Na receita comercial da China, cada ingrediente é introduzido com parcimônia, de forma bem calculada para não desandar o prato final.
Por isso, muita gente estranhou quando, após negociações entre o líder Xi Jinping e o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, foi anunciado que os orientais comprariam, ainda este ano, um volume de até 12 milhões de toneladas de soja americana.
Faltando menos de dois meses para o fim do ano, a meta é ousada, sobretudo depois de a China passar cerca de cinco meses sem comprar um grão nos EUA e ter abarrotado seus silos com o produto oriundo do Brasil e da Argentina.
Uma informação divulgada nesta terça-feira, 25 de novembro, pode explicar, pelo menos parcialmente, esse apetite repentino dos chineses, mesmo em um momento em que seu mercado interno não parece tão aquecidos, gerando excedentes internos de produtos como óleo de soja.
Segundo dados alfandegários chineses citados pela agência Bloomberg, o que não está sendo consumido pela população do país está sendo exportado – e em quantidades recordes. As vendas externas de óleo de soja, por exemplo, atingiram em outubro passado a marca histórica de 70,8 mil toneladas.
Somados os dez primeiros meses do ano, chegaram a quase 330 mil toneladas, quase três vezes do total exportado em 2024.
A estratégia chinesa agrada os americanos, que têm de fato registrado um aumento recente na demanda por soja das esmagadoras asiáticas. Somente na semana passada, foram embarcadas 1,6 milhão de toneladas da oleaginosa nos portos dos EUA, a maior aquisição chinesa em dois anos naquele país, embora ainda se duvide que possa atingir as 12 milhões de toneladas anunciadas pelo governo Trump.
E deve gerar preocupação na América do Sul, já que, além de recolocar a soja americana na mesa de negociações, os chineses estão inundando com seu produto alguns mercados relevantes para derivados de maior valor agregado, como o de óleo de soja.
O maior destino do óleo chinês, atualmente, é a Índia, maior importador mundial do produto. Nos últimos meses, o pragmatismo comercial se instalou também entre Beijing e Nova Déli, abrindo espaço para a ampliação das transações entre os dois países, cujas relações diplomáticas são muitas vezes hostis.
De acordo com a Bloomberg, no caso do óleo de soja os chineses têm acenado com descontos de US$ 10 a US$ 15 por tonelada em relação aos preços do produto vindo da América do Sul.
Além disso, o custo logístico e o tempo de entrega também são vantajosos aos chineses, que podem fazer seu produto chegar aos portos indianos em um prazo de 10 a 12 dias, um quinto do necessário para os embarques saídos de Brasil e da Argentina.
Segundo compradores indianos, as importações da China em novembro já atingiram 70 mil toneladas de óleo de soja e podem superar 80 mil até o final do mês e 350 mil toneladas nos próximos seis meses – mais do que toda a exportação chinesa do produto nos dez primeiros meses de 2025.
Resumo
- Após meses fora do mercado americano, a China volta a comprar soja dos EUA enquanto lida com excedentes internos de derivados
- Exportações chinesas de óleo de soja disparam, com descontos e logística mais rápida para a Índia, maior importadora mundial
- Movimento fortalece os EUA na soja e aumenta a pressão competitiva sobre Brasil e Argentina em mercados de maior valor agregado