Jonas Hipólito ainda não perdeu a timidez. Há menos de seis meses à frente da Biotrop, o jovem CEO de apenas 35 anos começa a entrevista pouco à vontade.
É sua primeira experiência como principal porta-voz da companhia de insumos biológicos, fundada e dirigida durante sete anos por Antonio Carlos Zem, um veterano e carismático empreendedor afeito aos holofotes, cujo nome, ainda uma referência relevante na empresa e no setor, surge várias vezes ao longo da conversa com o AgFeed.
“O Zem deixou um legado muito sólido”, destaca Hipólito, logo de início, em reverência àquele que foi seu mentor e que o escolheu para a missão de comandar uma nova Biotrop.
Ao longo da conversa, entretanto, o executivo vai se soltando, ancorado em números expressivos de crescimento. E indicando os caminhos pelos quais pretende conduzir a companhia, que desde setembro de 2023 é controlada pelo grupo belga BioFirst (então ainda sob o nome Biobest) – um dos maiores fabricantes de insumos biológicos do mundo, com receitas de meio bilhão de euros (cerca de R$ 3,25 bilhões no câmbio atual) apenas nessa área.
Na reorganização promovida pelos europeus no conglomerado no final de 2024, a marca brasileira – adquirida do fundo Aqua Capital por R$ 2,8 bilhões – ganhou status global, ficando responsável pelo desenvolvimento e comercialização dos bioinsumos voltados para grandes culturas.
Assim, caberá a Hipólito estender as fronteiras da Biotrop, seja no terreno de novos produtos capazes de conquistar mercados no Brasil e fora dele, seja com investimentos (já iniciados) na internacionalização de suas operações.
“A gente tem pela frente um trabalho de expansão internacional muito forte”, anuncia.
“Estados Unidos e Europa são pilares muito importantes do nosso negócio, levando a tecnologia brasileira para essas regiões. Então, quando a gente olha para os próximos anos, temos planos de ter unidades de produção nos Estados Unidos e na Europa. Isso está bem mapeado”.
As missões de Hipólito
Hipólito conta ter recebido dos belgas três missões. A primeira é manter o crescimento aqui no Brasil e está sendo cumprida. No ano passado, segundo o executivo, a Biotrop atingiu R$ 760 milhões em receita, um crescimento de quase 40% em relação aos R$ 550 milhões de 2023.
E no primeiro semestre de 2025 o ritmo se mantém acima dos 35%. “Mesmo em um ano adverso como esse, em que o setor avança a uma taxa de 6% a 8%, a gente tem conseguido entregar o crescimento a que se propõe, tem conseguido atender os nossos clientes com o primor que a gente busca, tem sido criativo ao encontrar as oportunidades”, afirma.
As outras missões são fazer da Biotrop uma marca “protagonista nos Estados Unidos e na Europa, nos grandes cultivos” e continuar investindo forte em inovação.
Para cumprir o plano internacional, a empresa já despachou seus primeiros agentes para os dois fronts. Nos Estados Unidos, segundo o CEO, a empresa já tem sete pessoas baseadas na Flórida, atuando nas frentes de vendas, marketing e regulatória.
“A gente já vai faturar e, para o primeiro ano, será um faturamento interessante”, revela Carlos Batista, diretor comercial da companhia, que esteve ao lado de Hipólito ao longo de toda a entrevista. Segundo ele, a empresa já tem 180 clientes ativos no país, mais especificamente nos estados do Missouri e da Georgia, com foco nas culturas de amendoim, algodão, soja e milho.
O portfólio ainda é inicial, por enquanto com todos os produtos enviados do Brasil. O trabalho é intenso para ampliar a oferta a partir do registro de mais produtos junto às autoridades americanas.
O plano, entretanto, é produzir localmente em cerca de dois anos, com a instalação de um Centro Avançado de Multiplicação de Microrganismos (CAMM). “A gente não chama de fábrica”, explica Hipólito.
“Os Estados Unidos estão bastante avançados e o plano é, no ano que vem, dar esses passos também na Europa”, afirma o CEO.
Por enquanto, no Velho Continente, a empresa conta com apenas um posto avançado em Portugal, com uma pessoa atuando na área de registros de produtos, mas que deve receber em breve reforços com um time semelhante ao enviado aos EUA.
A prioridade dada à frente regulatória não é por acaso. Além de dispendioso, o registro de defensivos um obstáculo importante na missão da Biotrop, especialmente na Europa, em função do tempo necessário para obtê-los.
Desde 2022, a Biotrop tem feito incursões em diferentes países – além de Portugal, Espanha, Itália, França e a própria Bélgica, em busca de “uma brecha” nas longas filas nos órgãos regulatórios para conseguir dar entrada nos processos.
A Europa, segundo Batista, não prioriza os biológicos, que precisam entrar na mesma fila de registros dos defensivos químicos. A análise para o registro europeu é descentralizada, pode ser feito em qualquer país da União Europeia, mas em todos eles as esperas costumam ser longas. E, depois do europeu, é preciso fazer um novo registro local.
