Rio de Janeiro (RJ) – Após meses de atrito e marcados por turbulências e trocas de acusações, Brasil e Estados Unidos parecem iniciar uma nova fase nas relações comerciais – inclusive com a possibilidade de um encontro entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Donald Trump no próximo domingo, em Kuala Lumpur, capital da Malásia, onde participarão da cúpula da Associação de Nações do Sudeste Asiático.
O movimento, guiado por um pragmatismo maior por parte dos americanos, pode resultar na ampliação das exceções à lista de produtos tarifados e até na redução da taxa de 50% aplicada às importações brasileiras desde 1º de agosto.
Uma eventual mudança poderá beneficiar diretamente os produtores rurais brasileiros, uma vez que itens como café e carne bovina continuam sendo taxados mesmo após a já famosa lista de exceções do governo americano.
A opinião é de nome acima de qualquer suspeita e preciso analista do jogo geopolítico em Washington: o ex-embaixador do Brasil nos EUA e atual presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Trigo (Abitrigo), Rubens Barbosa, que apresentou um pouco de suas opiniões sobre o momento geopolítico atual em painel do primeiro dia do 32º Congresso Internacional da Indústria do Trigo, que está sendo realizado nesta semana no Rio de Janeiro (RJ).
“Por uma série de razões, está prevalecendo o interesse pragmático das empresas americanas e de algumas empresas brasileiras junto à Casa Branca, o que forçou essa iniciativa americana de abrir essa negociação com o Brasil”, afirmou Barbosa.
O embaixador avaliou a movimentação dos Estados Unidos em busca de diálogo com o Brasil, com uma reunião realizada na semana passada entre o secretário de Estado americano, Marco Rubio, e o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, que teve como tema principal o tarifaço promovido pelo governo americano.
“Acho que o começo da abertura da negociação foi feita pelos Estados Unidos. Não houve uma movimentação do Brasil em direção aos EUA, foi o Trump que telefonou para o Lula e foi o Marco Rubio que telefonou para o Mauro Vieira”, afirmou Barbosa. “Isso mostra que o pragmatismo americano ganhou da ideologia do Marco Rubio.”
Depois de falar ao público, Barbosa conversou com o AgFeed e reforçou sua opinião.
“São os interesses econômicos e comerciais das empresas americanas e das empresas brasileiras que estão moldando a política comercial dos Estados Unidos em relação ao Brasil. O Joesley [Batista, acionista da J&F, controlador da JBS] está com a carne pagando 50%. E, claro, como ele contribuiu para a eleição americana, foi lá reclamar”, disse.
O ex-embaixador acredita que uma possível alteração na lista de exceções pode acontecer logo após a reunião de Trump com Lula. “Se o presidente [Lula] não fizer nenhuma coisa diferente, eu acho que quando eles se encontrarem, eles vão bater o martelo.”
Barbosa disse ainda que pode haver uma alteração no percentual das tarifas praticadas contra os produtos brasileiros. “Pode ser que diminua até 20%, 25%.”
Barbosa também comentou ao AgFeed sobre o comportamento do mercado de trigo, citando projeções da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), que apontam para uma produção de 7,7 milhões de toneladas de trigo no país neste ano, volume 2,4% inferior ao registrado no ano passado.
“O número é menor do que o do ano passado e a volatilidade do preço está enorme”, disse o presidente da Abitrigo.
Com esse cenário, o Brasil ainda está distante da autossuficiência na produção do cereal. A demanda nacional gira em torno de 12 milhões de toneladas, o que obriga o país a continuar importando trigo, principalmente da Argentina, seu principal fornecedor, além de Estados Unidos, Rússia, Uruguai e Paraguai.
Só da Argentina, o Brasil já teria importado mais de 5 milhões de toneladas de trigo até outubro, segundo Barbosa, volume que pode seguir em crescimento.
“Neste ano a gente vai comprar mais da Argentina porque o preço lá está bom também. Acho que o volume [importado da Argentina] pode superar 6 milhões de toneladas. Fica muito perto do total necessário [para a demanda do país]”, diz Barbosa.
O presidente da Abitrigo também destacou que as compras internas foram mais intensas no primeiro semestre, reflexo da postura dos produtores brasileiros, que preferiram segurar o produto na expectativa de preços melhores – o que não se confirmou.
Em março, o trigo estava cotado na faixa de um preço médio de R$ 1,5 mil a tonelada, segundo dados do Cepea/Esalq/USP. Agora, está sendo vendido na faixa de R$ 1,2 mil a tonelada.
O preço do trigo brasileiro está atrelado à Bolsa de Chicago, explica Barbosa, e o mercado internacional está muito volátil neste momento. Com isso, os moinhos estão tendo dificuldades de projetar como deve ficar a cotação do trigo nos próximos meses, após a colheita da safra atual, diz o presidente da Abitrigo.
"Você vê a Bolsa lá fora dependendo do clima nos Estados Unidos, dependendo da situação geopolítica lá da Rússia, que é o maior exportador... Não dá para você prever o que vai ser agora com a entrada da safra. O preço aqui tem sido muito deprimido. Agora, esses últimos dias subiu um pouquinho, mas então é muito volátil. Não dá para a gente prever."
Resumo
- Para Rubens Barbosa, presidente da Abitrigo, noa posição de pragmatismo por parte dos americanos pode levar à ampliação de exceções tarifárias e à redução da taxa de 50% sobre produtos brasileiros
- Eventuais mudanças poderão acontecer após reunião entre os presidentes Lula e Donald Trump, que poderá acontecer no próximo fim de semana
- No mercado de trigo, Barbosa aponta produção nacional menor, compras maiores da Argentina e forte volatilidade dos preços