Segundo o estudo Radar Agtech Brasil 2023, o Brasil fechou o ano passado com 1.953 startups atuando no agronegócio. O levantamento, realizado por Embrapa, SP Ventures e Homo Ludens Research and Consulting, apontou que o número é 14,7% maior do que o registrado na edição de 2022, com 250 novas agtechs mapeadas.
Para 2024, a tendência é que o ritmo de abertura de novas empresas de tecnologia voltadas para o campo se mantenha, segundo especialistas ouvidos pelo AgFeed. O diferencial, segundo demonstrou o Radar Agtech, é que as startups surgem baseadas em tecnologias cada vez mais complexas, como a inteligência artificial, IoT (internet das coisas), automação, digitalização, machine learning, aumento da conectividade e do uso de sensores.
“O lançamento do chat GPT tornou o uso da IA mais acessível para as startups”, afirma Mariana Bonora, CEO da startup Bart Digital e diretora da ABFintechs, associação que representa startups do setor financeiro – inclusive aquelas com foco no agro, como a própria Bart.
Para Mariana, uma tendência para o ano que vem deve continuar sendo o uso de IA nessas empresa, vinculado à uma aceleração de processos dentro dessas empresas.
“As ferramentas já estavam disponíveis, mas todos começaram a estudar e ver como aplicar isso nas atividades”, diz.
Na Bart, agfintech especializada em soluções digitais para documentação de financiamento agrícola, por exemplo, sua equipe passou a utilizar a IA para automatizar análise de certidões e documentos.
“Existe uma expectativa da IA ser utilizada para fazer grandes previsões, análises, score, mas tudo isso ainda engatinha. O interesse pelo tema evolui mais do que os produtos em si”, completa.
Para as agfintechs, Mariana Bonora vê um ano para analisar os aprendizados de 2023. “Tivemos o boom de empresas que queriam juntar o campo e a Faria Lima, e elas viram que não é tão simples”, diz. Para ela, a maior oportunidade das agfintechs está em atuarem na busca de produtor que não tem tanto acesso a crédito ou precisam de uma análise de crédito mais complexa.
“As agfintechs entenderam que precisam criar modelos para atender esse tipo de empresa, um modelo de garantia diferente, ao invés de brigar com instituições financeiras que vão atingir públicos com ratings bons. Vejo essas startups fazendo seu dever de casa, entendendo o que deu errado e criando novos modelos”, diz.
No mapeamento de 2023, foram observadas 815 startups (41,7% do total) em serviços “dentro da fazenda”. 311, ou 17%, “antes da fazenda” e o restante “depois da fazenda”.
O desafio, segundo o Radar Agtech Brasil 2023, ainda é o acesso a investimento em fases iniciais, para escalar o negócio. Outro ponto destacado pelas agtechs ouvidas no levantamento é a inserção dos produtos no mercado.
Fernando Rodrigues, sócio da Rural Ventures, empresa de venture capital que aporta em startups do agro, busca em 2024 empresas que “saibam ler a terra de forma correta”. Essa leitura, segundo ele, não está relacionada somente à análise de solo. “Um DNA da terra que passe, via IA, por diagnósticos precisos sobre o que tenho que aplicar e como aplicar”, diz.
Nesse ponto, ele acredita que startups ligadas a produtos biológicos devem continuar em alta em 2024. Rodrigues analisa que, como o Brasil é pioneiro na adoção dos biológicos no mundo, devemos passar por um processo de maturação daqui para a frente, o que pode movimentar startups. “Vejo uma oportunidade tremenda de crescer nesse mercado e dominar a tecnologia”.
Nesse sentido, ele acredita que empresas mais ligadas à pesquisa e desenvolvimento acabarão “virando commodity” e o que deve surgir são negócios que geram valor em cima dos produtos biológicos.
“O que é a tecnologia hoje? Tratar bem a terra. O serviço ao redor disso gera valor, e devemos olhar para onde existe exponencialização do produto, informação da terra, como prescrever e aplicar corretamente esses biológicos”, diz.
Mariana Bonora acrescenta que, além dos biológicos, startups que atuem com temas ligados à sustentabilidade, carbono e operações verdes devem ganhar ainda mais espaço no ano que vem.
Ela vê o tema aquecido em todas as esferas da cadeia produtiva, até mesmo partindo do governo, tentando estimular e trazendo incentivos maiores no crédito rural. “Em 2024 devemos ter uma aceleração desses negócios, com resultados mais tangíveis”, disse a diretora da ABFintechs.
No universo ESG, Rodrigues vê boas oportunidades em startups que atuam na rastreabilidade. Segundo ele, o tema é importante, mas, na ponta do lápis, como o benefício não é tão claro e visível ao produtor, acaba perdendo relevância.
“Esse benefício precisa chegar na ponta, para que a adesão aconteça mais rápido. Somos pressionados pelo mundo para ser mais verde, mas o fato é que se o produtor estiver no vermelho sem resultado ele não vai adotar de bate pronto, existe uma maturação de contrapartida para o produtor ser ainda mais verde”, acrescenta.
Aglutinando serviços
Rodrigues também pontuou que um grande desafio que as startups do agro terão que enfrentar em 2024 é o de incorporar serviços numa mesma solução.
Com várias empresas que atendem o negócio, cada uma em uma parte da cadeia produtiva, um produtor se vê diante de uma gama de contratos variados para assinar.
“A dificuldade é incorporar diferentes agtechs em um só serviço. Temos um desafio de como compilar essas techs e embarcar isso numa forma acessível para o produtor, e ele enxergar o resultado final na ponta. A forma que chega hoje faz a adoção de tech ser mais lenta”, diz.
Em uma analogia, Rodrigues explica que é como se pegássemos um aplicativo de comida como o iFood e o destrinchássemos em três outros apps. No primeiro, você escolhe o prato a ser pedido, enquanto, no segundo, contrata um entregador para levá-la até você. No último aplicativo, paga pelos serviços.
A exportação de tecnologia é outra tendência vista pelo sócio da Rural Ventures. Nesse caso, ele vislumbra grandes oportunidades de agtechs brasileiras venderem seus serviços para países africanos, pela dinâmica climática e de solo ser parecida com a brasileira.
“A próxima fronteira agrícola do mundo é a África. Então, as agtechs têm que olhar para expandir para lá e não para os EUA. O continente africano é um território aberto e não tem concorrência real. Quem comanda a tecnologia de produção num país tropical é o Brasil e, se tiver que replicar, será na África”, afirmou Fernando Rodrigues.