Para três dos maiores setores exportadores do agronegócio brasileiro - café, carnes e suco de laranja - os Estados Unidos serão os principais prejudicados com a decisão do presidente Donald Trump de impor tarifa de 50% sobre todos os produtos do Brasil comercializados com aquele país.

Entidades representantes dessas cadeias exportadoras sustentam que a medida, se aplicada a partir de 1º de agosto como anunciou Trump, irá impactar no fluxo de comércio, trará inflação e desemprego ao mercado norte-americano, tamanha a dependência dos Estados Unidos com esses produtos brasileiros.

No entanto, o discurso das entidades e também da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), entidade que representa deputados e senadores ligados ao agronegócio, é pela negociação e diplomacia para a reversão, ou mitigação, da medida.

O diretor-geral do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), Marcos Antonio Matos, afirmou ter esperança que o bom senso prevaleça nas negociações “porque sabemos que quem vai ser onerado é o consumidor americano”

Segundo setor na pauta exportadora da agropecuária brasileira para os Estados Unidos, com mais de US$ 2 bilhões, o café tem naquele mercado o principal destino de suas vendas externas.

No ano passado, foram exportadas 8,131 milhões de sacas de café para os norte-americanos, o que representa 16,1% de todas as exportações do agronegócio brasileiro e um crescimento de 34% sobre 2023.

O café brasileiro tem mais de 30% de market share naquele mercado, que consome anualmente 24 milhões de sacas. Mesmo sem produzir café, a commodity gera 2,2 milhões de empregos nos Estados Unidos, responde por 1,2 % do Produto Interno Bruto (PIB) e movimenta US$ 343 bilhões na economia local. A bebida é a mais consumida no país, por 76% dos norte-americanos.

O diretor-geral do Cecafé citou estudo da National Coffee Association (NCA), que representa a indústria processadora norte-americana, mostrando que a cada US$ 1 gasto com café importado, outros US$ 43 são injetados na economia dos Estados Unidos.

“Portanto, medida como essa gera mais custos e mais inflação”, resumiu Matos. Ele repetiu que o Cecafé segue com a “agenda positiva” junto à NCA e ao presidente da entidade, Willam Murray, para tentar uma alternativa à taxação do café brasileiro, que até o início do governo Trump não era tributado para entrar nos Estados Unidos.

Primeiro, a commodity entrou na taxação de 10% aplicada de forma linear aos produtos brasileiros e, agora, é ameaçada, da mesma forma, por mais 50%.

Matos apontou como exemplo de negociação, entre os países concorrentes do Brasil, o Vietnã, ao qual foi aplicado uma tarifa inicial de 40%, reduzida para 20% posteriormente. Entre outros concorrentes, o café da Indonésia tem 30% de tarifa e o da Nicarágua, 18%.

“Tudo que gera impacto no consumo é ruim para comércio, indústria, produtores e consumidores. Temos de ter os melhores negociadores, tratar esse assunto de forma pragmática”

Carnes e suco

A Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), que representa as principais empresas exportadoras de carne bovina do Brasil, informou, em nota, que “qualquer aumento de tarifa sobre produtos brasileiros representa um entrave ao comércio internacional e impacta negativamente o setor produtivo da carne bovina”.

Segundo a entidade, é importante que “questões geopolíticas não se transformem em barreiras ao abastecimento global e à garantia da segurança alimentar, especialmente em um cenário que exige cooperação e estabilidade entre os países”.

Em linha com as outras associações e representantes do agro, a Abiec disse estar à disposição para contribuir com o diálogo, “de modo que medidas dessa natureza não gerem impactos para os setores produtivos brasileiros nem para os consumidores americanos, que recebem nossos produtos com qualidade, regularidade e preços acessíveis”.

O setor de carne e subprodutos é o terceiro na pauta exportadora brasileira aos Estados Unidos, com mais de US$ 1,5 bilhão em divisas.

A Associação Nacional dos Exportadores de Sucos Cítricos (CitrusBR), que tem 41,7% de todas as vendas para os Estados Unidos, informou que a sobretaxa afetará diretamente e “é péssima” para o setor exportador de suco de laranja.

“Essa medida não afeta apenas o Brasil, mas toda a indústria de suco dos Estados Unidos que emprega milhares de pessoas e tem o Brasil como principal fornecedor externo há décadas”, afirmou o diretor-executivo da Associação Nacional dos Exportadores de Sucos Cítricos (CitrusBR), Ibiapaba Netto.

Os Estados Unidos dependem diretamente do suco de laranja brasileiro para garantir o consumo, já que o utilizam tanto para atender a demanda como para a mistura com a bebida produzida localmente.

As exportações de suco brasileiro aos Estados Unidos somaram US$ 1,31 bilhão na safra 2024/2025, encerrada em 30 de junho. Os Estados Unidos são o segundo mercado da bebida brasileira, perdendo apenas para a União Europeia, com mais de 50% de participação nas importações de suco de laranja.

Segundo a CitrusBR, a nova tarifa representa um aumento de 533% sobre os US$ 415 por tonelada que já eram cobrados sobre o suco brasileiro. Considerando a cotação da Bolsa de Nova Iorque de 9 de julho (US$ 3.600 por tonelada de suco concentrado), cerca de US$ 2.600 — ou 72% do valor total do produto — passariam a ser recolhidos em tributos, inviabilizando as exportações para aquele mercado sem que haja graves prejuízos para toda a cadeia.

"Trata-se de uma condição insustentável para o setor, que não possui margem para absorver esse tipo de impacto. As consequências são graves,  colheitas são interrompidas, o fluxo das fábricas é desorganizado, e o comércio é paralisado diante da incerteza. Trata-se de uma cadeia produtiva altamente interligada, que sustenta milhares de famílias", informou a entidade.

"A CitrusBR entende a sensibilidade política e diplomática dessa medida, mas acredita que a escalada entre governos não é o caminho", concluiu.

Bancada ruralista

Em nota divulgada na noite desta terça-feira a FPA manifestou “preocupação” com a nova tarifa, que representa, segundo a bancada ruralista “um alerta ao equilíbrio das relações comerciais e políticas entre os dois países”.

De acordo com a FPA, a nova alíquota trará reflexos diretos e atingirá o agronegócio nacional. Os impactos principais devem ser no câmbio, com o consequente aumento do custo de insumos importados e na competitividade das exportações brasileiras.

“Diante desse cenário, a FPA defende uma resposta firme e estratégica: é momento de cautela, diplomacia afiada e presença ativa do Brasil na mesa de negociações”, informou a entidade.

“A FPA reitera a importância de fortalecer as tratativas bilaterais, sem isolar o Brasil perante as negociações. A diplomacia é o caminho mais estratégico para a retomada das tratativas”, relatou.

Na carta enviada ao presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, para justificar a tarifa de 50% sobre todos os produtos brasileiros, Trump citou motivos políticos e econômicos.

Politicamente, o presidente norte-americano disse que o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro, seu aliado, no Supremo Tribunal Federal (STF) é “uma vergonha” e que o Brasil desrespeitaria “as eleições livres” e violaria “a liberdade de expressão dos americanos".

Comercialmente, Trump citou que a relação do Brasil com os Estados Unidos é injusta e o relacionamento está “longe de ser recíproco".

Resumo

  • Entidades do café, carnes e suco de laranja afirmam que a tarifa de 50% imposta por Trump pode causar inflação, desemprego e redução no consumo nos EUA
  • Representantes do agro e a FPA defendem cautela e negociação para reverter ou mitigar a medida
  • Trump justificou a supertarifa com base em alegações políticas e econômicas, dizendo considerar injusta a balança comercial entre os dois países