O aumento da demanda da China por soja brasileira, o fim do surto de gripe aviária na criação de frango, a demanda mais forte por etanol e o aumento da capacidade de armazenamento de milho projetam alta para o preço desses produtos agrícolas. Por outro lado, o aumento da produção brasileira de cana-de-açúcar pode fazer o valor do produto cair.

Esse é o panorama para algumas das principais culturas do agronegócio brasileiro, segundo dois relatórios divulgados nesta terça-feira, 16 de setembro, pelo Itaú BBA.

“Temos uma visão estruturalmente otimista sobre o agronegócio brasileiro, mas somos mais seletivos em termos relativos”, resumiram os analistas do banco Bruno Tomazetto, Gustavo Troyano, e Ryu Matsuyama, que assinam o relatório sobre soja, açúcar e etanol.

A parte otimista tem a ver sobretudo com a soja. No começo desta semana, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) divulgou sua última atualização para a safra 2024/25, elevando a projeção de produção de soja para 171,5 milhões de toneladas. Anteriormente a companhia previa um volume menor, de 169,7 milhões de toneladas.

Enquanto isso, os preços da soja na Bolsa de Valores de Chicago recuaram 3,2% no trimestre até o momento, dada a baixa dos estoques globais.

Aqui no Brasil, porém, as cotações aumentaram 7,3% nesse mesmo período, ampliando o prêmio (o diferencial pago a mais sobre o preço negociado em Bolsa por um comprador). O segredo disso é a China.

“A dinâmica favorável de preços dos grãos brasileiros é amplamente impulsionada pela demanda chinesa, que demonstrou preferência pelo abastecimento de fornecedores latinos em detrimento dos americanos”, diz o relatório do Itaú BBA.

Com tarifaço de Donald Trump, os EUA não venderam sequer um saco de soja para a China neste semestre. Essa decisão teve repercussões devastadoras para os agricultores de um dos estados americanos que mais produzem a oleaginosa: a Dakota do Norte.

Os fazendeiros locais vendiam mais de 70% de sua soja para a China. Até o secretário do Tesouro americano, Scott Bessent, a quem Trump incumbiu de negociar e garantir um acordo comercial favorável com os chineses, se deu mal. Ele também produz soja e milho em milhares de acres na Dakota do Norte.

Do lado brasileiro, entretanto, as exportações também foram elevadas em 401 mil toneladas pela Conab, estimadas agora em 106,65 milhões de toneladas, e os estoques finais devem atingir 10,3 milhões de toneladas.

Milho

Com o milho, a dinâmica é ligeiramente parecida com a da soja. Os preços do milho em Chicago caíram por quatro meses consecutivos, acumulando uma queda de 19% de abril a agosto, refletindo as fortes expectativas de produção tanto do Brasil quanto dos EUA.

No entanto, revisões recentes do Departamento de Agricultura dos Estados (USDA) reduziram as previsões de produtividade dos americanos. Aqui, a demanda mais forte por etanol e o aumento da capacidade de armazenamento permitiram que os produtores adiassem as vendas.

“Isso sustenta um aumento sequencial de 10,3% nos preços do milho nos últimos cinco meses em Mato Grosso. Além disso, os preços dos fertilizantes caíram em um dígito baixo em relação ao mês anterior em setembro até o momento, contribuindo para uma relação de troca mais saudável e melhorando as margens do produtor”, diz o relatório do Itaú.

O grande problema ao qual o Itaú BBA atribui sua “seletividade em termos relativos” é a cana-de-açúcar. O relatório aponta dados da União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (Unica), que reportou números que mostram uma colheita mais fraca que o esperado em comparação com o ano passado, principalmente devido às condições climáticas adversas.

Espera-se uma queda de 6,6% em relação ao ano anterior nos volumes acumulados de esmagamento na região Centro-Sul.

“Isso foi ainda mais intensificado por uma queda de 4,5% no teor de ATR, resultando em uma redução de 10,8% na produção total até o momento nesta temporada”, aponta o banco. ATR é a sigla para Açúcar Total Recuperável, um indicador da qualidade da cana, representando o total de açúcares que podem ser extraídos do produto.

“Esse recente fortalecimento da produção brasileira pode ter pesado sobre os preços do açúcar na Bolsa de Nova York, que caíram abaixo de 16 centavos de dólar por libra-peso”.

No entanto, apesar do teor de ATR ainda estar 4,2% menor do que no mesmo período do ano passado, o Itaú BBA diz que dados quinzenais mais recentes mostraram uma produção positiva, com os volumes de moagem aumentando 8,2% em relação ao ano anterior.

“Nesse nível, o preço do equivalente em açúcar e etanol começa a favorecer a produção de etanol, uma mudança já refletida nas nossas projeções. A previsão é de que o mix de açúcar para a safra 2026/27 diminua de 52% para 49%, que é o percentual da safra atual.”

E os frigoríficos?

Na semana passada, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica (IBGE) divulgou que os volumes totais de abate têm aumentando este ano 4% em relação ao ano anterior.

Uma análise mais aprofundada revela que o abate de fêmeas bovinas aumentou 16% em relação ao ano anterior durante o trimestre, enquanto o abate de machos caiu 6%.

Em abril, a participação de fêmeas no abate total atingiu um recorde mensal de 52,2%, e a média de 12 meses subiu para 44,6% em junho, também um recorde para o período.

“Essa dinâmica reflete a boa disponibilidade de gado para a produção de carne e sugere que os estágios iniciais da fase de retenção de fêmeas (para aumentar o rebanho) podem ser adiados para o próximo ano”, explica o Itaú BBA.

Mesmo com as tarifas americanas, há uma forte demanda de exportação e as margens favoráveis ​​para o confinamento de bovinos continuam a incentivar o abate acelerado. “Isso tem aumentado em 3,2% os preços de exportação, juntamente com uma redução de 2,9% nos custos do gado”, diz o segundo relatório do banco, também assinado pelos analistas Bruno Tomazetto, Gustavo Troyano, e Ryu Matsuyama.

Nesse cenário, uma das empresas mais beneficiadas é a JBS. Desde sua listagem nos EUA, a ação valorizou cerca de 14%. “Mas, mesmo que a avaliação permaneça atraente, o desempenho operacional mais fraco esperado para o próximo ano pesa sobre o papel”, diz o banco.

Já a BRF foi bastante impactada pela gripe aviária que prejudicou o abate de junho. Apesar disso, o crescimento anual continua. De acordo com dados gerais do IBGE, os volumes de abate de frango (em cabeças) caíram 9% em relação ao mês anterior em junho.

“A atividade de abate ainda cresceu 1,4% em relação ao ano anterior, indicando que o crescimento poderia ter sido ainda mais forte na ausência do surto”, relata o banco.

Além disso, o peso médio do frango atingiu um recorde de aproximadamente 2,2 kg por cabeça, corroborando a recente tendência de alta na produção total (em toneladas).

Resumo

  • Na soja, relatório diz que demanda chinesa favorece preços e exportações brasileiras, apesar da queda em Chicago
  • Já para o milho, banco avalia que etanol e maior armazenagem sustentam preços em Mato Grosso, mesmo com safra farta nos EUA
  • No mercado de açúcar, análise é de que alta produção no Brasil pressiona cotações, com tendência de maior foco em etanol até 2027