Final feliz, ao menos por enquanto, para uma das novelas que envolvem o programa de recuperação de áreas degradadas do governo federal.

O leilão do Eco Invest Brasil, programa de mobilização de capital privado para projetos sustentáveis, com foco em financiar a recuperação de áreas degradadas, foi bem-sucedido e, inclusive, motivou a criação de novas iniciativas por parte do Tesouro Nacional, líder do certame.

O governo informou que, ao todo, o leilão atraiu a participação de 11 instituições financeiras, com uma demanda de R$ 17,3 bilhões em recursos catalíticos.

Ao que tudo indica, uma dessas instituições ficou de fora do resultado final, de forma que são dez instituições financeiras contempladas com R$ 16,5 bilhões, que são o capital catalítico – recursos a um custo mais baixo, geralmente ofertados por governos e instituições de fomento acelerar projetos que exigem capital mais paciente –, a juros de 1%.

O volume foi maior do que o estimado no evento de lançamento do programa de áreas degradadas, quando Rogério Ceron, secretário do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda, disse que o capital catalítico poderia variar entre US$ 1 bilhão a US$ 2 bilhões – o que, no câmbio do dia, corresponderia a uma faixa entre R$ 5,8 bilhões a R$ 11,3 bilhões.

O Eco Invest utiliza o modelo de blended finance, ou seja, misturando capital privado e público. Assim, com o capital catalítico em mãos, as instituições financeiras selecionadas se comprometem a multiplicar esse valor e trazer mais R$ 13,7 bilhões em capital privado, resultando em R$ 30,2 bilhões em investimentos para viabilizar a restauração produtiva de cerca de 1,4 milhão de hectares.

Os primeiros desembolsos vão ser feitos ainda neste ano, com mais dois a serem feitos em 2026 e 2027.

O desafio ainda é grande, apesar do sucesso do leilão. Isso porque, por incrível que pareça, os 1,4 milhão de hectares ainda representam uma pequena fração da ambiciosa meta do governo federal de recuperar 40 milhões de hectares em dez anos.

Em entrevista a jornalistas nesta sexta-feira, 8 de agosto, durante a Climate Week, em São Paulo, Ceron evitou dizer quais foram as instituições contempladas e quais os valores cada uma vai receber para multiplicá-lo fora do Brasil, afirmando que “nos próximos dias” o Tesouro vai divulgar quais foram os bancos que vão conseguir acessar os recursos.

Ceron disse, no entanto, que o Itaú Unibanco foi a instituição financeira que se comprometeu com o maior volume de recuperação em termos de hectares.

Ao todo, segundo Pedro Fernandes, diretor de agronegócios do Itaú BBA, foram cerca de 300 mil hectares, que corresponde a pouco mais de 20% dos 1,4 milhão de hectares cuja recuperação o leilão pretende financiar.

“Parabenizo a instituição e o trabalho que vocês conduziram, que realmente é relevante, desempenharam e contribuíram muito e, de fato, nos ajudaram a fazer demais esse leilão, com mais sucesso ainda do que o primeiro, e preparando a avenida para os próximos”, disse o secretário do Tesouro.

Em relação à análise das carteiras dos bancos que fizeram propostas para participar do certame, Ceron disse que o governo encontrou assuntos variados entre si. “A gente está olhando ainda as carteiras, mas tem bastante coisa de SAF, de biocombustível de forma mais ampla, reflorestamento, sistemas integrados, pecuária intensiva”, enumerou o secretário do Tesouro.

Em conversa com o AgFeed, Fernandes, do Itaú BBA, disse que, analisando a carteira de projetos verdes do banco de investimentos a receberem recursos do Eco Invest, projetos envolvendo frutas, conversão e florestas trazem “oportunidades” à instituição de utilizar o recurso.

“Acho que os recursos com capital catalítico podem sim ampliar e muito o ritmo com que a gente constrói a nossa carteira de produtos verdes”, disse Fernandes, citando o exemplo positivo do Programa Reverte, desenvolvido pelo Itaú BBA em parceria com a companhia de insumos Syngenta e a organização The Nature Conservancy (TNC).

O Reverte já fez operações em 365 fazendas até agora, somando R$ 1,9 bilhão em financiamento e 262,2 mil hectares em recuperação, com foco na conversão para produção de soja e milho no Cerrado brasileiro.

Mas mesmo sendo uma espécie de “benchmark” para outros projetos de recuperação de pastagens, o Reverte tem alguns pontos que precisarão ser ajustados para estar em linha com as normas técnicas do leilão do Eco Invest.

