A especulação com os contratos de cacau no mercado futuro de commodities tem causado disparada de preços e um cenário de muita volatilidade nas últimas semanas.
No dia 19 de abril, o preço bateu um recorde histórico na Bolsa de Nova York, chegou à cotação de US$ 11.461 a tonelada. Desde a última semana, o produto tem oscilado entre altas e baixas, chegou a cair 20% em um único dia, na última segunda-feira, trazendo incertezas sobre o futuro do preço da commodity.
No dia seguinte, terça-feira, os contratos de cacau para o mês de julho tiveram alta – chegando a US$ 7.322 por tonelada, na Intercontinental Exchange, bolsa dos Estados Unidos que é referência para a negociação do produto. Há um ano, o cacau era negociado a US$ 2.500 e, em 2000, custava US$ 650 a tonelada.
Analistas dizem que parte dessa oscilação vem da quebra de safra na África Ocidental, o que afeta a oferta global do cacau, impactando os preços.
Na safra 2023/2024, houve déficit na produção global de 374 mil toneladas, segundo a Organização Internacional do Cacau. Foi o terceiro déficit consecutivo e a estimativa é que esse cenário se repita na safra 2024/2025, considerando que a demanda por chocolate dobrou nos últimos 30 anos – e tende a continuar em expansão.
É essa persistente escassez na oferta, resultado de déficit na safra global por temporadas consecutivas. que alimenta o apetite dos especuladores.
Os contratos futuros são liquidados com a entrega física da amêndoa, o que exige estoques elevados por parte de quem comercializa o produto. E para fugir da oscilação dos preços, grandes fabricantes globais de chocolate estão adiando compras à espera de uma redução nos valores.
“É nas bolsas globais que os preços se desligam da realidade da produção agrícola”, escreveu J.Edward Moreno, repórter do New York Times no início da semana, ao comentar o ritmo das especulações com o produto, que teve um aumento no volume de negociações – o que impacta o preço, além das condições de oferta do mercado.
Dados da Commodities Futures Trading Commission, agência independente dos EUA que regula os mercados futuros, mostram que em janeiro deste ano o número de contratos de cacau aumentou 30% em relação ao mesmo período do ano anterior. Mas em abril, houve uma queda brusca nesse volume de negociações.
Essa variação é o que vem causando oscilação nos preços – e insegurança na indústria, que já iniciou o repasse para os preços do chocolate que chega nas gôndolas dos supermercados. Nos Estados Unidos, Hershey's e Mondelez aumentaram preços entre 4% e 6% este ano e, na Europa, segundo dados da Nielsen IQ os chocolates estão cerca de 13% mais caros desde o ano passado.
Jabier Blas, especialista em commodities, em artigo na Bloomberg, lembrou que “nem todos concordam que os preços atuais são um problema”. Ele menciona que agricultores que estão fora da África Ocidental – entre eles Equador, Brasil, Indonésia e Peru – tendem a lucrar com a disparada dos preços.
Atualmente, 75% da produção mundial vem da África Ocidental – Costa do Marfim, Gana, Camarões e Nigéria, com a Costa do Marfim responsável por 40% do fornecimento global. Ásia e América Latina complementam a oferta.
Segundo dados da Organização Internacional do Cacau (ICCO), países como Bolívia, Colômbia, Costa Rica, Equador, Peru e México – ao contrário da África – lideram na produção e comercialização de variedades especiais de cacau – consideradas premium e que sempre tiveram preços mais elevados no mercado internacional em relação ao cacau produzido na África.
O Brasil, apesar de já ter sido um grande exportador de cacau, hoje não consegue produzir o suficiente para o mercado interno da espécie tradicional do cacau. “O mercado brasileiro é deficitário em cacau. Com isso, a indústria nacional quer segurar o cacau aqui para ser processado”, disse ao AgFeed, Francisco Queiroz, analista da consultoria agro do Itaú BBA.
Ele explica que a precificação do Brasil é feita com a referência da Intercontinental Exchange e leva em conta também custos logísticos, que funcionam como prêmio relacionado às condições de oferta e demanda interna.
“Em geral, o preço de referência Brasil está muito próximo ao preço da bolsa americana de commodities ou acima, por sermos tomadores de preços e precisamos segurar o cacau para ser processado internamente. Portanto, mesmo o produtor nacional não exportando sua produção, também foi beneficiado pela alta dos preços em Nova York”, diz Queiroz.
Apesar de o País ainda ter a necessidade de importar, o desequilíbrio entre oferta local e o cacau importado tem diminuído. O uso de amêndoas nacionais cresceu 7% no ano passado.
“Nos últimos anos tivemos um crescimento constante da produção de amêndoas de cacau no Brasil, reflexo dos diversos investimentos que estão sendo realizados com foco na melhoria da produtividade e nas novas áreas produtivas”, explicou a presidente executiva da Associação Nacional das Indústrias Processadoras de Cacau, Anna Paula Losi.
Com a industrialização de cacau no País em crescimento – a expansão foi de 12% no ano passado – quem sabe a ação dos especuladores acabe estimulando a produção – e o aumento da oferta por aqui.