“Conseguimos agora uma brecha na Eslovênia para que a gente possa começar a fazer os registros dos biodefensivos a partir de 2026”, afirma Batista.
“Enquanto isso, vamos inicar o trabalho com bioestimulantes e inoculantes, que são mais fáceis de conseguir. Só não estamos mais fortes na Europa porque tem esse delay, essa dificuldade em registro de produto”.
A trilha da inovação
Além de Batista, Hipólito divide também as atenções com Douglas Gomes, diretor de Pesquisa e Inovação da Biotrop. Cabe a ele apontar os caminhos que estão sendo trilhados dentro dos CAMMs para garantir que o ritmo de crescimento se mantenha.
Isso porque, segundo Gomes aponta, a cada ano 20% a 25% das receitas da empresa são provenientes de produtos lançados nos 18 meses anteriores – e essa mesma fatia é reinvestida em P&D.
Assim, a esteira de desenvolvimento não pode parar. Segundo Hipólito, a empresa atingiu mais de 40 milhões de hectares tratados com seus produtos na última safra – a conta leva em consideração múltiplos tratamentos em uma mesma área.
“Se usou no tratamento de semente, aí depois usou no foliar, conta mais de uma vez”, diz.
Segundo ele, há vários produtos novos ganhando tração, como bioinseticidas usados na cultura de algodão. “A gente tinha lá a tecnologia validada, pronta. Quando surgiu a oportunidade, conseguiu posicionar”.
“Nós olhamos para os mercados mais promissores, com maior potencial, e é neles que estão os maiores desafios”, emenda Gomes.
No pipeline de inovação da Biotrop a orientação é mesclar novas cepas, novos ingredientes ativos em busca de soluções para as principais ameaças das grandes culturas.
Os pesquisadores da empresa têm à sua disposição uma coleção de mais de 4 mil isolados de bactérias, fungos e actinobactérias para fomentar o processo de desenvolvimento de novas tecnologias.
A empresa também tem mergulhado em tecnologias mais disruptivas, que, segundo Gomes, entram em um horizonte de médio a longo prazos, mais longo, como os peptídeos e os RNAs de interferência (RNAi).
Na esteira de curto prazo da Biotrop, já em fase final de registro no Brasil, estão bioinseticidas que têm como alvos o bicudo do algodoeiro e o bicudo da cana. Para o primeiro, a expectativa é de lançamento nos próximos seis meses.
Outro produto em etapa final de desenvolvimento e validação é um bio-herbicida de contato para daninhas pós-emergentes. Trata-se, de um mix de extratos botânicos vegetais com metabólicos de micro-organismos.
“É um produto bastante diferente do que a gente tem em termos de defensivos químicos”, afirma Gomes.
“Tem funcionado para daninhas de folhas largas e estreitas, com uma ação muito rápida. Com isso, traremos para o portfólio da Biotrop uma alternativa para uma fraqueza que existe nas moléculas de defensivos químicos, principalmente os herbicidas”.
O potencial desse produto é visto como transformador pela companhia. Segundo Batista, ele seria o primeiro registro de um bio-herbicida a ser apresentado no Ministério da Agricultura.
“Estamos inaugurando esse segmento”, afirma. “Essa é uma tendência dos últimos dez anos na agricultura, mas hoje, efetivamente, a Biotrop é a primeira empresa que realmente tem alguma coisa a mostrar ao mercado”.
Os metabólicos estão também no centro de outro produto, em fase de registro no Mapa, para controle do percevejo da soja. Segundo Batista, o pedido tramita há mais de um ano no ministério, que não conseguia adequar a inovação aos seus critérios.
“Nós conseguimos ajudá-los a entender como é o produto, como é que registra. Então, estamos abrindo a porta também para um monte de empresas e para um monte de produtos nesse segmento dos metabólicos”, diz. “Isso traz um pouco da liderança e também da inovação, acima de tudo, que a Biotrop tem”.
Em médio e longo prazos, Gomes espera que as novas tecnologias disponíveis levem ao desenvolvimento das próximas gerações dos herbicidas, com biológicos pré-emergentes, pós-emergentes sistêmicos e pós-emergentes seletivos, por exemplo
“A gente tem o arrojo de buscar soluções que sejam tão eficazes como químicos, que tenham custo similar em grandes mercados, mercados tecnicamente desafiadores”, resume o CEO Jonas Hipólito.
“Exigem muito do ponto de vista de inovação, mas é o que vai nos fazer entregar o crescimento que a gente busca”.
O desafio da distribuição
Não há, entretanto, crescimento sem que haja um mercado saudável e com distribuição eficiente para fazer os produtos chegarem aos agricultores. E, nesse ponto, a Biotrop encarou também percalços nos últimos meses.
Criada com aportes do fundo Aqua Capital, a companhia tinha uma parceria natural com a AgroGalaxy, rede de revendas controlada pelo mesmo investidor. Essa parceria permaneceu ativa mesmo depois da venda da Biotrop para os belgas da BioFirst.
