Belém (PA) – O produtor rural e agroambientalista Caio Penido lamentava ter tido pouco tempo para ver a COP 30, conferência do clima da ONU, em Belém.
A agenda cheia nas últimas semanas, que incluiu uma missão à China e aos Emirados Árabes Unidos, o consumiu, de forma que Penido conseguiu passar apenas pouco mais de um dia na capital paraense.
Ainda assim, na rápida passagem pelo Norte, Penido teve tempo de comemorar importante vitória: a Assembleia Legislativa de Mato Grosso aprovou, em duas votações na tarde da quarta-feira, 19 de novembro, o projeto de lei que institui o programa Passaporte Verde, de compliance para a pecuária local.
O Passaporte Verde é uma iniciativa desenvolvida pelo Instituto Mato-grossense da Carne (Imac), do qual Penido é presidente, em parceria com o governo local e o setor produtivo regional.
O programa, que agora virou lei, propõe o monitoramento socioambiental completo da cadeia da pecuária em Mato Grosso, desde o nascimento do animal até o abate, incluindo a identificação dos animais de forma individual.
A adesão ao programa será obrigatória daqui a dois anos a todos os pecuaristas e frigoríficos locais, mas voluntariamente os agentes da cadeia produtiva já poderão aderir a partir de janeiro do ano que vem.
Dessa forma, os pecuaristas mato-grossenses poderão atestar que a carne local foi produzida com baixa emissão de carbono, em conformidade com a legislação ambiental e sob monitoramento.
Para Caio Penido, em entrevista ao AgFeed, o resultado é um resumo do esforço seu e do setor como um todo há mais de uma década.
“A gente acredita muito na sustentabilidade como estratégia de negócio, na sustentabilidade inserida na estratégia da carne de Mato Grosso. Não é só por agora, por estarmos em meio à COP. Estamos nessa agenda há muito tempo”, relata.
Esta não é a única novidade que o produtor trouxe à COP 30. Em primeira mão ao AgFeed, Penido revelou que está começando a testar sistemas agroflorestais (SAFs) em sua operação em Mato Grosso, a Agro Penido, que hoje possui quase 100 mil hectares.
A operação começa pequena, mas deve tomar corpo em breve. Neste mês, em cinco hectares da fazenda Darro, em Querência (MT), Penido começou a fazer um “piloto” com SAFs, modelo no qual culturas agrícolas convivem com florestas e que é considerado uma importante ferramenta de inserção de agricultura regenerativa no campo.
O projeto ainda está no princípio e a ideia, segundo Penido, é cultivar açaí, cacau, cupuaçu e baru, espécies nativas da região, com ênfase especialmente em açaí e cacau.
“Vai ser um teste, porque há um desafio imenso de mão de obra para esse tipo de cultivo”, explica o produtor rural.
Apesar do desafio, Penido já tem a pretensão de expandir esse piloto para 25 hectares da propriedade até o fim de 2026 e, se a operação deslanchar, chegar a 300 hectares ao longo de 2027.
Penido teve o insight ao perceber que poderia utilizar as certificações que conseguido para demonstrar a qualidade produtiva de sua marca de carnes, a SouBeef, que já recebeu inclusive um reconhecimento internacional da Rainforest Alliance, ONG reconhecida por suas certificações de boas práticas ambientais.
“Percebi que, se eu consegui com a SouBeef acessar esse público nichado, que quer um produto de alta qualidade, super gourmet, super premium, mas também com sustentabilidade, as mesmas certificações que eu tenho e que atendem a carne vão atender também os outros produtos”, afirma Penido.
Os animais da SouBeef são criados a pasto na Fazenda Água Viva, em Cocalinho (MT), no Vale do Araguaia, que já recebeu algumas premiações, sendo considerada uma das fazendas mais sustentáveis do Brasil.
A carne da fazenda é resultado de anos de trabalho no cruzamento das raças Nelore e Angus. Mais recentemente, Penido incluiu sangue da raça japonesa Wagyu, uma das mais valiosas do mundo, nessa mistura, produzindo uma carne com ainda melhor qualidade.
“A gente está tendo agora os primeiros lotes de carne com esse “tricross”, meio sangue Wagyu, um quarto Angus, um quarto Nellore”, explica o produtor rural.
A “catequese” dos chineses
Explicar o cruzamento de raças e a qualidade da carne é uma tarefa até que relativamente simples para Penido quando conversa com os chineses. O difícil, emenda ele, é explicar o que é sustentabilidade.
“Há alguns anos, fui conversar com uma boutique de carne super sofisticada em Chongqing, aliás, uma cidade que ninguém conhece aqui no Brasil, mas que é a maior cidade da China, no meio das montanhas, cheio de viadutos e cachoeiras”, recorda.
“O Mark, dono da boutique, é um cara super moderno. Aí eu falei: ‘Mark, o consumidor chinês está preocupado com sustentabilidade?’. Sabe o que ele respondeu? ‘Desculpa, mas o que é sustentabilidade?’ Essa é uma palavra ainda nova na China. Aí a gente explicou para ele o que é sustentabilidade”, emenda.
“Agora, nos encontramos de novo em Xangai e ele me disse: ‘Eu quero ser a primeira boutique da China a comprar carne do Passaporte Verde!’”, contou Penido, em referência ao programa de pecuária mato-grossense.
