Em meio às polêmicas envolvendo os tarifaços dos Estados Unidos e os impasses a respeito do IOF, uma pauta tributária atual, que não se pode perder de vista, diz respeito ao corte de benefícios fiscais pretendido pelo Governo Federal.

Após o Ministério da Fazenda ter sinalizado que apresentaria, em agosto, um projeto para ajustar as contas públicas por meio desses cortes, o Congresso tomou a dianteira.

O Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 128/2025, de autoria do deputado Mauro Benevides Filho (PDT-CE), tramita em regime de urgência e propõe uma redução mínima de 10% nos benefícios federais de natureza tributária, financeira e creditícia entre os anos de 2025 e 2026.

A medida, justificada como necessária ao reequilíbrio do orçamento, traz profundas preocupações a diversos setores, especialmente ao agronegócio.

Quem pagará a conta?

A própria exposição de motivos do PLP, baseada em dados do Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2025, aponta que o Simples Nacional (R$ 121 bilhões anuais) e o agronegócio (R$ 83 bilhões anuais) são os maiores responsáveis pelos gastos tributários federais.

Assim como o Simples, a Zona Franca de Manaus e as entidades do terceiro setor contam com proteção constitucional e, como o governo sinaliza que não pretende retirar os benefícios das pessoas físicas, o corte parece mirar diretamente o agronegócio.

Mas a ameaça é ainda maior. A redução mínima de 10% não se restringe aos benefícios fiscais, pois atinge também os de ordem financeira e creditícia.

Somados aos R$ 83 bilhões de incentivos tributários, o montante total de benefícios federais ao setor chega à casa dos R$ 158 bilhões anuais, conforme dito pelo ministro Fernando Haddad.

Se, em princípio, 10% desse valor — quase R$ 16 bilhões — passar a ser absorvido pelo setor, a consequência natural é que grande parte desse custo chegará à fatura dos consumidores.

Portanto, não é exagero prever inflação no mercado interno e perda de competitividade no cenário internacional.

Há problemas técnicos no PLP nº 128/2025?

Além do impacto financeiro, o projeto padece de graves falhas técnicas. Em primeiro lugar, há uma enorme indeterminação sobre quais setores, bens e serviços serão atingidos.

O artigo 1º do PLP prevê que “os benefícios federais de natureza tributária, financeira e creditícia serão reduzidos em, no mínimo, 10% (dez por cento) no período de 2025 a 2026” e, em seguida, ressalva desse corte “os benefícios mencionados no § 2º do art. 4º da Emenda Constitucional nº 109, de 15 de março de 2021”.

Embora a intenção pareça ser a de proteger os setores com desoneração constitucional, a redação abre uma perigosa margem para interpretações em desfavor dos contribuintes. Isso porque a redação do texto constitucional ressalva apenas os benefícios tributários, o que pode levar o Executivo federal a argumentar que os incentivos financeiros e creditícios desses mesmos setores não estariam protegidos.

Além disso, a proteção genérica da Constituição à “cesta básica nacional” também cria problemas interpretativos, mesmo que essa previsão favoreça em alguma medida o agronegócio.

Quer dizer, um grão, uma fruta ou uma proteína animal destinados à cesta básica estariam, em tese, desonerados. Mas, e se o mesmo item for utilizado como ração na pecuária ou como matéria-prima para a indústria de cosméticos, o que aconteceria?

A falta de detalhamento no projeto gera uma zona de incerteza significativa em âmbito normativo que, fatalmente, resultará em litígios judiciais.

Para agravar, o PLP estabelece uma discricionariedade preocupante, permitindo a aplicação de cortes maiores em determinados segmentos para compensar reduções menores em outros, desde que a meta global de 10% seja atingida.

Diante da sua importante participação nos gastos tributários, o agronegócio corre o risco real de se tornar o alvo prioritário desse “ajuste”.

O projeto ainda impõe severas restrições à concessão de novos benefícios, engessando a capacidade de resposta do Governo a crises — um risco inaceitável para um setor tão exposto a intempéries climáticas e volatilidade de mercado.

Por fim, a previsão de que a lei entrará em vigor “na data de sua publicação” ignora garantias constitucionais como a anterioridade tributária (respeito a determinado prazo para que o novo tributo seja exigido), além de gerar dúvidas sobre a manutenção de benefícios concedidos sob prazo certo e condição, os quais, em princípio, são direitos adquiridos do contribuinte.

Quais benefícios do agronegócio estão na mira?

Embora o texto seja amplo, já é possível identificar alguns alvos prováveis. O principal deles parece ser a Lei nº 10.925/2004, que prevê alíquota zero de PIS/COFINS para uma vasta gama de alimentos e, crucialmente, para insumos essenciais como fertilizantes, sementes e defensivos.

Outro ponto vulnerável são os créditos presumidos de PIS/COFINS para agroindústrias que adquirem de produtores pessoa física, um mecanismo que gera economia substancial em toda a cadeia.

A redução desses incentivos nas contribuições sobre o faturamento significaria um aumento quase imediato nos custos de produção, com reflexos diretos no preço dos alimentos e na competitividade das exportações brasileiras.

Cortes em benefícios de IPI sobre maquinário e em programas de inovação, como a Lei do Bem, também parecem prováveis. Nesse caso, o impacto recai sobre o avanço de setores estratégicos do agronegócio brasileiro.

Quais os riscos de uma tramitação legislativa em regime de urgência?

O regime de urgência na tramitação do PLP agrava o quadro, pois impede uma análise aprofundada pelas comissões do Congresso.

Porém, é bom lembrar que o agronegócio, reconhecido como um dos pilares fundamentais da economia nacional, responde por quase 30% do Produto Interno Bruto (PIB) e emprega cerca de 25% da força de trabalho no país.

Nesse contexto, é fundamental que o diálogo sobre o PLP nº 128/2025 seja aprofundado e conduzido com a devida transparência, envolvendo especialistas técnicos, representantes do setor produtivo e a sociedade em geral.

É necessário que os legisladores compreendam plenamente as consequências de curto, médio e longo prazo que esses cortes trarão, porque a manutenção de benefícios estratégicos ao agronegócio não é privilégio, mas uma garantia essencial à segurança alimentar do País e ao posicionamento competitivo do Brasil no mercado internacional.

E, afinal de contas, não se pode esquecer que toda essa busca desenfreada por recursos surge apenas em razão de um desajuste nas contas públicas, cuja responsabilidade, longe de ser do agronegócio, é integralmente do Governo.

Rafael Pandolfo é coordenador do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET)/RS e sócio-fundador do escritório Rafael Pandolfo Advogados Associados.