A temperatura começou a subir no mundo do Venture Capital (VC). Após dois anos vivendo um “inverno das startups”, como dizem alguns players do mercado, o calor parece estar de volta ao mercado e rodadas de investimentos têm ganho tração mundo afora.

Por aqui, a Mandi Ventures, gestora que tem como sócios Antônio Moreira Salles, Julio Benetti e Raffael Teruel, está “animada e otimista” com os próximos meses e já decreta o fim da entressafra nos aportes.

Segundo Moreira Salles, 2024 deve ser o ano em que a Mandi Ventures fará mais investimentos em sua história. Nos últimos seis meses, desde começou a notar uma melhora no mercado de VC, a empresa já fechou quatro negócios.

“Fizemos poucos deals nos últimos anos de forma intencional. Isso não significa que não conhecemos boas empresas, só não fazia sentido para nós naquele momento. Agora estamos fazendo mais investimentos, sempre com o mesmo rigor de diligência, até mais do que tínhamos antes”, afirmou ao AgFeed o sócio da Mandi Ventures.

No fundo da Mandi Ventures, são US$ 30 milhões para aportes em rodadas iniciais (pré-seed até Série A) de startups que atuam tanto no setor de alimentos quanto no setor de agricultura. Os cheques, que variam de US$ 500 mil até US$ 2 milhões, já encontraram oito empresas do tipo, distribuídas tanto no Brasil quanto nos EUA e Europa.

“Falamos desde o conceito Farm to Fork até intersecções com softwares, hardwares, biotecnologia e até climatetechs. Fazemos uma abordagem ampla”, completou Raffael Teruel.

Até agora, a Mandi investiu nas americana Farmers Business Network (FBN) e Alice, na francesa Mium Lab (ex-Les Miraculeux), na britânica Multus e nas brasileiras GrowingCo, Tarken e Gaivota (que hoje é parte da Seedz).

O mais recente deal foi assinado há duas semanas – ainda não foi divulgado. Antes dele, foi comunicado ao mercado um aporte na suíça Cultivated Biosciences. A startup produz um creme de levedura que substitui ingredientes de origem animal usados pela indústria na produção de alimentos, como iogurtes plant-based.

Os sócios estimam que cerca de 55% do dinheiro do fundo ainda não foi investido e que grande parte desse montante deve encontrar destinos em breve.

A Mandi Ventures foi criada em 2020 por Antônio Moreira Salles e Julio Benetti. os dois se conheceram em um MBA na universidade de Stanford, nos EUA, em 2015. Ter o Brasil como terra natal ajudou a formar a amizade dos dois, que também partilham um histórico familiar ligado ao agro.

Depois dos estudos, ambos partiram para caminhos diferentes. Antes do MBA, Moreira Salles – cuja família tem ligações com a produção de café em Minas, além de ser fundadora da Unibanco – já tinha trabalhado nos bancos Morgan Stanley e Santander. Além disso, atuou na CNOVA, que cuida dos e-commerces de grandes empresas do varejo como o Grupo Pão de Açúcar, Casas Bahia e Ponto Frio.

Concluído o MBA, passou um tempo trabalhando para a General Atlantic na China e também atuou como investidor em algumas empresas, seja via gestoras ou via patrimônio pessoal.

Dentre os aportes mais relevantes, ele cita o Quinto Andar, startup do ramo imobiliário que, em sua última rodada, em 2021, foi avaliada em US$ 5,1 bilhões. Antônio Moreira Salles aportou na empresa pela primeira vez em 2014.

Já Júlio Benetti trabalhou na Samsara, empresa que oferece hardwares e softwares de coleta e análise de dados. Quando entrou no negócio, a empresa ainda era uma startup de vinte funcionários. Hoje, é listada na Bolsa de Nova Iorque e avaliada em quase US$ 20 bilhões.

Os dois sempre mantiveram contato e, com a ideia de “fazer algo diferente”, estruturaram a Mandi, que surgiu no mercado no começo de 2020.

“Se olhar nossos históricos, eu tenho um background no mundo financeiro e no universo dos investimentos. Venho do investment banking e do private equity. Do lado do Júlio, ele tem um histórico de consultoria e uma expertise em ver empresas crescerem”, afirmou Moreira Salles.

Segundo ele, quando a Mandi começou suas atividades, o mercado de VC não entendia com clareza o que era o agro. Ele acredita que, com a quebra de algumas cadeias durante a pandemia de Covid-19, a população passou a entender melhor quem eram os fornecedores de alimento, o que ajudou aos players a terem um entendimento maior do setor.

