Se ainda estivesse vivo, Juan Valdez, o personagem criado na década de 1960 para personificar o café colombiano, estaria hoje falando com sotaque brasileiro.
O ator Carlos Castañeda, que deu vida ao icônico personagem, faleceu em abril de 2024, mas ajudou a tornar famoso o café da Colômbia, muitas vezes visto como concorrente do produto do Brasil.
Mas em tempos de tarifaço, o café colombiano nunca esteve tão brasileiro. As importações de grãos nacionais pelo país vizinho aumentaram seis vezes em agosto, na comparação com o mesmo mês do ano passado, de acordo com o relatório estatístico mensal do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé).
O total passou de 16,6 mil para 112 mil sacas de 60 quilos no primeiro mês de vigência da tarifa de 50% que os Estados Unidos impuseram ao Brasil, o que representa uma alta de 578,41%.
O México também não ficou de fora. O país latino-americano aumentou as importações de café do Brasil de 132 mil sacas em agosto de 2024 para 251 mil no mês passado, conforme o conselho.
No geral, o Brasil teve queda nas exportações, de 17,5%, para 3,144 milhões de sacas. No mesmo mês de 2024, haviam sido 3,813 milhões. Os Estados Unidos que, tradicionalmente, representam o maior mercado para o café brasileiro, desta vez, foram ultrapassados pela Alemanha.
Triangulação?
As exportações de café da Colômbia tiveram o maior valor histórico em vendas externas nos últimos 12 meses, chegando a US$ 5,4 bilhões, graças a uma vantagem tarifária sobre os concorrentes, de acordo com dados da Federação Nacional dos Cafeicultores do país. o país paga apenas 10% de impostos ao mandar café para os Estados Unidos, enquanto o Brasil está taxado em 50%, desde o início de agosto.
Para Marcio Candido Ferreira, presidente do Cecafé, Colômbia e México não estão comprando café brasileiro para vender para os EUA.
“O que acontece é que, como o café brasileiro não está indo para os EUA, a Colômbia e o México estão aproveitando a oportunidade para mandar tudo o que podem para o mercado americano. E estão importando do Brasil para que o mercado interno, o consumidor doméstico deles, não fique sem café”, afirma Ferreira.
Mas há um “porém” aí. “Nas negociações tarifárias, o governo americano aboliu a possibilidade de importadores americanos fazerem essa triangulação”, diz o executivo. Mas se a Colômbia e o México industrializarem esse café brasileiro e, então, exportá-lo para os EUA, não há problemas. E pode ser que seja isso que esteja acontecendo.
Tanto Colômbia quanto México são produtores de café. Mas nenhum dos dois planta o tipo conilon, que é o mais indicado para a produção de café solúvel. “Ele também produz uma boa espuma no expresso”, diz Ferreira.
Do total importado pelos colombianos, 77 mil sacas são de conilon, ou seja, 36%. Outras 23,4 mil sacas são de café solúvel. Dentre as compras mexicanas, 198 mil sacas são de conilon, ou 78%. Outras 12 mil sacas são de solúvel. Segundo Ferreira, nada impede que esse café esteja sendo industrializado nesses países e depois enviado aos EUA.
Para os produtores brasileiros, esse aumento das exportações para os países latinos está sendo positivo. O preço pago por saca é de R$ 1350, enquanto o custo de produção do conilon é de aproximadamente R$ 550. “É um negócio muito bom, a produtividade do conilon é a mais alta enquanto seu custo de produção é o mais baixo”, diz Ferreira.
O mercado cafeeiro, segundo o Cecafé, prevê que a safra de conilon este ano chegue a 26 milhões de sacas, contra 22 milhões da última temporada. Por isso, os produtores estão dosando a venda do produto, para que a oferta maior não derrube os preços. Só nos últimos 30 dias, o preço da saca saltou 29% em Nova York (mais concentrada no tipo arábica) e 30,9% em Londres (focada em conilon). No mercado físico brasileiro, o café tipo arábica ficou 26,5% mais caro e o conilon, 33,4% no mesmo intervalo.
O motivo da alta - principalmente após o tarifaço - é a falta do produto no mercado. Fernando Maximiliano, gerente de café da Inteligência de Mercado StoneX diz que, em números aproximados, os estoques regulatórios globais ideais deveriam estar em torno de 50 milhões de sacas. Mas estão atualmente em 30 milhões.
Resumo
- A Colômbia aumentou em 578% as importações de café brasileiro no mês de agosto, segundo o Cecafé.
- Com a tarifa de 50% imposta por Donald Trump ao café brasileiro, os Estados Unidos deixaram de ser o maior mercado para o produto nacional.
- Na Colômbia, o café brasileiro estaria atendendo o mercado interno, já que a triangulação é proibida, mas o processamento para depois exportar aos EUA também seria uma hipótese.