É um primeiro movimento, ainda tímido, e com poucas chances de prosperar. De qualquer forma, pela primeira vez desde que foram instituídas, as tarifas adicionais de Donald Trump sobre a importação de produtos brasileiros foram oficialmente contestadas por parlamentares das duas casas legislativas dos Estados Unidos.

Em ações quase simultâneas, um grupo de senadores e uma dupla de representantes estaduais (o equivalente aos nossos deputados federais) anunciaram nas últimas horas a apresentação de projetos – respectivamente no Senado e na Câmara – em que pedem o cancelamento dessas tarifas (ou de parte delas).

Ambos os projetos são bipartidários, ou seja, são assinados por parlamentares tanto do Partido Democrata, de oposição, como do Republicano, de Trump. No caso do Senado, com escopo mais abrangente, são cinco assinaturas: Chuck Schumer, líder da minoria democrata no Senado, Jeanne Shaheen, Ron Wyden, Tim Kaine e p republicano Rand Paul.

Eles baseiam sua proposta na tese da ilegalidade das medidas da Casa Branca. Para eles, o presidente americano excedeu seu poder ao utilizar a Lei de Poderes Econômicos Emergenciais Internacionais (IEEPA, na sigla em inglês), que teoricamente daria a ele a possibilidade de regular atividades econômicas em face de ameaças “extraordinárias”.

“O presidente dos Estados Unidos não tem autoridade, sob a IEEPA, para impor tarifas unilateralmente. A política comercial pertence ao Congresso, não à Casa Branca”, disse o republicano, ao justificar seu apoio ao projeto.

Os democratas e mesmo Rand Paul também consideram inadequada a utilização do IEEPA como uma medida de retaliação de Trump ao Brasil por conta do que considera uma “perseguição” ao ex-presidente Jair Bolsonaro.

Paul, como republicano, até concorda com Trump nas críticas ao processo a Bolsonaro, mas entende que esse fato não caracteriza uma emergência econômica internacional, não se aplicando, portanto, nos requisitos da IEEPA.

A segunda proposta a movimentar o Congresso americano partiu dos deputados Don Bacon, republicano, e Ro Khanna, democrata. Sua moção propõe a isenção das tarifas apenas ao café e seus derivados.

O projeto deles é mais pragmático e, ao invés de questões legais ou políticas, mira o bolso dos consumidores americanos.

"Famílias em toda a América estão sentindo o custo dos preços mais altos do café, que já subiram 21%, e tarifar um produto que não podemos cultivar em larga escala comercial só piora a situação", disse Bacon, um dos poucos republicanos a falar abertamente contra as tarifas, à agência Reuters.

A Reuters cita que os preços do dados do Bureau of Labor Statistics mostrando que o café torrado estavam mais de 20% mais caros no varejo em agosto, quando comparados ao ano anterior.

Isso ainda não reflete altas mais expressivas do café no mercado de commodities. Apenas em agosto, a variedade arábica se valorizou cerca de 50% em Nova York.

Seja com os argumentos legais, seja nos econômicos, a movimentação dos parlamentares é vista, porém, como pouco efetiva em relação às suas chances de sucesso.

Segundo Rubens Barbosa, ex-embaixador brasileiro nos Estados Unidos e atual presidente da Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo), dificilmente eles conseguiriam mobilizar um número de votos suficientes para fazer passar suas propostas.

“A lei de emergência econômica realmente não se aplica, mas é muito improvável que o Congresso , com maioria republicana, vá se rebelar”, diz Barbosa, que conhece como poucos os meandros da política em Washington.

“Até porque isso afetaria toda a estratégia de Trump, já que as taxas impostas a outros países estão baseadas na mesma lei”.

Barbosa lembra ainda que, mesmo que houvesse uma surpresa e as propostas fossem aprovadas, a Casa Branca teria uma “margem de recuo” na chamada Lei 301, que permite sanções a outros países com base em questões ambientais – e que Trump poderia sacar contra o Brasil.

Com isso e com as portas diplomáticas fechadas entre os dois países, Rubens Barbosa não enxerga, hoje, caminho para a eliminação das tarifas.

Por outro lado, também não acredita que as prometidas novas sanções americanas em virtude da condenação de Bolsonaro pelo STF passem pela retirada de setores como suco de laranja e celulose da lista de exceções do tarifaço.

“Essas exceções foram definidas por argumentos econômicos e não políticos”, justifica.

Resumo

  • Senadores e deputados dos EUA apresentam projetos bipartidários contra tarifas extras de Donald Trump aos produtos brasileiros
  • Uma proposta questiona legalidade; outra busca isenção ao café e derivados, mirando o bolso dosconsumidores
  • Chances de aprovação são mínimas, diante da maioria republicana e da estratégia comercial de Trump