Mark já havia sido “catequizado”, mas seu exemplo é incomum. Isso porque, segundo Penido, ainda é difícil para muitos chineses entenderem as regras ambientais do Brasil – um exemplo, menciona o pecuarista, é o fato de o Brasil ter um Código Florestal que permite o desmatamento legal de parte das propriedades rurais.
É por isso que o pecuarista opta por uma linha “orientativa”, ao explicar como a pecuária pode ser produzida de forma sustentável.
Para exemplificar na prática esse discurso, Penido diz que, na viagem à China, teve uma conversa com uma ONG chinesa, que preferiu não identificar, e sentiu que os representantes tinham dificuldades em entender a temática.
“Eles chegaram assim: ‘A gente quer carne de desmatamento zero e carbono zero”. Claramente eles estavam mal ‘brifados’. E aí eu falei: ‘Gente, calma, vamos pensar. Vocês querem carne, né? Em larga escala, né? Não é pouca coisa”, contou.
Em seguida, Penido provocou: “Qual país no mundo oferece uma carne produzida dentro de um modelo que conserva biodiversidade nas propriedades?”
O pecuarista mencionou nominalmente Austrália, Estados Unidos, Uruguai e Argentina. “Alguém tem uma carne que tem um código florestal que conserva a biodiversidade nas propriedades?”, perguntou e respondeu ele mesmo: “Nenhum.”
Penido concluiu: “O que vocês não querem é uma carne de desmatamento zero. Vocês querem uma carne que conserva a biodiversidade. Isso nós temos, e em larga escala”, emendou o pecuarista, explicando que, no Brasil, essa conservação é obrigatória por lei.
O produtor também aproveitou para argumentar aos chineses que “não existe carbono zero”, porque as emissões de CO2 sempre ocorrerão, mas explicou que o sistema produtivo brasileiro carrega uma vantagem: o estoque de carbono das reservas legais e do solo nas propriedades, somado ao carbono retido nos sistemas de produção.
Por isso, argumentou, o país precisa calcular o balanço entre emissão e sequestro. “O que a gente pode te garantir é que a gente tem uma carne de baixo carbono”, afirmou, destacando que isso já existe em escala elevada e pode, no futuro, evoluir para um produto carbono neutro.
Avanços no carbono
Por falar em carbono, Penido tem registrado avanços em transformar o carbono em negócio, bandeira que o pecuarista tem defendido há uma década – quando começou o Projeto Carbono da Liga do Araguaia, com a primeira medição, utilizando a ferramenta GHG Protocol, e monitorou e demonstrou a redução de emissões resultante da adoção de boas práticas agropecuárias.
Neste ano, o pecuarista teve um avanços importantes. Primeiro, em janeiro, a Agro Penido anunciou uma parceria com a startup re.green para restaurar 600 hectares das fazendas Pioneira e Darro, em Querência (MT).
Mais tarde, em julho passado, Penido anunciou um novo projeto, batizado de Carbono Xingu, que uniu sua empresa e a SLC Agrícola, maior operadora de terras agrícolas do Brasil, com quem a Agro Penido mantém uma parceria.
A iniciativa utiliza robôs, inteligência artificial e uma tecnologia nascida na década de 1960 e até mesmo utilizada pela Agência Espacial Norte-Americana (Nasa) para avaliar 18,5 mil hectares em três propriedades rurais.
São 13 mil hectares convertidos de pecuária para a agricultura na região de Querência (MT) - 9 mil hectares na fazenda Pioneira, em parceria com a SLC Agrícola, e 4 mil hectares na Darro, da Agro Penido.
Na mesma fazenda Darro, outros 4,5 mil hectares serão transformados em áreas de pastagem intensiva, assim como outros 1 mil hectares na Fazenda Água Viva.
Para fazer a avaliação do carbono, será utilizada a tecnologia LIBS - Laser-induced, Breakdown Spectroscopy, ou espectroscopia de avaria induzida por laser, é comumente utilizada e consiste em um pulso de laser de alta energia para analisar e identificar materiais, por meio da vaporização dos átomos.
É a mesma tecnologia utilizada pela Nasa para identificar materiais no solo de Marte, por exemplo. No agronegócio, além da análise do solo, é capaz de avaliar plantas, fertilizantes e sementes, como para identificar se um grão de milho é transgênico ou não.
Assim, o robô desenvolvido pelas empresas conseguirá mensurar o quanto se conseguiu estocar de carbono no solo e integrar os dados à metodologia Verra VM0042 para certificação e geração de créditos de carbono auditáveis.
No futuro, Penido vê a possibilidade de comercializar créditos de carbono especialmente com as big techs, grandes consumidoras de energia e ávidas pela compensação.
“Elas estão vindo em busca desse crédito de carbono, já percebendo que elas vão ser grandes emissoras de CO2. Então, elas estão querendo se antecipar e comprar o crédito enquanto o preço ainda está bom”, diz.
Resumo
- Produtor rural e agroambientalista Caio Penido, dono da Agro Penido, comemora na COP 30 a aprovação do Passaporte Verde, programa de compliance ambiental do MT
- Ao AgFeed, Penido diz que iniciou um piloto de sistemas agroflorestais em sua fazenda em Querência (MT), para 300 hectares até 2027
- Na China e nos Emirados Árabes Unidos, ele defendeu que o Brasil oferece, em larga escala, carne de baixo carbono produzida sob um modelo único de conservação de biodiversidade