Tragédia de dimensões humanas poucas vezes vistas, as chuvas que atingem o Rio Grande do Sul e deixam 134 municípios em estado de calamidade vêm deixando um rastro de destruição, com dezenas de mortos, feridos e desaparecidos.

Esses impactos são ainda agravados por estragos ainda incalculáveis na agricultura e na pecuária do estado, que tinha expectativa de se recuperar depois de anos castigadas por uma severa estiage.

A imagem de uma colheitadeira de soja sendo arrastada pelas águas da enxurrada no interior gaúcho viralizou e resumiu o desalento do setor. Só na soja, em que se previa uma produção de 22 milhões de hectares a estimativa é de perdas entre 2 milhões e 5 milhões de toneladas, segundo a consultoria Safras&Mercados.

De acordo com o Ministério da Agricultura, ao menos 10 frigoríficos paralisaram abates no Estado. Na lista estão unidades BRF em Lageado e da JBS em Caxias do Sul e outros frigoríficos nas cidades de Farroupilha, São Gabriel, Teutônia, São Sebastião do Caí, Garibaldi, Westfália e Arroio do Meio. O impacto se estende também para as lavouras de milho e arroz, além da produção de leite.

“Além da inundação das lavouras, a chuva destruiu estradas e pontes, afetando também a logística de escoamento e distribuição da produção”, afirmou Cesar Castro, da consultoria Agro do Itaú BBA.

Ele lembra que o estado do Rio Grande do Sul concentra 15% do esmagamento nacional de soja, 11% da produção de frango, 17% de suínos e 13% do leite.

Ontem o preço do farelo de soja subiu 4,7% na bolsa de Chicago e o da soja 3%, cotada a US$ 11,90 o bushel. Já o trigo para junho de 2024 subia hoje 5%, cotado a US$ 6,04 o bushel.

“Esse aumento é reflexo do impacto das chuvas no Rio Grande do Sul e também da produção menor da Argentina, que também está sofrendo com o clima”, diz Castro.

De acordo com o mais recente dado da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), até o momento 60% da soja do estado havia sido colhida – percentual menor que os 70% do mesmo período do ano passado.

Com isso, aumentam as chances de perda de produção e de produtividade, com impacto nos preços e no volume previsto da colheita.

“Ainda é cedo para calcular o tamanho do impacto, mas o fato é que pelo menos 1/5 da safra gaúcha de soja ainda não foi colhida. Com isso, é possível que entre 4 milhões de toneladas a 5 milhões de toneladas sejam perdidas”, estima Luiz Fernando Gutierrez Roque, analista da Safras & Mercado.

Segundo ele, mesmo com essa perda, a produção de soja do estado pode ficar em torno de 20 milhões de toneladas, menos que os 22 milhões de toneladas estimados pela Conab.

“É uma perda significativa, mas ainda não é uma catástrofe”, disse ao AgFeed. Essa produção ainda deixa o Rio Grande do Sul como segundo maior produtor de soja do Brasil.

De acordo com a Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), soja e arroz são as culturas mais impactadas - entre 20% e 30% das lavouras de arroz do estado ainda estavam em fase de desenvolvimento até o auge das chuvas.

Em nota, o Instituto Rio Grandense do Arroz informou que a região Central do estado é a que apresenta menor percentual de área colhida, com apenas 62%, restando cerca de 45 mil hectares no solo.

Isso significa que quase 30% da lavoura ainda está no campo e pode se perder por causa das chuvas – o equivalente a cerca de 1,8 milhão de toneladas.

No arroz, os prejuízos estão mais concentrados nas plantações localizadas na região central do estado, a mais atingida. No restante do estado, 82,9% das lavouras foram colhidas, restando em torno de 150 mil hectares.

A estimativa da Conab era de que a safra de arroz gaúcha atingisse 7,5 milhões de toneladas, cerca de 70% da produção nacional.

Segundo a Emater-RS, 82% das áreas de milho do estado já foram colhidas, tornando o grão o menos impactado pelas chuvas, apesar de perdas já terem sido registradas em Ascar de Bagé e Caxias do Sul, onde a colheita chegou a 60% da área plantada.

A Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), por meio de nota, disse acompanhar com preocupação e consternação a situação de calamidade e os levantamentos logísticos e extensão de prejuízos ocorridos no Rio Grande do Sul e que ainda não é possível quantificar os impactos em determinados núcleos de produção.

Em nota, a BRF informou que está priorizando o apoio aos colaboradores e à comunidade do Rio Grande do Sul, após as chuvas que ocorrem no estado e que está executando seu plano de contingência para mitigar possíveis reflexos na produção.

Já o presidente da Associação de Criadores de Suínos do Rio Grande do Sul (ACSURS), Valdecir Luis Folado, classifica os impactos da chuva como “catástrofe jamais vista”.