As últimas semanas têm sido de espera e incertezas para os produtores de frutas do Vale do São Francisco. A colheita de mangas deve começar no início de agosto, justamente quando está prevista a entrada em vigor da tarifa de 50% sobre os produtos brasileiros.

“Todo mundo está apreensivo, na expectativa do que vai acontecer, mas o cenário é mais complexo para os pequenos produtores” explica o produtor Paulo Dantas. À frente da AgroDan, maior exportadora de mangas do país, ele produziu 30 mil toneladas da fruta no ano passado. Desse volume, 97% é exportado majoritariamente para a Europa.

“No ano passado os produtores já sofreram com as oscilações climáticas, muitos com dívidas. O respiro só é um pouco maior porque o volume embarcado para os EUA é pequeno dentro do total”, explica Dantas.

Segundo o diretor institucional da Abrafrutas, Luiz Roberto Barcelos, os efeitos indiretos das tarifas estão tirando o sono dos produtores, já que 100% da manga exportada para os EUA tem como origem a região do Vale do São Francisco.

“É uma região com pouca oferta de trabalho e cuja atividade principal é a produção de frutas. As tarifas podem prejudicar não só os produtores, mas os trabalhadores da região, com impactos socioeconômicos”, avalia.

Dados da Abrafrutas indicam que do total de mangas exportadas pelo Brasil em 2024, 80% tiveram como destino o mercado Europeu, que costuma pagar um valor melhor para o produto.

Apenas 14% foram enviados para os Estados Unidos, cerca de 36.849 toneladas, o que representa 13% do faturamento total obtido com as exportações de mangas ou US$ 45.831,00.

Além da manga, a uva e frutas processadas - representadas majoritariamente pela polpa de açaí - serão os produtos que sentirão mais os impactos das tarifas, já que correspondem a 90% do volume total de frutas exportadas pelo Brasil para aquele mercado. Juntas, essas três categorias somaram receita de US$134,9 milhões em 2024.

No caso das uvas, os embarques para os EUA corresponderam a 26,13% do volume total exportado em 2024, com 13,8 toneladas, o que representou 23,46% do faturamento total da exportação, com US$ 41,5 milhões.

Segundo Barcelos, desde o anúncio das tarifas, alguns importadores já solicitaram aos produtores a suspensão dos embarques, uma vez que a manga brasileira ficará cara no mercado.

“Diferente de outros produtos como carne e café, no caso da manga, os varejistas podem adquirir de outros mercados, como Equador e Peru”, pondera.

Barcelos explica que outro ponto de atenção é o fato de a medida do governo dos Estados Unidos ter cunho político e não econômico.

“É a primeira vez que vemos um país superavitário em seu comércio com o Brasil impor barreiras. A solução não depende apenas do poder executivo brasileiro, mas de várias outras instâncias, o que complica ainda mais as negociações”.

No momento, o principal pedido levado pela Abrafrutas ao governo federal é tentar negociar o adiamento da cobrança das tarifas por até 90 dias. O pedido foi feito em encontro recente do presidente da entidade, Guilherme Coelho, com o vice-presidente Geraldo Alckimin.

“É o tempo para o setor se organizar melhor”, diz Barcelos.

Caso as tarifas entrem em vigor em agosto, uma das alternativas vislumbradas pelos exportadores é o redirecionamento de parte das frutas para o mercado europeu.

Barcelos explica ainda que o redirecionamento para a Europa pode acabar sobrecarregando o mercado, causando ainda mais prejuízos. “ O excesso de oferta em um mercado já abastecido causaria queda de preços, inviabilizando os custos para os produtores”, explica.

Paulo Dantas explica que durante o verão europeu, há aumento considerável na oferta de frutas, provocando a queda dos preços.

“A partir de agosto, com o encerramento da safra de outros produtores, a oferta de frutas na Europa tende a diminuir e com isso pode haver melhora de preços”.

A vantagem, segundo Dantas, é que as vendas de manga para o mercado europeu são diluídas ao longo de todo ano, diferentemente dos EUA, para aonde os embarques se concentram em pouco mais de dois meses. Ainda assim, caso haja um descompasso entre colheita e demanda, pode ser que alguns produtores deixem a fruta no pé.

Além da Europa, o setor de frutas vem trabalhando na abertura de novos mercados, mas o processo requer tempo.

Dados da entidade apontam que desde 2023 o Brasil conquistou o acesso a sete novos mercados para envio de avocado, mamão, cítricos e uva, incluindo países como Chile, Índia, Japão, Costa Rica e China.

Somente no primeiro semestre do ano, as exportações brasileiras de frutas cresceram 27,17% em volume, com 546 mil toneladas.

Em receita, o total exportado aumentou 12,58% no período e chegou a US$ 583 milhões. O melão é o carro-chefe dessa cesta, com 118 mil toneladas embarcadas. Na sequência estão os embarques de limões com 107 mil toneladas e as exportações de mangas com 88 mil toneladas.

“Para o melão o impacto é pequeno, quase nulo”, explica Carlo Porro, fundador da Agrícola Famosa, a maior exportadora de melões do mundo.

Com 300 mil toneladas de melões produzidas em 2024, o executivo explica que o maior prejuízo para a Famosa não está no volume que deixará de ser embarcado para os EUA, considerado pequeno - cerca de 400 contêineres de um total de 15 mil exportados pela companhia.

“Vínhamos fazendo um intenso trabalho de posicionamento dos nossos produtos premium naquele mercado, produtos com qualidade superior e a sensação é de investimento perdido”, explica o executivo.

Ele conta ainda que o cenário é mais delicado para os produtores de manga, que ele acompanha de perto, já que dentro dos negócios da Famosa há a TopLink, empresa criada em 2021 para fazer o transporte marítimo de frutas do Brasil para o mercado europeu com o modelo breakbulk.

“Eles estão na iminência do início da colheita e se as tarifas se confirmarem e novos destinos não absorverem essa demanda, há grande risco de vermos fruta apodrecendo nos pés”, avalia.

Resumo

  • A iminente tarifa adicional de 50% sobre exportações brasileiras preocupa produtores de frutas da região, especialmente os de manga, que têm colheita prevista para agosto
  • Parte das exportações para os EUA já foi suspensa por importadores. Outros produtos bastante afetados são uvas e frutos processados
  • No caso das uvas, os embarques para os EUA corresponderam a 26,13% do volume total exportado em 2024