Só foi rompida dias antes de a Agrogalaxy ingressar com o pedido de recuperação judicial, em setembro do ano passado. Assim, não foi espanto para ninguém quando o nome da Biotrop apareceu com destaque na lista de credores da distribuidora, com um total de R$ 115 milhões em créditos a receber.
Isso explica, em parte, o fato de, embora expressivo, o crescimento não tenha levado a Biotrop a atingir os R$ 930 milhões em receitas que o antigo CEO, Antonio Carlos Zem, havia previsto para o fim de 2024.
Jonas Hipólito diz, hoje, que aquele susto foi administrado e digerido pela companhia. “Quando ocorreu essa infelicidade, a gente rapidamente buscou alternativas”, afirma.
A estratégia, segundo ele, foi intensificar o trabalho de campo dos 280 profissionais da área de vendas da companhia para gerar demanda. E prospectar outras redes de varejo para distribuir seus produtos nas regiões que ficaram desatendidas pela AgroGalaxy.
“Juntamos a fome com a vontade de comer. Outros parceiros tinham desejo de trabalhar com a Biotrop. Já tínhamos isso mapeado. Então, perderam-se alguns aneis, mas ficaram os dedos. Diria que hoje a gente ficou até em uma posição mais forte, com uma posição mais pulverizada de acesso ao mercado”.
A empresa teve também de ser criativa para driblar as restrições de crédito que o mercado passou a sofrer, seja pelo aumento da percepção de risco gerada pelas RJs no setor, seja pela elevação dos juros, que diminuiu o apetite de agricultores por tecnologia e inovação.
No meio da crise, a companhia usou um trunfo que já vinha sendo preparado há alguns anos, que é o BioFinance, um programa de apoio aos clientes junto ao mercado financeiro.
“A gente montou uma estrutura interna que atua como um catalisador de negócios, contando com apoio de alguns bancos”, conta Hipólito.
Segundo ele, a iniciativa conseguiu mostrar ao mercado financeiro que o cliente que usa insumos biológicos é, em geral, mais tecnificado, tem produtividade mais alta e mais resiliência.
“Então, é um cliente que tem menos risco, com mais capacidade de pagamento”, disse. “A gente consegue encontrar esses ângulos virtuosos e viabilizar negócios”.
Outra frente incentivada e que, segundo os executivos da empresa, respondeu bem, foi a venda direta, iniciada há dois anos. Antes disso, segundo Batista, a estratégia da Biotrop foi acessar o mercado através das revendas.
Desde 2023, no entanto, com mais força em 2024, em 2025, o relacionamento direto com grandes clientes passou a ganhar corpo e a empresa começou a estruturar modelos específicos para atender as necessidades deles.
Há dois anos, cerca de 75% das receitas provinham das redes de distribuição. Agora, esse total caiu para cerca de 60%, com 40% sendo originado diretamente com grandes produtores, incluindo aí as usinas do setor sucroenergético.
As cooperativas também passaram a ganhar atenção especial, já que têm ocupado parte do espaço deixado pelo fechamento de lojas grandes redes como AgroGalaxy e Lavoro.
“Não é um movimento novo, mas é um movimento que estava esquecido”, afirma Batista.
A empresa criou um programa específico para incentivar a comercialização de biológicos pelas cooperativas e já tem, segundo Hipólito, mais de 20 em processo de vendas.
“Então, assim, hoje a gente acredita que nós já estamos bem localizados na distribuição, com algumas exceções. Mas o movimento maior aqui é olhar a cooperativa e a venda direta”, reforça o CEO.
Nesses dois segmentos, admite Batista, a margem da Biotrop fica um pouco menor “porque eles são muito mais competitivos, a escala deles é muito maior”. Mas, em compensação, amplia a presença da marca e contribui para aumentar também a adesão dos biológicos.
A empresa está preparada para atender a mercados maiores. No ano passado, a Biotrop concluiu os investimentos para triplicar a produção em seus dois CAMMs, um em Curitiba (PR) e outro em Jaguariúna (SP).
Os aportes superaram os R$ 100 milhões e as duas unidades, segundo Hipólito, estão 100% operacionais. “Execução é algo muito importante para nós. A gente já entregou e elas já estão rodando”.
É delas que deve, finalmente, sair o primeiro bilhão da Biotrop. Ao final de 2025, a empresa estima chegar acima dos R$ 900 milhões em faturamento, já perto da marca bilionária, que deve ficar para 2026.
“Com todas essas notícias que o Douglas colocou e mais a construção que nós viemos fazendo nesses sete anos, é possível a gente fazer”, conclui, já mais à vontade, o jovem CEO.
Resumo
- Jonas Hipólito, de 35 anos, assumiu a Biotrop em janeiro passado, sucedendo o fundador Antonio Carlos Zem
- Comprada pela belga BioFirts em 2023, fabricante de biológicos iniciou processo de internacionalização, com a missão de montar operações na Europa e nos EUA
- Companhia faturou R$ 760 milhões em 2024 e mantém crescimento de mais de 35% em 2025, com 25% das receitas vindos de novos produtos