba, no primeiro semestre de 2026.

A indústria terá capacidade de processar 3,5 mil toneladas da oleaginosa por dia, podendo chegar a 7 mil toneladas em uma ampliação.

As obras estão 35% concluídas neste momento, segundo Hammerschmidt. "Se a Potencial anuncia um projeto, é porque vai fazer", garantiu o executivo.