Aplicar biológicos na lavoura é mais do que tendência na agricultura brasileira. A questão é saber qual produto aplicar, que dose usar e quais seriam os microrganismos realmente aliados para recompor a saúde do solo e aumentar a produtividade.
A tecnologia desenvolvida pela B4A, que antes se chamava Biome4All, propõe ser uma ferramenta importante neste diagnóstico. Por meio do sequenciamento genético, machine learning e big data, ela identifica os microrganismos benéficos, aqueles que causam doenças e chega até a recomendação do tratamento biológico mais adequado.
“Somos uma empresa de biotecnologia, nossa expertise é trabalhar com um grande volume de dados desestruturados sobre microbiologia, quando é feito o sequenciamento genético há uma gama massiva de dados sobre estes microrganismos alvo, que são fungos e bactérias e nós transformamos tudo isso em informação”, explicou o sócio fundador da B4A, Leonardo Gomes, em entrevista ao AgFeed.
As informações fornecidas começam por dizer quais são os microrganismos presentes, depois apontar quais aqueles de atuação negativa que precisam diminuir, por exemplo, e chegam até o que Gomes chama de “terceiro nível”, que é a recomendação de manejos e produtos biológicos.
Todos os produtos biológicos registrados no Ministério da Agricultura, incluindo suas descrições técnicas detalhadas, foram introduzidos na base de inteligência do sistema desenvolvido pela B4A. Dessa forma, o próprio produtor rural já recebe uma sugestão de quais produtos tem mais probabilidade de resolver o seu problema, ou equilibrar a saúde do solo de sua lavoura.
Para chegar no diagnóstico, o produtor manda duas amostras de solo de sua fazenda, uma delas de um local que tenha a maior eficiência produtiva.
Desde que foi criada, em 2020, a B4A já avaliou a microbiologia do solo de 250 mil hectares de lavouras, somente na região do Cerrado.
“Nestes 4 anos constatamos grandes diferenças ao comparar estas duas amostras, ou seja, em 95% dos casos, o contraste de produtividade coincide com a diferença grande também na composição microbiológica”, ressaltou.
A partir disso, é montada uma estratégia para combater as deficiências “em relação à área referência”. Se o “benchmark” fosse um dado do País, por exemplo, e não da própria fazenda, a solução ficaria bem menos assertiva, já que o Brasil tem diferentes tipos de solo, culturas e condições climáticas.
Novo “bioindicador”
Um dos saltos da B4A ocorreu em 2021 quando foi selecionada em um programa da Embrapa voltado à startups com apoio da Venture Hub e acabou acelerando o desenvolvimento de suas soluções.
A partir daí, no mesmo ano, a startup passou a liderar um projeto de mapeamento genético do solo brasileiro, chamado Agro Bioma Brasil. Foram monitorados, pelo projeto, 27 mil hectares de diferentes regiões e 7 sistemas de cultivo (soja-milho, soja-trigo, soja-algodão, cana de açúcar, café, mata nativa e eucalipto).
A novidade agora é que o Agro Bioma está sendo “relançado”, desta vez com foco absoluto nas áreas de soja do Cerrado, com o objetivo de mapear a maturidade microbiológica do solo em 8,5 milhões de hectares,
Gomes disse que nos primeiros anos do Agro Bioma, a análise de solo por DNA ainda era pouco conhecida, foi um processo de aprendizado e não foi delimitada uma região específica do País.
Como metade das áreas atendidas eram de soja, ele conta que acabaram constatando que este solo do Cerrado “sempre vai estar num estágio pré determinado de degradação, pela característica de clima, tipo de solo e de estresse abiótico que ele está submetido”.
Nesta etapa serão três fases, sendo que a primeira é o biomonitoramento e a apresentação de estratégias para melhorar a qualidade do solo.
Na segunda fase a startup pretende chegar a um “bioindicador” de maturidade do solo, que permitirá avaliar a resiliência do solo e, consequentemente, mensurar os esforços do produtor para avançar em práticas de agricultura regenerativa. Já a terceira etapa pretende fornecer outro bioindicador, desta vez de carbono do solo.
