O dia 8 de maio de 2025 marcou o 80º aniversário do fim da Segunda Guerra Mundial, um conflito que causou 60 milhões de mortes em todo o mundo.
Passou quase desapercebida no Brasil uma declaração feita por 48 grandes empresas alemãs, incluindo Bayer, Basf, Volkswagen, Deutsch Bank, Siemens e Adidas, para citar algumas.
A declaração diz que a tomada de poder pelos nazistas em 1933 não teria sido possível sem a falha das lideranças públicas e do setor privado à época. Essas lideranças tornaram-se cúmplices pela conivência, ao priorizar seus próprios interesses.
Diz ainda: “Hoje, nós, como empresas alemãs, assumimos a responsabilidade de manter viva a memória dos crimes cometidos durante o período nazista. Esses crimes nos alertam continuamente sobre a fragilidade da democracia. Juntos, nos posicionamos contra o ódio, contra a exclusão e contra o antissemitismo. Com a nossa geração, não haverá esquecimento.”
A Alemanha aprendeu isso da pior maneira possível. O nazismo ter acontecido é uma vergonha para todos os alemães daquela época.
Mas a atitude desses empresários hoje pode ser uma lembrança poderosa do papel que lideranças do setor privado podem, devem e precisam ter em momentos de crise.
Penso no Brasil, e nas lideranças que temos no setor agropecuário, o setor que move a economia do país. Somos extremamente competentes, e a prova disso é a evolução constante da nossa produção e nossa presença nos mercados internacionais.
Mas precisamos ser competentes não apenas em relação só ao negócio em si, mas em pensar o país além do agro, no tipo de sociedade que queremos e no papel que o Brasil tem no mundo no longo prazo, especialmente em um mundo tão complexo e incerto como o que vivemos.
O tipo de liderança que precisamos é da mesma estirpe dos que, há 50 anos, decidiram que o país precisava se tornar um grande produtor de alimentos.
Eu destacaria aqui alguns macro temas onde seria preciso que o setor pensasse o que quer para o país e como chegar lá:
- A crise climática e de biodiversidade e a relação com o uso da terra no país.
- A desigualdade social brasileira.
- A estrutura política e a institucionalidade.
- O papel do Brasil no cenário geopolítico mundial (que para mim está intrinsecamente ligado ao primeiro tema).
Olho nossas lideranças. Nas entidades, todas em maior ou menor grau politizadas. Nas empresas, sempre tentando sobreviver no curto prazo. E entre produtores, fragmentada, reativa e cacofônica, muitas vezes sem informação suficiente para entender o que está acontecendo. E com mulheres e jovens (vetores de mudanças), na maior parte das vezes, em segundo plano.
A título de exemplo, vejo como única preocupação de algumas lideranças do agro em relação à COP 30 é “não deixar que falem mal de nós”.
Ainda estamos dando poder a lideranças políticas incapazes por interesses de curto prazo. Ainda reagimos mais do que agimos em relação aos desafios globais.
Acredito na urgência de uma agrointelectualidade. De reunir uma rede de inteligência capaz de pensar macro temas como esses e direcionar lideranças públicas e privadas para um futuro possível.
Essa inteligência existe, ainda que esteja fora das empresas e entidades e concentrada em alguns núcleos como o Insper, Getúlio Vargas, Fundação Dom Cabral, Esalq, centros de pesquisa e think tanks como Agroicone, Cebri, Cebrap e outros.
Seria poderoso e transformador um diálogo permanente entre estas instituições para desenhar um futuro onde o setor tenha um papel cada vez mais positivo em relação à natureza e à sociedade, não na forma de planos a serem engavetados, mas na criação de lideranças capazes.
Cabe assim reflexão sobre nosso setor privado e a lição alemã. Omitir-se agora em nome de interesses imediatos pode ter consequências desastrosas.
Parafraseando Tolstói o passado não pode ser mudado. O futuro ainda não aconteceu. “"O momento presente é o único tempo sobre o qual temos domínio."
É hoje que devemos agir.
Fernando Sampaio é engenheiro agrônomo, diretor de Sustentabilidade na Abiec e cofacilitador da Coalizão Clima, Florestas e Agricultura.