Em 2021, o terceiro sócio, Raffael Teruel, se juntou à empreitada. Ele atuou por mais de seis anos na área de investment banking do JP Morgan. No banco, passou pelos escritórios de São Paulo, Nova Iorque e Londres.

Segundo os sócios, o mercado do Venture Capital está “mais interessante” neste ano. Após uma tempestade perfeita de juros baixos e liquidez de capital que fez o mercado de capital de risco explodir entre 2020 e 2021, o segmento viveu o chamado “inverno das startups”, que desacelerou os negócios e aportes.

“Até 2021 víamos muitos valuations altos e uma exigência de que certas decisões fossem tomadas numa velocidade que, na nossa visão, era fora da realidade. É difícil dizer que esse momento menos aquecido chegou num ponto mínimo, mas acreditamos que agora a situação está mais interessante”, afirmou Moreira Salles.

A empresa deve, então, aproveitar o capital para fazer novos investimentos nos próximos meses. Além do dinheiro em caixa, a Mandi passou por um momento de aumento da equipe. Além dos três sócios, a companhia contratou mais três pessoas.

A ideia, segundo os sócios, é acelerar os processos de análise de possíveis investidas. Com isso, a Mandi montou uma estrutura que é capaz de se mover sozinha, afirmaram os sócios.

“Brinco que se um ônibus atropelar a mim ou ao Raffael, a execução da gestora continua. O negócio inicial tinha uma dependência dos três sócios que é cada vez menor e isso nos libera a fazer coisas novas”, afirmou Moreira Salles.

Teruel ainda cita que vê muitos players do mundo do VC utilizando seu capital em novas rodadas dentro do próprio portfólio, seja complementando rodadas ou participando de novas. “Isso nos deixa uma oportunidade interessante de entrar como novo investidor nos primeiros cheques de empresas”, afirmou o sócio.

Onde estão as novas oportunidades?

A gama de investimentos da Mandi é variada, mas alguns temas chamam mais atenção dos sócios. Segundo Teruel, a ideia básica do fundo é encontrar oportunidades e tecnologias que podem ser adotadas de maneira cross-border, ou seja, que funcionam em vários países.

No agro, a Mandi busca soluções que solucionem problemas macro do setor. “Olhamos para negócios capazes de resolver a escassez de mão de obra, monitoramento em tempo real da qualidade e nutrientes do solo, digitalização e integração dos canais farm-to-fork, além de muitas outras”, explicou.

“Falamos com grandes empresas desde a pandemia de Covid-19 e elas estão muito atentas à tese de segurança alimentar, que tem ganhando também muita força, em especial nas regiões asiáticas e do Oriente Médio”.

Outra tese que a gestora olha com mais carinho é a do clima. De acordo com Teruel, soluções de impacto socioambiental para a cadeia agrícola, principalmente no Brasil, estão no radar do fundo.

“Estamos focados no Brasil em teses de pecuária que envolvam a redução de emissão de metano, rastreabilidade e outras tecnologias que possam reduzir os impactos da atividade agrícola no meio ambiente”, pontuou Teruel.

Nesse sentido, a expertise de Antônio Moreira Salles, que tem cada vez mais se envolvido com questões em torno da Amazônia e de temas ESG, pode ajudar. “Esse é um aprendizado que ele traz da pessoa física para dentro da Mandi e que pode ajudar empresas do setor que querem se posicionar dessa forma”, afirmou.

Os cheques da Mandi Ventures estão focados em empresas com pouca queima de caixa, os chamados asset lights. “A torneira secou para as startups e empresas com essa dinâmica conseguem se destacar”, disse Teruel.

O foco fica em empresas do chamado B2B, ou seja, que vendem suas soluções para outras empresas, e não para o consumidor final. Segundo Teruel, a rede de relacionamento dos fundadores e dos conselheiros da gestora ajuda as startups a terem acesso a novas empresas.

“Conseguimos ajudar no processo de aceleração comercial através da nossa rede de contatos como poucos conseguem no Brasil”.

Antônio Moreira Salles acrescentou que, por mais que o fundo seja “pequeno”, a ideia é ajudar o empreendedor para além do cheque. “Queremos pegar na mão, dar opiniões, abrir portas. Tudo que o empreendedor quiser e que consigamos devolver”, afirmou.