O fogo que tem se espalhado rapidamente pelo País também vem queimando diversas áreas de pasto. De acordo com o MapBiomas, entre janeiro e agosto, as queimadas consumiram 2,4 milhões de hectares de pastagens, o que representa mais de 21% da área total atingida (11,4 milhões de hectares). Embora exista um impacto direto na produção pecuária, esse cenário complicado não chegou a interferir no mercado de boi gordo, como era de se esperar.
Segundo o analista Alcides Torres, da Scot Consultoria, ao perder área de pasto, o que consequentemente reduz a disponibilidade de comida para o rebanho, seria natural que os pecuaristas colocassem mais cabeças de gado à disposição dos frigoríficos.
“Dessa forma, os preços cairiam. Mas não foi o que aconteceu. O mercado está funcionando independentemente dessa condição”, afirmou o especialista.
As cotações da própria Scot Consultoria indicam alta nas cotações da maioria das praças de comercialização de boi gordo. Em Barretos e Araçatuba, duas referências do mercado de boi gordo no Estado de São Paulo, o preço da arroba passou de R$ 250,01 para R$ 251,45, entre os dias 16 e 17 deste mês.
Na mesma comparação temporal, em Campo Grande (MS), a cotação foi de R$ 257,43 para R$ 259,03. Já na praça de Cuiabá (MT), que também envolve Rondonópolis, o valor ficou estável, em R$ 221,73.
Isso não quer dizer que o cenário não possa mudar, pois diversos fatores influenciam o mercado. Inclusive pelo impacto do fogo na recuperação das pastagens.
Com o menor armazenamento hídrico e a redução de nutrientes no solo, esse processo pode sofrer um atraso de aproximadamente dois meses, o que é bastante para um ciclo de produção de boi gordo.
A direção a ser seguida pelo setor daqui para frente vai depender do volume de chuva que pode, ou não, chegar nas próximas semanas.
Para Alcides Torres, essa condição das pastagens representa uma “bomba-relógio” do ponto de vista agronômico – e, de forma indireta, também zootécnico –, caso não chova até o final de setembro ou início de outubro, como costuma acontecer.
Mais atraso nas chuvas prejudicará o desenvolvimento botânico do capim, cuja disponibilidade é determinante na oferta de bois ao mercado.
Questão de ciclos
Se por um lado a vinda de chuva é um alívio para a pecuária, por outro também pode ser uma preocupação. O período atual é de entressafra do capim, e o excesso de umidade pode provocar o apodrecimento da palhada onde se espera a rebrota, a recuperação do pasto. Este ciclo, que acontece ano a ano, demanda manejo correto para evitar prejuízos.
Outro ciclo pecuário mais extenso que é definido por estratégias de negócio e que mexe com as perspectivas do setor: a oferta de matrizes para o abate. Essa é a opção de muitos pecuaristas quando o preço de bezerros está em baixa e precisam fazer caixa.
De imediato, a resposta é positiva – garante entrada de dinheiro na fazenda e aumento de escala na indústria. A médio e longo prazos, gera uma preocupante reação em cadeia: com menos matrizes, caem a produção pecuária, a disponibilidade de animais no mercado e a oferta de carne bovina, tanto para o mercado nacional como para a exportação.
De acordo com Alcides Torres, a situação está mudando exatamente agora. “Estamos saindo do ciclo de baixa para o de alta, que deve acontecer no segundo semestre do ano que vem”, disse.
Conforme o balanço Visão Agro do Itaú BBA, após três anos consecutivos de abate de matrizes, em 2025 deve haver uma descompressão das margens, principalmente para o segmento de cria. Ou seja, o movimento de queda no preço do bezerro, que chegou a 14% no primeiro semestre deste ano, tende a mudar daqui para o final de 2024.
“Mas ainda será um processo gradual”, afirmou o gerente de Consultoria Agro do Itaú BBA, Cesar de Castro Alves. O executivo avalia que, como os valores de bezerros ainda não avançarão muito, e historicamente os preços do boi gordo acompanham o que acontece no mercado de bezerros, 2024 continuará a ser um bom ano para os frigoríficos.
O quadro também oferece oportunidades aos pecuaristas, que podem aproveitar o momento de reposição barata e garantir um produto final que trará resultados melhores quando os preços subirem. Quem está acostumado a lidar com negociações de hedge aumenta as chances de retorno, pois o boi futuro está valorizado.
A estimativa do Itaú BBA é que a produção formal de carne bovina cresça 15% este ano, na comparação com 2023, ultrapassando a marca de 10 milhões de toneladas. Já as exportações, ainda segundo o banco, devem avançar 20% e chegar a 3,4 milhões de toneladas. E o consumo interno pode aumentar cerca de 13%, batendo a casa de 32 kg/hab, marca recorde de 2013.
Tudo isso passa pela influência das condições climáticas e da incidência de queimadas. A chegada das chuvas na medida certa para reduzir o impacto do fogo e garantir a recuperação das pastagens é fundamental para transformar as estimativas em realidade.
Mais prevenção
Enquanto para lidar com as questões mercadológicas o setor pecuário dispões de diversas ferramentas, ainda é preciso ampliar o leque de soluções para enfrentar os impactos das queimadas. Com o advento das mudanças climáticas, essas ocorrências têm sido mais frequentes. E agravadas também por incêndios acidentais e criminosos, que mesmo sendo esclarecidos deixam um rastro de prejuízos econômicos, ambientais e sociais.
A disponibilidade de material combustível no campo, seja em pastagens, seja em lavouras como as de cana-de-açúcar e milho, que deixam muita palhada residual, exige um monitoramento mais intenso e permanente. As ações de combate e prevenção ao fogo, que são imprescindíveis nos períodos de seca, têm de ser mantidas durante o ano todo, até mesmo para aprimorar o manejo do fogo.
“Toda usina tem uma brigada anti-incêndio, assim como os aeroportos, e essas equipes trabalham o ano todo”, afirmou Alcides Torres. Para o analista da Scot, os representantes do setor pecuário também precisam se aproximar dos órgãos ambientais para tratar melhor da utilização dos aceiros e das práticas preventivas do próprio fogo para conter o avanço dos incêndios.