Uma supersafra é sempre uma boa notícia, trazendo a expectativa de que volumes maiores significam mais dinheiro no caixa dos produtores rurais. Mas mesmo uma colheita recorde, neste momento, será insuficiente para mudar a tendência de alta na inadimplência de agricultores e pecuaristas brasileiros.
A visão é de Marcelo Pimenta, head de Agronegócio da Serasa Experian. A companhia, especializada na coleta e análise de dados de crédito, divulgou nesta terça-feira, 1º de julho, um novo levantamento sobre o cenário do endividamento da população rural e constatou que, mais uma vez, os dados são preocupantes.
Segundo o estudo, ao final do primeiro trimestre de 2025 a inadimplência atingia 7,9% dos agropecuaristas brasileiros. Esse índice é 0,3 ponto percentual mais alto que o dado anterior, do final de 2024.
Mais do que o número isolado, dois pontos chamam a atenção de Pimenta: a manutenção de uma tendência de alta do indicador de endividamento e a resiliência da inadimplência em níveis mais altos do que a média histórica do setor.
“E olha que está num patamar mais alto mesmo com os bancos mudando bastante as políticas de crédito e exigindo garantias maiores”, afirmou Pimenta em entrevista ao AgFeed.
Ele atribui esse quadro a uma combinação nefasta de fatores que tem pesado nas contas dos produtores rurais, a começar pelos juros mais altos.
Segundo Pimenta, os custos de produção também estão mais altos por conta da inflação e até mesmo do câmbio, já que boa parte dos insumos tem seus preços atrelados ao dólar.
Mas, mais que uma tempestade perfeita, a situação é, na análise de Pimenta, resultado de um longo inverno que vem castigando o setor depois que um período de bonança.
“Os produtores que estão inadimplentes agora estão colhendo dois, três anos de alavancagens”, pontuou. “Eles já tinham vendido as suas produções à frente e não conseguiram se reorganizar”.
Os últimos levantamentos trimestrais da Serasa têm mostrado consistentemente uma deterioração do chamado Agroescore (indicador que aponta a média dos escores de crédito no setor) para alguns grupos de produtores.
Essa tendência começou a ser vista há três anos, segundo o executivo, “e no último ano piorou”.
A relação com a alta de juros parece evidente. Há um ano, a Selic estava a 10,5% ao ano e, de lá para cá, foi elevada em 4,5 pontos percentuais, atingindo o atual patamar de 15%. E a inadimplência, então, em 7%, quase um ponto percentual menor.
O efeito colateral prático desse cenário é a restrição no crédito. Com o nível de risco de inadimplência mais alto, além de mais seletivos, os bancos reduziram as ofertas e o tíquete médio dos financiamentos caiu.
A ciranda perversa faz com que, no momento em que mais precisa, o produtor consiga levantar menos dinheiro e a custo mais alto.
“Então, você tem custos mais altos, não tem todo acesso ao crédito que você precisa e você continua preso nesse ciclo. Aí você usa menos insumo, acaba tendo uma performance um pouco menor e isso vai trazer menos receita para você e vai piorar um pouquinho mais o seu problema no próximo ciclo”.
“A gente já viu isso, o ticket médio está diminuindo porque o produtor não está conseguindo se financiar ou refinanciar da maneira que fazia por conta do custo do dinheiro”, reforçou Pimenta.
Recursos do Plano Safra 2025/2026, anunciado também na terça-feira, não devem trazer conforto aos produtores. Os juros estabelecidos pelo governo, que variam entre 8,5% e 14%, estão até abaixo da taxa básica, mas o valor total tende a ser insuficiente e exigirá que os produtores procurem outros mecanismos no mercado, mais exigente, para financiarem sua safra.
“O crédito agrícola é o dinheiro mais barato que tem, entre aspas, mas vai ser todo utilizado”, destacou.
Agora, mesmo depois de uma safra positiva, Marcelo Pimenta avalia que as dívidas acumuladas ao longo dos anos passados devem continuar pesando.
“Eles carregam um passivo grande. Então, ótimo que a safra foi boa, foi recorde mesmo, mas isso não vai aliviar muito em termos de margem. O que pode acontecer é sobrar um pouco mais para reinvestir na produção”, explicou.
Para quem já está na linha da inadimplência, ou na iminência de ultrapassá-la, entretanto, essa não deve ser uma opção.
Um dos pontos destacados no levantamento da Serasa é a maior incidência de inadimplentes entre os grandes proprietários rurais. Nesse grupo, o índice sobe para 10,7%, enquanto entre os médios fica em 7,8% e entre os pequenos, em 7,2%.
Isso, na visão do head de agronegócio da Serasa, reflete o comportamento de cada camada de produtores. Os grandes, normalmente, assumem mais riscos, com financiamentos de valores mais altos e maior exposição às oscilações econômicas.
Pimenta recorda que foram esses produtores que, nos primeiros anos da década, investiram mais na expansão dos seus negócios, aproveitando um longo ciclo positivo das commodities agrícolas.
“E a expansão é o quê? Compra de terra. Compra de terra é financiamento e esse financiamento continua existindo quando o mercado vira”, disse.
Com o endividamento crescente, uma queda da Selic a partir do segundo semestre pode demorar a trazer efeitos positivos no que diz respeito à inadimplência.
Para Pimenta, assim como há uma combinação contrária de fatores, é preciso que aconteça uma reversão em conjunto para reverter a tendência atual.
“O agro não tem como escapar da economia de maneira geral. É importante que o dólar esteja mais contínuo, um pouco mais baixo, por conta dos custos. Então a inflação precisa baixar. Inflação baixa, taxas de juros mais baixas e o dólar mais controlado seria a melhor notícia do ponto de vista macroeconômico”, afirmou.
E destacou um ponto que independe da conjuntura. “Do ponto de vista do produtor, é educação financeira e reestruturar as dívidas, fazer um trabalho de reestruturação de dívidas”.
Resumo
- Levantamento da Serasa Experian mostra que inadimplência do produtor rural atingiu 7,9% no primeiro trimestre de 2025
- Índice é 0,3 pontos percentual maior do que o do quatro trimestre de 2024 e 0,9 ponto percentual superior ao de um ano atrás
- Combinação de juros altos, inflação e câmbio desfavoráveis ampliaram o endividamento, na visão de Marcelo Pimenta