Depois de duas décadas dedicadas ao mercado financeiro do agronegócio, onde minha rotina era pautada pela oferta de hedge para grandes corporações, cooperativas, indústrias e, sobretudo, produtores rurais – lidando com commodities como soja, milho, boi gordo, café e dólar –, percebo que cada etapa dessa trajetória foi fundamental para esculpir o profissional que sou hoje.

Naquela época, o mercado financeiro era um reduto de poucos, marcado por uma competitividade acirrada e uma rigidez que exigiam de nós uma resiliência e persistência inabaláveis.

Era um ambiente que ensinava, a cada dia, a importância de compreender e se colocar no lugar do cliente, do tomador de risco – afinal, estávamos lidando com algo extremamente sensível: o patrimônio.

Costumo caracterizar o mercado financeiro como canibal e acelerado – não como uma crítica negativa, mas como uma constatação da natureza intrínseca desse universo que nos molda e nos ensina a extrair lições valiosas para a vida.

Neste artigo inaugural para o AgFeed, meu desejo é compartilhar com vocês como tem sido a transição desse mundo fervilhante e instantâneo para o setor de Venture Capital no agronegócio.

No mercado financeiro, a dinâmica é implacável: as decisões precisam ser rápidas e assertivas; um erro requer correção imediata para mitigar perdas. Essa agilidade demanda humildade e adaptabilidade.

Minha incursão no mundo do venture capital desabrochou a partir das relações forjadas no mercado financeiro. Foi assim que conheci Kieran Gartlan, atuante na maior bolsa de commodities do mundo enquanto eu fazia meu nome em uma das principais corretoras nacionais.

A decisão de adentrar esse novo mercado veio com um desejo de inovação: queria compreender os fundadores das startups e suas expectativas.

Assim nasceu o Rural Ventures Podcast, que em setembro de 2021 lançou seu primeiro episódio entrevistando Bernardo Fabiani, da TerraMagna.

Ao longo dessa jornada, percebi que muitas startups tinham funcionalidades cruciais para otimizar o agronegócio, mas careciam de um conhecimento profundo sobre o setor.

Era necessário construir pontes – e a Rural Ventures se posicionou como essa conexão vital, olhando agora com uma visão de contribuição e impulso aos negócios.

Após um ano de escuta ativa e análise do mercado, tomamos nossa decisão: a Rural Ventures investiria em startups do agronegócio. Nosso diferencial? Entender que dinheiro tem preço.

Nossa missão é conectar o agro tradicional ao agro tecnológico, interpretar o negócio e apresentar aos decisores as inovações criadas para elevar a eficiência e reduzir custos desnecessários – gerando impactos positivos tanto para as corporações quanto para a natureza.

Aprendizados da transição

A transição para o venture capital exigiu uma mudança de mentalidade: passei do "modo canibal", competitivo, para um estado colaborativo, onde a construção conjunta se tornou um modelo mental extremamente positivo.

Aprendi que o envolvimento em projetos coletivos traz uma satisfação pessoal imensa e nos permite contribuir de forma significativa para a sociedade.

A arte de dizer "não" se mostrou crucial nesta nova etapa. As oportunidades são muitas e variadas e é preciso avaliar cada uma delas criteriosamente antes de decidir investir.

A empolgação com os projetos é natural, mas é essencial manter a fidelidade à nossa tese de investimento – uma responsabilidade que temos para com aqueles que confiam em nosso julgamento.

Neste novo mundo, que pensa no longo prazo, aprendi a valorizar o "timing" – ele pode determinar o sucesso ou fracasso de uma startup.

Compreender as diferentes perspectivas é um exercício diário no venture capital; é preciso entender como as tecnologias serão recebidas pelo mercado e estar preparado para adaptar-se caso essas percepções mudem.

Por fim, o maior aprendizado veio com o podcast: a importância de ouvir e compreender os pontos de vista alheios. Isso não só enriqueceu minha experiência no venture capital como também me ensinou uma lição valiosa sobre a vida.

Encerro este primeiro artigo convidando-os a escutar – tenho certeza de que vocês colherão frutos valiosos ao entender e absorver as visões das pessoas ao seu redor.

Fernando Rodrigues é fundador e managing partner da Rural Ventures.