O mercado de conversão de pastagens atrai, dia após dia, diversas empresas do agro, de olho nas oportunidades que essa atuação traz tanto no aumento da produção de grãos quanto no aceno à sustentabilidade. Isso, é claro, sem deixar de lado a possibilidade de gerar receita com créditos de carbono.

No mais recente capítulo nesse sentido, a centenária estatal marroquina OCP e a brasileira Ambipar se juntaram às instituições Liga do Araguaia e Instituto Agroambiental do Vale do Araguaia (IAVA) para iniciar um programa de recuperação de áreas de pastagens degradadas na região do Vale do Araguaia, região que engloba parte do oeste mato-grossense e algumas cidades de estados como Goiás e Tocantins.

A ideia é restaurar 100 mil hectares de pastagens degradadas na região, sendo 80 mil hectares em 60 fazendas já nos três primeiros anos. O projeto tem duração de 50 anos, com a primeira emissão de créditos de carbono prevista para ocorrer entre de três a cinco anos.

A iniciativa foi batizada de ALM Carbono Verde Araguaia, em uma referência à sigla em inglês para Agricultural Land Management. Na prática, envolve a adoção de “boas práticas” na agricultura, como processos regenerativos, uso de culturas de cobertura e otimização do uso de químicos.

Os pecuaristas participantes receberão treinamentos sobre uma série de práticas sustentáveis, como o uso eficiente de fertilizantes, a partir do manejo 4C (nutriente certo, na quantidade certa, no momento certo e no local certo), o manejo de plantas de cobertura e o uso de ferramentas de agricultura de precisão.

O projeto almeja aumentar o sequestro de carbono no solo e gerar créditos a partir disso. Os créditos serão distribuídos entre os parceiros do projeto, com a Liga do Araguaia e o IAVA recebendo a maioria deles. OCP e Ambipar terão percentuais menores. A auditoria independente será feita pela Verra, seguindo a metodologia VM0042.

Marcos Stelzer, CEO da OCP no Brasil, cita que a ideia é que as terras voltem a ser “saudáveis e produtivas”, tanto em termos de volume quanto de qualidade nutricional de capim.

“Esse processo trará benefícios como a maior captura de carbono (para a posterior geração dos créditos) e o aumento da produtividade pecuária nas fazendas participantes, sem a necessidade de abertura de novas áreas”, disse ao AgFeed.

O processo de restauro envolve a adoção de práticas sustentáveis para melhoria do solo, como o manejo adequado do fósforo, elemento na qual a OCP tem sua fortaleza global. A OCP atua como investidora do projeto e projeta aportar R$ 3 milhões.

Apesar da atuação da empresa, o projeto não prevê o fornecimento de produtos pela OCP Brasil, explica o executivo.

Marcos Stelzer está no cargo de CEO da OCP no País desde janeiro deste ano, quando substituiu Olávio Takenaka, que ocupou o posto por 15 anos. Executivo de carreira no agro, Stelzer foi CEO da Patria Investimentos entre 2023 e 2024, da Galvani Fertilizantes entre 2021 e 2023, e atuou por 17 anos na Anglo American.

Antes de assumir o posto na OCP, foi anunciado como CEO da Alterra, holding de fertilizantes do fundo Pátria criada no final de 2024.

“Esses primeiros meses têm sido de trabalho muito intenso, uma vez que estamos criando as condições para que a empresa cresça de forma sustentável e possamos colocar a OCP Brasil e o Marrocos como parceiros estratégicos do País”, disse ao AgFeed.

No ano passado, a empresa marroquina faturou US$ 9 bilhões globalmente, cerca de R$ 50 bilhões pela cotação atual. Apesar de não informar o percentual por País, Stelzer cita que em 2024, a OCP importou 2,3 milhões de toneladas de fertilizantes fosfatados de alta concentração para o Brasil, patamar que coloca a empresa como principal fornecedora de fósforo por aqui.

“A transformação da agropecuária passa pela união entre ciência, tecnologia e práticas sustentáveis. Este projeto amplia muito nossa contribuição para fortalecer a pecuária e descarbonizar o país. Acreditamos na inovação como impulsionadora de uma agricultura mais eficiente e positiva para a natureza”, afirmou o CEO da OCP no Brasil.

Além do processo de restauração em si, o projeto vai englobar um trabalho de conscientização na região, recrutando pecuaristas e dando treinamentos sobre saúde do solo, sustentabilidade e redução de emissões de gases do efeito estufa.

“Esses pecuaristas serão incentivados a participar e implantar um plano de ação que permitirá a restauração das pastagens degradadas em suas respectivas propriedades”, citou Stelzer.

Mesmo não atuando como fornecedora de produtos, a expertise da OCP no mundo dos fosfatados deve ser mostrada nessa etapa de treinamento.

“O fósforo, fundamental para o enraizamento e o perfilhamento das gramíneas, é encontrado em baixos níveis nos solos brasileiros e o principal aporte de fósforo ocorre via fertilizantes fosfatados. A realização de uma adubagem fosfatada, com o manejo correto do Fósforo (P), garante uma pastagem mais produtiva, duradoura e com maior capacidade de competir com plantas invasoras, o que beneficia o desempenho dos animais”, explica Stelzer.

Ao longo dos anos, os players ainda coletarão e analisarão o solo para monitorar os níveis de carbono conforme as práticas forem adotadas.

Leonardo de Oliveira Gomes, Presidente do Instituto Agroambiental do Vale do Araguaia, diz que, nos últimos seis anos, a região tem sido alvo de projetos de conversão dessas áreas de pastagem degradadas.

“A parte goiana do Vale do Araguaia é uma região que tradicionalmente tem sido explorada pela atividade de pecuária extensiva, o que vem provocando, ao longo do tempo, a degradação das áreas”, afirmou.

Do lado da Ambipar, gigante global com origem brasileira especializada em gestão de resíduos e projetos ambientais que faturou R$ 6,4 bilhões no ano passado, a ideia é acelerar a descarbonização da cadeia agro.

“Essa nova parceria representa um marco na integração entre conservação ambiental, desenvolvimento territorial e geração de créditos de carbono. Estamos estruturando uma cadeia produtiva rastreável, que promove segurança alimentar, valoriza os ativos locais e gera benefícios climáticos, sociais e econômicos”, disse Soraya Pires, Head Global de Soluções de Carbono da Ambipar.

O mercado de conversão de pastagens no Brasil é estimado em 28 milhões de hectares, com uma valorização fundiária de R$ 904 bilhões, segundo um estudo do Itaú BBA. Essa conversão das áreas poderia ampliar em 52% a produção de grãos e evitar emissões de 3,5 bilhões de toneladas de CO2, de acordo com o banco.

A conta para destravar esse potencial, contudo, não é barata. Nos cálculos da instituição, que fez o levantamento em conjunto com a Embrapa, são necessários R$ 482,6 bilhões.

Resumo

  • Ambipar, OCP, Liga do Araguaia e IAVA lançam projeto para restaurar 100 mil hectares de pastagens degradadas no Vale do Araguaia
  • A iniciativa busca gerar créditos de carbono de solo (ALM), com primeiras emissões previstas entre 3 e 5 anos
  • Estimativa do Itaú BBA prevê 28 milhões de hectares de pastagens degradadas aptas para conversão no País, trazendo R$ 904 bilhões em valorização fundiária mas com investimento exigido de R$ 482,6 bilhões