“O Tesouro foi muito feliz no ponto em que ele colocou o nível de exigência, porque exige um pouco mais em alguns pontos, como mensuração de carbono. Era um ponto que não fazia parte do protocolo do Reverte e é algo que a gente vai ter que incorporar, porque está dentro do manual operacional”, diz Fernandes.

“Temos uma lição de casa aqui para o Reverte, mas acho que a gente já parte de um bom lugar.”

Em relação às taxas de juros a serem cobradas dos produtores em eventuais financiamentos a partir de possíveis recursos do Eco Invest, Fernandes admitiu ao AgFeed que, quanto maior a alavancagem necessária tiver de ser, mais distante o juro cobrado poderá ficar de apenas um dígito.

As instituições financeiras selecionadas pelo leilão e que conseguirem recursos a partir dele estão livres para definir a taxa final de juros ao tomador do financiamento.

“O preço final vai depender do nível de alavancagem efetivamente. Para níveis de alavancagem mais elevados, acho que tem algum desafio de permanecer em um dígito. Para alavancagens menores, a gente acha que, eventualmente, é possível”, disse Fernandes.

“Acho que a composição que terá que ser feita é também de quantos recursos externos são captados e quantos recursos de tesouraria são utilizados.”

O secretário Ceron foi na mesma linha: “Alavancagens menores podem sair mais em conta, mas também elas podem estar fazendo projetos mais simples”, disse.

O desafio de oferecer um juro baixo aos produtores havia sido trazido pelo próprio Ministério da Agricultura e Pecuária, que defendia, no passado, que a taxa cobrada para a recuperação das áreas degradadas fosse de um dígito, cenário que ficou inviável com a escalada da taxa Selic, hoje em 15%.

De qualquer forma, mesmo com a restritividade monetária, Ceron considerou que o leilão foi bem-sucedido em seus objetivos. “Estamos bem satisfeitos com o resultado, todos os atores envolvidos estão felizes e acho que vai ser um grande sucesso e vai se consolidando”, disse.

A partir da boa experiência, o Tesouro Nacional está preparando mais dois leilões, de olho em trazer mais recursos para acelerar a transformação ambiental do país.

O governo pretende lançar ainda neste mês um leilão para novos projetos sustentáveis focado em equity, antecipou Ceron.

Até então, os leilões do Eco Invest – um focado em blended finance e o de financiamento à recuperação de áreas degradadas – haviam sido focados em dívida.

"Vai ser um leilão focado em estimular FIPs, fundos de participações, olhando principalmente a atração de equity externo para cá, para uma agenda mais ampla também, olhando principalmente os novos negócios, a fronteira de inovação na transformação ecológica, nessa transição da economia de baixo carbono", adiantou Ceron.

"Tende a ser um leilão muito mais provocativo e está exigindo um esforço nosso de construção, mas a ideia é atrair esse equity para cá, de novo, fomentando essa integração", emendou o secretário do Tesouro.

Ceron explicou que a ideia é viabilizar um apetite maior de equity estrangeiro por projetos disruptivos de empresas como startups. “E é um pessoal que tem mais dificuldade de acessar capital, porque é muito mais arriscado. É essa agenda que a gente quer enfrentar”, disse o secretário do Tesouro.

O modelo de funcionamento deste leilão ainda está sendo construído, segundo Ceron, que ainda considera “cedo para dizer” os volumes de capital catalítico que estarão envolvidos neste novo certame.

Um outro leilão também deve ser realizado pelo Tesouro até o fim do ano, informou Ceron, com foco em projetos na Amazônia.

Inicialmente, o leilão de áreas degradadas ia excluir o bioma amazônico, mas após uma demanda das instituições financeiras pela inclusão do bioma, o Tesouro voltou atrás na decisão – mas a ideia de um certame direcionado apenas para o bioma amazônico continuou.

“Vamos estar olhando muito a bioeconomia e toda a agenda de produtos baseados na natureza”, disse o secretário.

Resumo

  • Leilão do Eco Invest Brasil atraiu 11 instituições financeiras, selecionou 10 delas e garantiu R$ 16,5 bilhões em capital catalítico
  • Bancos selecionados devem gerar até R$ 30,2 bilhões em investimentos para recuperar 1,4 milhão de hectares
  • Tesouro Nacional prepara novos leilões para ampliar recursos a projetos sustentáveis, incluindo um voltado a equity e outro focado na Amazônia