O Supremo Tribunal Federal (STF) voltará a julgar, no próximo dia 18 de setembro, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.395/DF.

Em trâmite há mais de 15 anos na Corte, o caso discute a contribuição ao Funrural (conhecida como sinônimo de contribuição previdenciária) incidente sobre a receita bruta da comercialização da produção pelo empregador rural pessoa física, prevista no artigo 25 da Lei 8.212/91, que trata do custeio da seguridade social.

Em dezembro de 2022, formou-se maioria de 6 a 5 pela constitucionalidade da contribuição ao Funrural, mas permaneceu pendente a definição sobre a validade da sub-rogação, prevista no art. 30, inciso IV, da mesma lei.

O ministro Gilmar Mendes determinou a suspensão nacional dos processos que discutem o tema em janeiro de 2025. A decisão monocrática foi referendada por unanimidade pelo Plenário em fevereiro, garantindo a paralisação dos litígios até a proclamação definitiva do resultado da ADI 4.395.

Para garantir maior operacionalidade na arrecadação, a sub-rogação foi instituída como forma de responsabilidade tributária, na qual a empresa adquirente da produção rural é responsável por reter e recolher o tributo devido pelo empregador rural pessoa física.

O julgamento foi suspenso em 21 de dezembro de 2022, após votação no plenário virtual, para que a proclamação do resultado ocorra em sessão presencial.

O caso é relevante para a União. Segundo a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2025, em caso de vitória dos contribuintes, o risco fiscal é estimado em R$ 20,9 bilhões.

Um breve retrospecto

Historicamente, o STF já se debruçou sobre a constitucionalidade do Funrural. Em 2010, no caso conhecido como “Mataboi” (Recurso Extraordinário nº 363.852/MG), a Corte declarou a incompatibilidade da sua instituição pela Lei nº 8.540/92 (art. 1º), que havia inserido a contribuição na Lei de Seguridade Social.

A vitória dos contribuintes decorreu do fato de a lei ter fixado como base de cálculo “o resultado das operações de venda”, hipótese não contemplada pelo art. 195, I, da Constituição, devendo ter respeitado ainda o regramento para novas fontes de custeio, conforme o art. 195, § 4º da Constituição.

A mesma decisão foi reproduzida no RE nº 596.117/RS, em 2011, com repercussão geral (Tema 202 do STF). À época, declarou-se inválida também a sub-rogação, uma vez que a previsão da retenção pelo adquirente das mercadorias deveria cumprir as mesmas disposições.

O cenário mudou com a entrada em vigor da Lei nº 10.256/2001, que reinstituiu apenas a contribuição do produtor rural. A lei foi editada após a Emenda Constitucional nº 20/1998, que adequou a base de cálculo por meio dos art. 195, inciso I, alíneas “b” e “c”, além do § 8º, da Constituição Federal.

Com base na nova previsão, o STF reapreciou o tema e reverteu o entendimento no julgamento do RE nº 718.874/RS, em 2017, afirmando a constitucionalidade apenas da contribuição desde o advento da Lei nº 10.256/2001, não tratando da sub-rogação.

O atual impasse no STF

O caso atualmente apreciado pelo STF foi proposto pela Abrafrigo (Associação Brasileira de Frigoríficos), ao fundamento de que não haveria permissão constitucional para a incidência de contribuição ao Funrural pelo empregador pessoa física sobre a comercialização da sua produção, devendo incidir sobre a folha de salários.

Segundo a autora, essa distinção somente poderia ser instituída por meio de lei complementar. A sub-rogação prevista para o recolhimento, por consequência, sofre da mesma irregularidade.

Contudo, o relator, ministro Gilmar Mendes, votou pela validade da contribuição e foi acompanhado pelos ministros Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Luiz Fux e Luís Roberto Barroso e Dias Toffoli. Há, portanto, maioria formada para manter o tributo exigível desde o início do julgamento, em 2020.

A discussão persiste quanto à sub-rogação, havendo divergências entre os ministros. Para o ministro Dias Toffoli, embora o tributo seja válido, a sub-rogação não poderia subsistir por inexistência de base legal, pois não foi reinstituída após a declaração de inconstitucionalidade com repercussão geral, em 2011.

Outros ministros, como Edson Fachin, julgaram ambas as previsões inconstitucionais, já que não há como atribuir responsabilidade tributária a terceiros pelo pagamento de tributo manifestamente inconstitucional. O ministro aposentado Marco Aurélio, que proferiu seu voto em 2020, limitou-se a declarar a inconstitucionalidade da contribuição, sem emitir juízo sobre a sub-rogação à luz da Lei 10.256/2001.

Na prática, contudo, o STF vem se manifestando pela constitucionalidade da sub-rogação das empresas adquirentes da produção rural, inclusive com adesão de ministros que votaram pela divergência no início do julgamento da ADI.

Além dos fundamentos da Abrafrigo, pelo menos duas razões centrais direcionam para a invalidade dessa incumbência. A primeira delas é decorrência lógica do julgamento de 2011, uma vez que a pronúncia da inconstitucionalidade impede a aplicação da norma que trata da obrigação, por força da sua incompatibilidade perante a Constituição.

A segunda razão está na violação direta ao princípio da legalidade tributária. A exigência válida só poderia ser restabelecida por nova lei, observados os ditames trazidos pela EC 20/98. Portanto, a transferência do encargo não pode ser suprida por analogia ou interpretação extensiva em matéria tributária.

O impacto para o agro

As repercussões do julgamento marcado para o dia 18 são também econômicas. A sub-rogação, embora pensada como mecanismo de simplificação, transfere a responsabilidade e o passivo fiscal ao elo mais forte da cadeia produtiva – como as agroindústrias e os frigoríficos. O problema é que sua aplicação atual se apoia em dispositivo já declarado inconstitucional, o que amplia a insegurança jurídica.

Se a sub-rogação for julgada indevida, o recolhimento passa a ser obrigação exclusiva do produtor rural. Isso exigirá ajustes em contratos, sistemas de apuração e custos operacionais adicionais, o que refletirá em uma necessidade de maior planejamento pelo trabalhador rural.

Se, ao contrário, o STF validar a sub-rogação, o custo continuará sendo suportado pelas empresas adquirentes, perpetuando um passivo bilionário em litígio atualmente.

Independentemente do resultado, o setor deve manter-se atento: ou assumirá diretamente a responsabilidade tributária e os impactos financeiros de uma eventual derrota, ou, em alguma medida, seguirá arcando com os custos ocultos do tributo nas mercadorias adquiridas.

Em ambos os casos, a conta impacta a cadeia como um todo, nas aquisições, na produção e, inevitavelmente, refletirá mais uma vez sobre a mesa do consumidor.

Rafael Pandolfo é coordenador do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET)/RS e sócio-fundador do escritório Rafael Pandolfo Advogados Associados.