O produtor rural brasileiro está submetido a um dos arcabouços regulatórios ambientais mais exigentes do mundo. O principal marco legal que estrutura a relação entre produção agropecuária e preservação ambiental é o Código Florestal Brasileiro (Lei nº 12.651/2012), que estabeleceu bases modernas e sustentáveis para a atividade rural.

Complementarmente, o Projeto de Lei nº 2.159/2021, aprovado pela Câmara dos Deputados em 17 de julho de 2025, propõe uma reformulação no processo de licenciamento ambiental, com o objetivo de racionalizar exigências e oferecer maior previsibilidade jurídica ao setor produtivo.

Entre os instrumentos centrais do Código Florestal está o Cadastro Ambiental Rural (CAR) — um registro público eletrônico obrigatório para todos os imóveis rurais do país, destinado a integrar informações ambientais das propriedades e posses rurais.

O CAR é pré-requisito para adesão ao Programa de Regularização Ambiental (PRA), bem como para o cumprimento das obrigações legais relacionadas à Reserva Legal (RL) e às Áreas de Preservação Permanente (APPs). Além disso, ele é condição para acesso a políticas públicas importantes, como o crédito rural e programas de incentivo à conservação e sustentabilidade.

Com a aprovação do PL 2.159/2021, esse novo marco regulatório passará a integrar o sistema ambiental brasileiro, promovendo maior clareza sobre as exigências de licenciamento.

O projeto propõe, entre outras inovações, a centralização da competência licenciadora em um único ente federativo, a definição de critérios objetivos sobre quando o licenciamento é necessário e a introdução do licenciamento autodeclaratório para atividades de baixo impacto.

Contudo, mesmo com essas medidas de simplificação, o texto mantém o CAR como base essencial para a verificação da regularidade ambiental dos empreendimentos, ou seja, os benefícios do novo marco só se concretizarão para os produtores que tiverem seus cadastros analisados e validados.

A eficácia do CAR, no entanto, depende da análise e validação por parte dos órgãos ambientais competentes — etapa que enfrenta grave atraso em quase todos os estados brasileiros, especialmente devido à inércia administrativa no âmbito estadual.

Passados mais de 10 anos desde a entrada em vigor do Código Florestal, apenas uma fração mínima dos cadastros foi efetivamente analisada.

Essa morosidade afeta de forma significativa os produtores rurais e compromete diretamente a segurança jurídica da atividade agropecuária, dentre os principais impactos temos:

1. Financiamento rural: instituições financeiras exigem comprovação de regularidade ambiental via CAR validado. Cadastros pendentes impedem o acesso a linhas de crédito oficiais ou com juros favorecidos, como no caso do Programa ABC+, limitando investimentos em infraestrutura, tecnologia e expansão.

2. Exportações e certificações: mercados internacionais, certificadoras e cadeias globais de suprimento exigem comprovação de conformidade ambiental. A ausência de análise do CAR reduz a competitividade e o valor dos produtos brasileiros, dificultando a entrada em mercados como o europeu, que já adota barreiras ambientais mais rígidas.

3. Acesso ao PRA e riscos legais: sem validação do CAR, produtores não podem formalizar sua adesão ao PRA nem obter os benefícios associados, como a suspensão de sanções por passivos ambientais. Permanecem, assim, expostos a multas, embargos e restrições, com impacto direto sobre a gestão de riscos e planejamento a médio e longo prazo.

Essa situação é ainda mais crítica em duas das regiões mais relevantes e mais cobradas em termos de preservação ambiental: Norte e Centro-Oeste.

Embora o número de imóveis cadastrados seja expressivo, em 2018, havia cerca de 402.756 imóveis no Centro-Oeste (127% do número de estabelecimentos segundo o Censo 2006) e 644.186 no Norte (135% do número de estabelecimentos segundo o Censo 2006) , a efetiva análise desses cadastros pelos órgãos ambientais estaduais continua extremamente lenta.

No Centro-Oeste, apesar da ausência de estatísticas estaduais atualizadas e consolidadas, levantamento da Serasa Experian aponta que entre 116 mil imóveis rurais da região (principalmente produtores de soja e milho) apenas 48% estariam aptos a crédito automático, enquanto 37% estavam em análise e 15% reprovados por impedimentos socioambientais.

Muitos desses cadastros “em análise” provavelmente nem sequer passaram por avaliação técnica, permanecendo em uma fila indefinida.

Em escala nacional, os dados mais recentes do Sistema de Cadastro Ambiental Rural (SICAR) apontam que, até dezembro de 2024, apenas cerca de 3,3% dos cadastros haviam sido validados. Esse número evidencia a profundidade do gargalo administrativo e seus reflexos especialmente sobre as regiões Norte e Centro-Oeste, áreas chave para a produção agropecuária e exportação brasileiras.

A morosidade compromete a integridade do sistema regulatório ambiental e limita o potencial competitivo dos produtores rurais brasileiros em especial daqueles que agem de boa-fé e buscam cumprir a legislação.

O Brasil deu passos importantes com a criação do Código Florestal e, mais recentemente, com a aprovação do novo marco do licenciamento ambiental. No entanto, nenhum desses avanços terá eficácia plena enquanto persistirem os gargalos administrativos na análise do CAR, e se os mecanismos e prazos estabelecidos para licenciamento ambiental não forem implementados de forma eficaz.

A ausência de validação impede o acesso a crédito, inviabiliza certificações e cria um ambiente de insegurança jurídica que desestimula investimentos e prejudica a imagem internacional do agronegócio brasileiro.

Diante disso, é essencial que União e estados adotem medidas concretas e urgentes para destravar esse processo. Isso inclui: o fortalecimento institucional dos órgãos ambientais; o uso de tecnologia para análise automatizada de cadastros; e a criação de metas de desempenho vinculantes.

Somente com uma estrutura de governança ágil, transparente e eficaz, o Brasil conseguirá alinhar produção e conservação, fortalecer seu papel nos mercados internacionais e consolidar um agronegócio competitivo, sustentável e juridicamente seguro.

Ieda Queiroz é advogada responsável pela área de agronegócios do CSA Advogados.