O mar do crédito agro não está para peixe. A soma da taxa Selic em 15% ao ano com o avanço das recuperações judiciais e inadimplência do setor tem deixado bancos, fintechs e outras instituições financeiras com um pé atrás na hora de capitalizar o setor. Nesse universo, os FIDCs (Fundos de Investimento em Direitos Creditórios) viraram a mais nova moda do mercado.

Isso porque diferente da "cota única", que define o modelo de Fiagro listado em Bolsa, onde todos os investidores têm os mesmos direitos e compartilham igualmente os riscos e os lucros, de forma simples e direta, os FIDCs permitem arranjos com cotas seniores, mezaninos, subordinadas, diluindo o risco e garantindo o crédito na ponta final. Ao mesmo tempo, atrai investidores de perfis variados.

Há quem já esteja nesse universo quando “tudo era mato” e aproveita o boom para crescer ainda mais. É o caso da gestora Orram, casa especializada em FIDCs e que, nos últimos doze meses, viu esse tipo de fundo focado no agronegócio crescer 40% dentro da empresa.

Atualmente, a gestora possui mais de 50 fundos e R$ 8,2 bilhões sob gestão. Deste total, cerca de R$ 1 bilhão é direcionado exclusivamente para FIDCs do agronegócio.

Em entrevista ao AgFeed, o CEO da Orram, Leandro Andrade, contou que a empresa estrutura fundos sob-medida para companhias médias do setor, e que esses fundos dedicados podem variar de um tamanho entre R$ 200 milhões e R$ 500 milhões.

“Pode ser uma empresa química, sementeira, revenda ou distribuidora. Estruturamos um FIDC para levar crédito aos produtores, parceiros e clientes destas companhias. Buscamos empresas que conhecem bem o histórico de suas carteiras de recebíveis. Essas companhias encontram nos FIDCs uma solução de financiamento eficiente para toda a sua cadeia de valor, sejam outras revendas ou o produtor final”, acrescenta.

Hoje, algumas empresas que possuem FIDCs geridos pela Orram são a Tecnomyl e as paranaenses CropField e Disam, três produtoras de insumos para o agro. A primeira faturou R$ 2,5 bilhões no ano passado e a segunda teve uma receita de US$ 150 milhões (cerca de R$ 800 milhões na cotação atual) em 2023, últimos números divulgados.

A Orram foi criada em 2021 para ser a gestora do grupo Osher, casa de investimentos privada fundada por Marco Rennó (CEO) e alguns sócios do Grupo Sifra. Rennó foi o responsável por liderar o Sifra na primeira onda de FIDCs multicedentes e multissacados, em meados de 2008.

O resultado financeiro dessas operações bem sucedidas deu origem à Osher, para administrar os recursos dos sócios investindo em projetos, empresas, fundos de private equity e até de venture capital. A tese é sempre coinvestir com outras casas e investidores.

Na última vertical, a empresa é parceira de casas que investem em startups do agro, como a Barn, de Flávio Zaclis, a KPTL, de Renato Ramalho, e a Arar Capital (gestora criada pela Baraúna Investimentos), de Paulo Ciampolini.

A Orram foi a primeira casa “spin-off” da Osher, que ainda conta com a Okno, focada em ativos estressados, e a Vero, que estrutura CRIs e CRAs e que tem como CEO Fernando Brasileiro, fundador da securitizadora True.

Segundo explicou Andrade, a Orram nasceu para atender uma demanda interna da Osher para gerir os FIDCs do Sifra. A atuação se expandiu para outros setores e, com a rede de relacionamento dos sócios, conseguiu atrair capital institucional de bancos, famílias e gestoras para os fundos.

“A tese é FIDC, dando crédito para pessoas jurídicas do chamado middle market. Somos agnósticos setorialmente, mas pelos relacionamentos acumulados pela gestão, o agro acaba tendo uma forte exposição”, diz.

Além dos fundos 100% dedicados ao agro que somam R$ 1 bilhão sob gestão, a empresa cita que também gere fundos multimercado, e que praticamente todos possuem alguma exposição ao setor, que pode variar entre 5% e 15%. Com isso, o total sob gestão no agro é ainda maior.

Um diferencial na gestão é que a empresa investe junto da companhia que estrutura o FIDC para dar crédito aos clientes e parceiros. Segundo Andrade, a ideia é diminuir a distância entre fundo e empresa.

“Entramos junto com ele no risco da operação e alocamos um certo capital na cota com mais risco. Ao mesmo tempo, trago um capital mais sênior, ‘de renda fixa’, com parceiros investidores de assets, bancos, e fundos, para dar mais volume ao fundo”, conta.

A especialidade, no agro, está nos produtores de insumos, e para driblar a dificuldade que players da Faria Lima encontram em dar crédito ao setor, a Orram escolheu atuar com FIDCs para apostar na expertise das próprias empresas que demandam essas estruturas.

Chamados de patrocinadores, essas companhias como a Tecnomyl, Disam e CropField já possuem a relação comercial com o produtor na ponta final, argumenta Andrade. “Ele conhece o produtor, seu histórico, riscos e safras. É uma relação insubstituível”.

O CEO conta que, em geral, são empresas familiares, a maioria já com a segunda geração liderando o negócio, com boa margem de lucratividade e que demandam uma solução de crédito, não para o próprio balanço, mas para o cliente. Ao mesmo tempo, também rentabiliza seu capital ao entrar na cota com risco mais alto.

Segundo Leandro Andrade, a Orram não teve até agora nenhum caso de default ou inadimplência em seus fundos do agro.

A gestora vislumbra crescimento nessa vertical, mas evita dar projeções exatas por uma estratégia de “crescer com segurança”, dita pelo CEO. Esse avanço passa, contudo, por duas frentes. Organicamente com novos produtos para atuais parceiros quanto novos FIDCs para empresas ainda não clientes. Na segunda via, Andrade projeta de três a quatro novos fundos para novos clientes por ano.

“O crescimento de 40% nos últimos doze meses mostra esse avanço da empresa, que hoje conta com R$ 1 bi em fundos dedicados ao agro”.
Andrade conta que todas as estruturas são personalizadas para cada cliente.

“Discordo da tese de abrir um FIDC por dia. Somos alfaiates, e por isso temos um preço que não é de prateleira. Crescemos esses 40% validando a tese num momento de crédito mais difícil para o agro”.

Resumo

  • A Orram soma R$ 8,2 bilhões sob gestão, com mais de 50 fundos ativos; no agro, já são R$ 1 bi dedicados a FIDCs exclusivos
  • A gestora estrutura fundos de R$ 200 milhões a R$ 500 milhões para empresas como Tecnomyl, CropField e Disam
  • Criada em 2021 como uma empresa do grupo Osher, a Orram investe junto com “patrocinadores” nas cotas mais arriscadas, atraindo capital sênior de bancos e assets, e não registra inadimplência em seus fundos do agro