“Infelizmente, trago notícias bem preocupantes”. Assim começa o e-mail enviado no início desta semana pelo chefe-geral em exercício da unidade de pesquisas de gado de leite da Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuária (Embrapa), Jorge Fernando Pereira, a sua equipe.

No documento, obtido pelo AgFeed, ele relata que a Embrapa não recebeu os recursos orçamentários suplementares necessários para o fechamento das contas do exercício de 2024.

Pereira reportou aos funcionários a existência, na unidade, de um débito de R$ 962.774,36, equivalente às despesas do último trimestre de 2024. Citou atrasos nas contas de energia, água, internet, correios, combustível, pagamento dos serviços de limpeza, segurança e portaria, entre outros.

Em seguida, anunciou um programa de renegociação dessas dívidas com fornecedores, suspensão de serviços e até mesmo a proibição de utilização de aparelhos de ar condicionado.

Mesmo com a situação, o problema na unidade de pesquisa pecuária com sede em Juiz de Fora (MG) é ínfimo perto do geral da Embrapa. A principal instituição de pesquisa agropecuária do País, citada como responsável pela pujança do agronegócio brasileiro, informou ao AgFeed ter iniciado 2025 com um rombo de R$ 200 milhões em suas contas.

O orçamento da estatal, associada aos principais avanços da agropecuária nacional nas últimas décadas, foi reduzido em 80% ao longo dos últimos dez anos, segundo a própria empresa.

Ao mesmo tempo, a Embrapa reportou um lucro social anual – ou seja, um retorno de suas pesquisas para todos os brasileiro – estimado em R$ 85 bilhões.

Com 51 anos, a Embrapa tem 43 unidades de pesquisa descentralizadas e sete centrais, um total de 7.534 funcionários e mais de 2 mil pesquisadores.

As dificuldades de lidar com as contas atinge quase todos eles e tem sido alvo constante de queixas por parte dos gestores da empresa. O AgFeed procurou a presidência da estatal para comentar a situação e possíveis alternativas.

A presidente da Embrapa, Silvia Massruhá, está em férias. Através da sua assessoria de comunicação, a Embrapa informou que o orçamento de 2024 foi composto por R$ 169,6 milhões do novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) – para investimentos na modernização de laboratórios e campos experimentais e conclusão de obras do PAC 2008 – e outros R$ 176,5 milhões para custeio da pesquisa, manutenção de animais e despesas fixas e de gestão de suas estruturas. São 1.056 projetos a um custo anual em torno de R$ 150 milhões.

“A Embrapa estima, como referencial orçamentário necessário, R$ 510 milhões para fazer frente aos compromissos já em curso pela pesquisa agropecuária com políticas públicas e demandas do setor produtivo e para melhor atuar frente aos desafios emergentes como a segurança alimentar, as mudanças climáticas, a descarbonização da agricultura e a transição energética”, apontou a estatal em nota enviada ao AgFeed.

Para justificar o desequilíbrio nas contas, a Embrapa citou que o orçamento da empresa, assim como do conjunto dos órgãos do governo, em razão do ajuste fiscal, sofreu bloqueios e cancelamentos.

“Essas medidas afetaram a condição de pagamento e quitação até dezembro de 2024 de despesas diversas e contratos continuados em todas as suas unidades, além de ter impossibilitado o início de novos projetos”, relatou.

De acordo com a Embrapa, os ministérios responsáveis pela estatal e o Congresso Nacional foram oficializados desde julho de 2024 sobre a necessidade de suplementação orçamentária.

“Mas, em razão de indisponibilidades para remanejamento orçamentário, a Junta de Execução Orçamentária não conseguiu aprovar o crédito suplementar pretendido pela empresa”, informou.

Sem recursos, a instituição de pesquisa disse ter adotado medidas para reduzir custos. Entre elas, está a revisão de contratos em fase de finalização e a conclusão de 33 usinas fotovoltaicas em unidades de pesquisa para gerar energia elétrica própria, principalmente para o funcionamento de laboratórios, campos experimentais e áreas administrativas.

Outras medidas incluem compras coletivas e a negociação com Estados para a isenção de alguns tributos, como já ocorre com impostos federais.

No caso da Embrapa Gado de Leite, além da negociação das dívidas, suspensão de serviços e do uso de ar condicionado, o chefe-geral substituto anunciou mais ações restritivas: negociação para redução de postos e no transporte de funcionários e autorização de viagens à serviço somente sem ônus para a unidade.

“Alertamos que este primeiro trimestre de 2025 não será fácil, mas todos juntos conseguiremos vencer essa fase difícil que nossa empresa está passando”, concluiu Jorge Pereira no e-mail enviado aos funcionários.

Por fim, a Embrapa alertou que a redução no orçamento tem impactado, ao longo da última década, diretamente, não só as pesquisas em curso, “mas também a implantação de novos projetos aprovados referentes às questões climáticas ligadas à produção alimentar, a sistemas de produção sustentáveis, para as áreas de melhoramento genético, plataforma integrada de carbono, agricultura espacial, inteligência artificial e genômica aplicadas a agricultura”, entre outros.

Uma saída para suplementar os orçamentos de pesquisa são acordos de parceria para projetos de inovação e desenvolvimento. De acordo com a estatal, atualmente, cerca 73% dos seus projetos são executados com captação de recursos externos.

Nessa linha, a Embrapa está implementando o Núcleo de Inovação Tecnológica (NIT), órgão que é a aposta da estatal para dar maior flexibilidade e agilidade para a pesquisa, ao processo de captura de parcerias, execução e gestão da inovação na empresa.

A reportagem procurou os ministérios da Fazenda e do Planejamento, Orçamento e Gestão para saber se haverá uma suplementação extraordinária para cobrir o rombo da estatal. O Ministério da Fazenda informou que o assunto deve ser tratado com o Planejamento, que não respondeu até o momento a demanda do AgFeed.

Orçamento

Para o presidente do Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário (Sinpaf), Marcus Vinicius Sidoruk Vidal, a situação na Embrapa é de “extrema preocupação”.

Na avaliação dele, a Embrapa, por ser dependente dos recursos do Tesouro Nacional, precisa ter um orçamento adequado para desenvolver sua atividade fim, que é a pesquisa científica agropecuária..

O sindicalista atribuiu o colapso orçamentário na Embrapa à redução no orçamento, nas rubricas de custeio e de investimento. Isso levou ao crescimento da participação da folha de pagamento nas despesas totais, segundo ele.

“É errado dizer que a folha cresce, quando, na verdade, são as outras rubricas que diminuem acentuadamente. A responsabilidade é dos governantes e do Congresso Nacional, que decidem sobre o Orçamento”, afirmou Vidal.

O presidente do Sinpaf defendeu os investimentos públicos na Embrapa, já que somente uma empresa pública é capaz de desenvolver pesquisas de interesse social na sua avaliação.

“Empresas privadas não destinam nos seus orçamentos o volume de recursos que a Embrapa aporta para fazer pesquisa. Não há interesse e nem volume significativo de pesquisadores e corpo técnico e funcional qualificados para desenvolver pesquisas relevantes para sociedade”, concluiu.