Desta vez o projeto está sendo viabilizado, principalmente, porque este ano a B4A foi uma das startups selecionadas pelo LIF (Land Innovation Fund), dos Estados Unidos, para fazer parte do Programa Soja Sustentável do Cerrado, resultado da parceria entre o fundo e PwC Agtech Innovation, com apoio estratégico da Cargill, CPQD, Embrapa e Embrapii.
O LIF foi criado em 2021 que apoia iniciativas de soja sustentável com impacto econômico nos biomas latinoamericanos Cerrado, Amazônia e Gran Chaco. O valor investido pelo fundo na B4A não é divulgado.
O projeto destina recursos para startups brasileiras anualmente que tenham alguma tecnologia que vai ajudar a reduzir o desmatamento no Cerrado, relacionado à produção de soja.
“Ao diagnosticar a qualidade biológica do solo e ajudar a recuperar estas áreas, a nossa tecnologia acaba ajudando a evitar o desmatamento, porque se o plantio se torna inviável, por baixa produtividade, o agricultor tende a abrir outras áreas”, diz o sócio da B4A.
O empresário está entusiasmado com o novo “índice” de saúde do solo, que espera lançar no segundo semestre deste ano, e cita os motivos.
“Empresas que trabalham com Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), por exemplo, estão bastante interessadas, porque agora vai ser possível auditar e constatar a evolução na qualidade biológica do solo de um produtor”, explica.
Isso deve facilitar a emissão de títulos como a CPR Verde. “Isso é uma inovação, já é possível estabelecer este financiamento, mas não existia uma tecnologia que faça essa auditoria”.
Segundo Gomes, a previsão é no prazo de 5 anos contar com mais de 3 mil produtores rurais no projeto e 170 empresas parceiras, o que vai desde consultorias agronômicas, universidades, até cooperativas, laboratórios de análises e agentes especializados em PSA.
“Produtor que tem área de floresta e não desmatou é fácil de auditar”, diz o executivo, reforçando que entre os maiores interessados estão as empresas que trabalham com PSA. Este tipo de pagamento, pela legislação, pode ser feito para quem pratica agricultura regenerativa e melhora a qualidade biológica do solo, mas era uma análise muito subjetiva, por isso o índice que está sendo criado, deve ajudar no processo.
O fundador da B4A disse ainda que, no fim do ano, vai lançar outra tecnologia, que vai permitir a predição de áreas com alta probabilidade de degradação.
Faturamento em alta
Com o avanço do projeto e os novos produtos, a B4A espera quadruplicar a receita em 2024 em relação ao ano passado, mas não abre os valores.
Gomes garante que a empresa já atingiu o breakeven e está no meio de uma rodada seed de captação, mas também evita comentar a quantia que está sendo buscada e quais os agentes envolvidos. Na primeira rodada, há dois anos, a captação foi de R$ 1 milhão.
“É uma trajetória de crescimento, já fizemos o dever de casa. Criamos as tecnologias e serviços, estamos aderentes ao que o mercado quer, agora é ter foco na expansão comercial, por isso esperamos continuar multiplicando o faturamento nos próximos anos”, ressaltou.
A mudança de nome, de Biome4All para B4A, segundo ele, nada tem a ver com estrutura de sócios. “Foi apenas para simplificar, era difícil para o produtor pronunciar, este um desafio constante para gente, tornar inclusive o nosso diagnóstico e o nosso painel em algo simples, para que qualquer um entenda”.
A B4A nasceu em Santa Catarina, a partir de projetos que foram iniciados na área acadêmica, na Univali, de Itajaí. Atualmente, tem entre seus clientes não apenas produtores rurais, mas também consultores, cooperativas e indústrias de biológicos.
“As indústrias se juntaram conosco desde o começo porque viram uma forma de mostrar para os produtores as evidencias sobre os benefícios que os produtos deles estão trazendo para a microbiota do solo”, disse o executivo.
Nesta segunda fase do projeto Agro Bioma, Gomes diz que já conta com 15 parceiros estratégicos. Entre eles está o Laboratório Solos & Plantas, com unidades em diferentes regiões do Brasil.
Na primeira etapa do Agro Bioma Brasil, os participantes obtiveram insights importantes sobre as diferentes culturas, segundo a B4A. A consultoria Bom Cultivo, que atua na região Sul, por exemplo, constatou aumento de até 91% da supressividade do solo em algumas amostras após a aplicação de produtos biológicos para melhorar a composição da microbiota.