O mercado de capitais vinculado ao agronegócio deve ter um marco para comemorar em 2025. Pela primeira vez, neste ano, deve ser superada a marca de mais de 1 mil fundos de investimentos ativos ao redor do mundo focados em agricultura e alimentos (agrifood), somando mais de US$ 150 bilhões em gestão de recursos.
A conta é da consultoria Valoral Advisors, especializada em investimentos em alimentos e agricultura com sede em Luxemburgo, que enviou recentemente um relatório a seus clientes trazendo suas perspectivas para o ano.
Os desafios não cessam mesmo com a quantidade expressiva de veículos aportando recursos diretamente no agronegócio e já são conhecidos dos investidores: hoje, há menos capital disponível no mercado, as condições financeiras estão mais difíceis, os desafios climáticos se acentuam e as tensões geopolíticas seguem desafiando o setor.
"Olhando para 2025, prevemos que essas condições podem persistir, pelo menos ao longo do primeiro semestre do ano", projeta Roberto Vitón, fundador e diretor executivo da Valoral, que também atua como diretor executivo da gestora The Yield Lab Latam, gestora de Venture Capital com forte atividade no Brasil.
"O dólar americano forte e o ritmo mais lento do que o esperado dos ajustes de taxas de juros provavelmente continuarão exercendo pressão sobre o setor global de alimentos e agricultura", complementa.
Além de trazer perspectivas para o ano, a Valoral também mapeou os 50 principais fundos de private equity, venture capital e investidores institucionais mais ativos no setor na América Latina.
A lista inclui nomes relevantes como Patria, Aqua Capital, Vinci Partners, KPTL, Barn, Vox Capital e a própria The Yield Lab, e outras menores como a WBGI, um venture builder de Piracicaba, no interior de São Paulo, que já investiu R$ 12 milhões em agtechs ao longo dos últimos cinco anos e atualmente tem dez investidas em seu portfólio, com foco em biotecnologia.
"A gente recebeu até com certo espanto nossa aparição em uma pesquisa como essa”, diz Joaquim Cunha, sócio da WBGI. “É sinal de que o nosso trabalho árduo de construção de startups e de tomada de risco está sendo percebido".
Argentino radicado na Europa, Vitón continua acompanhando de perto a sua região de origem, sobretudo por sua atividade no The Yield Lab. Ele chega a fazer, no estudo, uma ressalva sobre seu viés ao falar da América Latina, mas observa que observa “muitas oportunidades” para investidores no continente.
“O sucesso requer paciência, adaptabilidade e habilidade para navegar nos ciclos únicos que definem essa dinâmica região”, afirma.
Os desafios e oportunidades de 2025
“Com crise, se cresce”, já dizia um anúncio elaborado pelo falecido empresário e animador Silvio Santos, e reprisado exaustivamente na programação do SBT em momentos de turbulência econômica no Brasil ou no mundo.
Vitón segue na mesma vertente: “2025 está se configurando para ser um ano de cautela, com riscos que exigem compreensão e gerenciamento cuidadosos. No entanto, ao lado desses desafios, há oportunidades inegáveis”, afirma.
Mesmo diante de um momento recheado de dificuldades, ele atenta para duas tendências que estão ganhando força no cenário de mercado de capitais para 2025 e os próximos anos: uma institucionalização cada vez maior das classes de ativos acompanhada também de um crescimento de investimentos em sustentabilidade.
"Investir na natureza está se tornando cada vez mais atraente para investidores institucionais", diz Vitón.
Isso não quer dizer que os investidores tenham perdido apetite pelo feijão com arroz. Dentro das principais estratégias de investimento no agro, a Valoral menciona que, em 2025, os aportes em terras agrícolas continuarão sendo um pilar de longo prazo, com destaque para ativos irrigados e culturas permanentes.
Além disso, apesar da queda nos preços das commodities, Vitón aposta que grandes mudanças nos valores de terras são improváveis, dada a crescente demanda por investimentos em recursos naturais.
“Fundos de pensão, fundos patrimoniais, fundos soberanos e companhias de seguros buscam cada vez mais terras agrícolas e ativos florestais - uma tendência de aumento que deve se acelerar até 2025”, afirma Vitón.
Só que não se trata de um investimento convencional em terras apenas. A tendência é de que esses aportes em terras e também em silvicultura venham para suprir a demanda de temas “adicionais” como conservação, restauração da natureza e gestão sustentável da terra.
“Isso inclui pagamentos de serviços ecossistêmicos, como créditos de carbono de alta integridade provenientes do sequestro de carbono em florestas e renda vinculada à transição para a agricultura regenerativa.”
O setor florestal, nesse contexto, se fortalece como alternativa para investidores institucionais que buscam retornos estáveis e alinhamento com metas de descarbonização.
A casa destaca também que o Brasil continuará sendo o país que mais recebe investimentos em capital natural na América Latina, e vai dar um empurrãozinho para mais aportes em todo o continente.
A casa projeta que, por sediar a COP30, realizada em novembro em Belém do Pará, o país deve impulsionar um aumento generalizado de investimentos em projetos florestais na América do Sul, feito por investidores institucionais e grandes empresas de tecnologia.
"Com foco em florestas, conservação da natureza e biodiversidade, a América do Sul está prestes a emergir como uma região líder em fluxos de capital neste setor", afirma a Valoral.
Além do Brasil, a Valoral avalia que a Argentina atravessa um momento de reestruturação econômica que pode abrir oportunidades interessantes para investidores de longo prazo. Uruguai, Chile e Peru também estão na lista de países que poderão seguir recebendo investimentos no setor.
A consultoria destacou também que os investimento de private equity devem ter um ano movimentado, com a maturação de portfólios adquiridos entre 2019 e 2021 e novas oportunidades surgindo da necessidade de reestruturação de ativos não estratégicos. Irrigação, biológicos e ingredientes especiais são setores que devem atrair a atenção dos investidores, de acordo com a Valoral.
A casa diz que, nos últimos meses, tem observado “grande apetite” por oportunidades de private equity em setores de agricultura, alimentos, nutrição e bem-estar.
Já o venture capital seguirá, pelo menos no começo do ano, sob ajustes, com menor fluxo de capital para as agtechs. A Valoral classifica como “incerto” dizer até onde vai esse período.
“Esperamos que o primeiro semestre do ano continue a tendência atual, de entradas de capital limitadas e pressão contínua por mais racionalização e consolidação”, afirma Vitón.
Biotecnologia no foco
Em conversa com o AgFeed, Joaquim Cunha, sócio do venture builder WBGI, constatou que o interesse por capital natural mencionado no estudo da Valoral é uma percepção que se comprova na realidade.
"A gente continua gostando bastante da tese de biotecnologia, vemos que há um potencial muito grande. E também entendemos que a tendência do agro cada vez mais se direciona para a sustentabilidade. Estamos olhando para clima, carbono", resumiu Cunha.
Já estão fechados dois novos investimentos em startups até o fim do primeiro semestre e a tentar pelo menos outros dois aportes até o fim do ano, fechando com quatro entradas no total.
Os investimentos em novas agtechs não envolvem um pool de investimentos lançado pela WBGI em dezembro, numa parceria com o Snash, hub de inovação ligado à Sociedade Nacional de Agricultura (SNA). A ideia é movimentar R$ 4 milhões em aportes.