Nos últimos meses, a Moratória da Soja — acordo voluntário firmado entre tradings e indústrias para restringir a compra de grãos oriundos de áreas desmatadas localizadas no bioma amazônico após julho de 2008 — deixou de ser apenas uma referência de boas práticas ambientais.
Converteu-se no epicentro de disputas jurídicas que envolvem o Supremo Tribunal Federal (STF), o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e instâncias inferiores do Judiciário.
A controvérsia tem múltiplas camadas. De um lado, a Lei estadual 12.709/2024, de Mato Grosso, proibiu a concessão de incentivos fiscais a empresas que aderem a compromissos como a Moratória da Soja.
De outro, o Cade instaurou processo administrativo para apurar se a atuação coordenada das signatárias do acordo configura prática anticoncorrencial.
Em resposta, o ministro Flávio Dino, relator da ADI 7774, concedeu liminar suspendendo todos os processos judiciais e administrativos sobre o tema, inclusive no Cade, até decisão final do STF.
Apesar de, inicialmente, ter agradado a ambos os lados — ao sinalizar que haverá uma decisão final que vinculará a todos —, a decisão de mérito inevitavelmente frustrará uma das partes.
Para os produtores, a Moratória vai além do que exige o Código Florestal, impondo restrições privadas sem amparo legal. Para as tradings, o acordo é indispensável para assegurar a sustentabilidade da atividade produtiva e para garantir acesso a mercados internacionais cada vez mais avessos ao desmatamento.
A única alternativa capaz de equilibrar essas pressões é uma composição entre os setores, que reconheça a importância dos compromissos ambientais sem ignorar a segurança jurídica e a liberdade de iniciativa dos produtores.
No entanto, esse caminho, embora desejável, parece distante. Tentativas anteriores de diálogo entre a indústria e o setor produtivo rural não forma bem-sucedidas.
A questão ultrapassa o debate ambiental. Está em jogo a definição dos limites da autorregulação privada em políticas públicas ambientais, a possibilidade de interferência estatal sobre pactos voluntários e os efeitos sistêmicos para o comércio internacional de commodities.
A eventual decisão do STF — que poderá consolidar ou enfraquecer o papel de acordos como a Moratória — terá impacto direto na conformidade do Brasil com seus compromissos climáticos e na atratividade do País para investidores ESG.
A composição entre as partes continua sendo a via mais estável e menos litigiosa para uma solução duradoura. Mas, diante do histórico de impasses e da judicialização crescente, o Supremo pode ser chamado a dar a última palavra sobre a validade, os limites e a função dos mecanismos privados de controle ambiental em um setor que, ao mesmo tempo, abastece o mundo e precisa preservar seus biomas.
Marcelo Winter é mestre em Direito Comercial pela PUC/SP e sócio do VBSO Advogados