O açúcar – para o bem e para o mal – é um dos principais insumos da indústria de refrigerantes. Não por acaso, portanto, a mais famosa marca desse segmento está de olho no futuro do principal insumo na produção do açúcar.
A Coca-Cola, através de sua engarrafadora Coca‑Cola Europacific Partners, é uma das investidoras a injetar recursos em uma rodada de captação de US$ 11 milhões realizada recém-concluída pela startup norte-americana Avalo, que promete desenvolver, com modelos de inteligência artificial, uma cana mais resistente ao clima e que utilizaria, no seu ciclo de produção, menos água e fertilizantes nitrogenados.
Assim como outras culturas agrícolas, a cana-de-açúcar também sofre com a redução do volume de chuvas e mudanças bruscas de temperatura ao redor do mundo e também no Brasil, o maior produtor da commodity no mundo.
Um estudo do Laboratório Nacional de Biorrenováveis do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), divulgado no ano passado, projetou que as mudanças climáticas poderão trazer uma queda de até 20% na produção de cana-de-açúcar no Brasil nos próximos dez anos.
Nos Estados Unidos, a Avalo vai começar a desenvolver uma tecnologia de inteligência artificial capaz de identificar mais rapidamente os genes responsáveis por características específicas da cana-de-açúcar, que tem genética complexa e com ciclos longos de melhoramento.
A partir dessa tecnologia de mapeamento genético batizada de Gene Discovery by Informationless Perturbation (GDIP), a Avalo promete identificar genes que podem ser responsáveis por características como resistência a doenças ou ao calor.
Outra solução trazida pela startup é a possibilidade de criar modelos genéticos que são muito mais preditivos do desempenho da planta, de forma mais rápida e com uso menor de informações.
Geralmente, para conectar genes e características das plantas, os pesquisadores utilizam uma metodologia chamada estudo de associação genômica ampla, conhecida pela sigla GWAS.
Os cientistas analisam o genoma da planta em busca de variações no DNA que apareçam consistentemente em plantas com determinada característica, orientando decisões de melhoramento genético.
Com esses dados, os pesquisadores podem selecionar plantas com esses marcadores de DNA e cruzá-las para desenvolver novas variedades mais rapidamente.
“O problema é que a maioria das características importantes na agricultura não são determinadas por um único gene, mas por centenas ou milhares deles, interagindo de forma complexa”, disse o cofundador e diretor científico da Avalo, Mariano Alvarez, ao site AgFunderNews.
“No GWAS, talvez 15% ou 20% dos genes identificados sejam realmente responsáveis pela característica estudada. Nosso modelo tem mais de 90% de precisão”, estimou Alvarez.
O CEO da Avalo, Brendan Collins, lembrou que características das plantas que as tornam mais resilientes às secas e mais eficientes no uso de nitrogênio podem ser determinadas por mais de 1 mil alelos ao longo de todo o genoma da planta.
“Ser capaz de identificá-los com alta precisão nos permite aproveitar toda a diversidade genética natural presente em bancos de sementes globais.”
Para a Coca-Cola, a Avalo está desenvolvendo variedades de cana que podem ajudar a companhia a ter produtos mais resistentes ao clima e, ao mesmo tempo, contribuir para que a fabricante de bebidas reduza suas emissões de gases do efeito estufa do escopo 3.
Além disso, a startup ressalta que, ao modificar a tolerância das plantas à água, também é possível expandir sua área de cultivo para outras regiões.
A ideia da Avalo é, no futuro, oferecer variedades de cana com desconto aos produtores, auxiliá-los no cultivo e na colheita. “Em vez de vender a variedade de cana, compartilhamos os lucros do açúcar produzido”, afirma.
Como se pode perceber, todo esse processo não é uma tarefa simples e a Avalo admite que não conseguirá desenvolver o projeto rapidamente.
A ideia da startup é treinar seus modelos de machine learning ao longo deste ano para, no fim de 2025, começar a fazer recomendações genéticas na cana.
“Não resolveremos isso em um ano. É um projeto de longo prazo, mas muito mais rápido e barato do que antes”, disse o CEO da empresa.
A startup também não pretende ficar restrita à cana. A Avalo já trabalha também com outras culturas como algodão, borracha e arroz, com o mesmo foco de desenvolver culturas menos dependentes de irrigação e de nitrogênio.
Também existem projetos de produção de borracha a partir do látex extraído do dente de leão e variedades de brócolis com crescimento mais rápido, permitindo seis colheitas ao ano ao invés de quatro e sem a necessidade de uso de pesticidas.
Além da Coca-Cola, a rodada de investimentos da Avalo teve participação da Trust Ventures, Trailhead Capital e do investidor-anjo Will Canine, e foi liderada pela Germin8 Ventures e Alexandria Venture Investments.
Também houve a participação de investidores que já haviam aportado na startup, como AtOne Ventures, Better Ventures, SOSV e Climate Capital. Criada por Brendan Collins e Mariano Alvarez em 2020, a Avalo já tinha conseguido levantar US$ 6 milhões em outras rodadas.