Passado o anúncio oficial do Plano Safra do governo federal e suas respectivas normas e linhas, as instituições privadas que concedem o crédito começam a projetar o novo ano (agrícola) que se iniciou em julho.

No Sicredi, a projeção é aumentar os desembolsos em 10%, passando de R$ 61,9 bilhões tomados por produtores na temporada 2024/25 para R$ 68 bilhões nesta safra, um recorde para a instituição.

A principal mudança que deve acontecer na comparação com a safra encerrada em junho está no mix das linhas contratadas.

Isso porque o custeio, que ainda domina a carteira e foi responsável por 43% do volume emprestado no último ciclo, deve ceder espaço e ficar com 36% do bolo na temporada 25/26. O montante deve passar de R$ 26,5 bilhões para R$ 24,3 bilhões de uma safra para a outra.

Na mesma medida, CPRs (Cédula de Produto Rural) devem passar de R$ 18,8 bilhões para R$ 24,6 bilhões, um avanço de representatividade de 30% para 36%. Ao mesmo tempo, linhas dolarizadas, que manterão seus 7% no bolo, passarão de R$ 4 bilhões para R$ 4,9 bilhões.

Os números foram apresentados nesta quarta-feira, em São Paulo, durante um encontro da diretoria do Sicredi com jornalistas.

“O produtor que antes tomava custeio tradicional, hoje percebe que há alternativas mais aderentes à sua dinâmica. Frente a um cenário de taxa alta, entre 14% e 15%, ele tem preferido buscar capital com mais flexibilidade e menos exigências operacionais, como as CPRs”, explicou Gustavo Freitas, diretor executivo de negócios, crédito e produto do Sicredi.

Vitor Moraes, superintendente agro da instituição, acrescentou que o mix passa a ser distribuído de forma mais homogênea e que, na prática, a captação segue forte, mas sai um pouco de cena as LCAs, responsáveis pelo grande volume do custeio, e vão para essas outras linhas.

“Estamos entendendo a necessidade do produtor. Quem tem um negócio atrelado à exportação busca essa linha em outra moeda”, disse Moraes.

Nas captações em dólar, o recurso é feito tanto via agentes externos quanto via BNDES, instituição na qual o Sicredi se diz o maior repassador no País. No ano completo de 2025, o Sicredi projeta repassar R$ 9,5 bilhões do banco estatal de desenvolvimento, um avanço frente aos R$ 8,4 bilhões em 2024.

Essas linhas alternativas acabam sendo captadas principalmente por grandes produtores, que não são o maior público do Sicredi.

Considerando os repasses projetados para a nova safra, 20% será destinado à agricultura familiar, 25% para médios produtores, ante 12% do que o Sicredi chama de “demais produtores”. O restante do percentual fica com 36% para CPRs e 7% para as linhas de crédito dolarizadas, sendo que ambas atingem públicos diversos.

As verticais, CPRs e linhas dolarizadas, avançam frente a repasses tradicionais, como por exemplo os equalizados com dinheiro do governo federal, por conta de uma flexibilidade apontada pelos executivos.

No Pronaf, que atende a agricultura familiar, a taxa definida pelo Plano Safra federal divulgado no início dessa semana fica entre 2% e 8% ao ano. Já as linhas para médios produtores ficam em torno de 10% a.a de juros e 14% para os grandes, apenas 1 ponto percentual menor do que a própria Selic, taxa básica de juros da economia brasileira.

Gustavo Freitas explica que o crédito subsidiado, com juros controlados, tem mais observância por parte do governo, o que faz com que o produtor precise dedicar mais tempo a burocracias e à entrega de documentos para essas captações.

“Com esse controle e requisitos maiores, ele acaba usando parte do capital próprio e parte via CPR, que tem um ‘fluxo mais leve’. A diferença é pequena de 14% na controlada para 15% na livre”, disse o executivo.

“Observamos isso ao longo das últimas safras, com essa CPR sendo tomada, pela flexibilidade, como um capital de giro, ou um recurso usado para dar fôlego para o produtor durante a safra”, acrescentou.

Moraes relembra que a CPR atende todos públicos, mas acredita que o título “se encaixa melhor” e tem maior volume em grandes produtores. “Não vamos diminuir nosso apoio no ciclo produtivo, só que a forma de atender está mudando frente ao histórico”.

Gustavo Freitas cita que na safra 2024/25, 35% do custeio total foi equalizado. Para investimentos, como há muito recurso institucional como de fundos constitucionais ou até mesmo do BNDES e linhas como ModerFrota e ModerAgro, o percentual é maior, e chegou a 80% do total.

Hoje, a carteira agro do Sicredi está em R$ 109,2 bi, com a cooperativa afirmando ser a segunda maior do País nesse segmento, ficando atrás apenas do Banco do Brasil. De 2023 para 2024, houve um aumento de pouco mais de 21% nessa carteira.

Apesar dos aumentos e da mudança de mix de produtos, levando novas linhas a produtores rurais, a empresa não está imune aos problemas de margem e inadimplência que afeta o setor.

Apesar de não divulgar números exatos, o Sicredi reconhece que há aumento de endividamento, principalmente entre produtores do Centro-Oeste, que enfrentaram choques simultâneos de clima e preços na safra 2023/24.

Gustavo Freitas relembra que, ao olhar o universo dos 10 últimos anos, os produtores foram incentivados a uma expansão natural, como compra de terras, novos investimentos, o que os alavancou.

“Algumas tomadas de recursos foram feitas ou por uma conta errada ou otimista demais. Um crédito de curto prazo pode encontrar um ciclo que impede o pagamento, e essa dívida vai rolando”, afirmou Freitas.

A cooperativa, contudo, minimiza os riscos sistêmicos. Como na dinâmica do Sicredi 80% da carteira está com pequenos e médios produtores, qualquer alavancagem, mesmo que alta, não reflete uma dívida de magnitude grande.

Freitas afirma que o nível de inadimplência da carteira agro é o dobro do que era há alguns anos, mas ainda assim, metade do observado em outras instituições.

Reestruturações pontuais vêm sendo negociadas, especialmente no Sul e no Centro-Oeste, e a ideia é rever prazos e alongar compromissos, a fim de evitar uma “contaminação da cadeia” e recuperações judiciais.

“Para nós esse aumento é duro, não é o que gostaríamos. Mas conversando com pares eles nos perguntam como fazemos para manter esse índice tão baixo”, disse Freitas.

A diversificação no Sicredi não se restringe somente ao mix de fontes de financiamento. Embora ainda siga com uma concentração relevante de operações no Sul do País, origem da cooperativa, o mapa de atuação tem ganhado novos contornos.

Freitas conta que, há cerca de cinco anos, a soma da região Sul e uma parte do Centro-Oeste, como Mato Grosso, concentrava 80% da carteira agro. Hoje, essa fatia recuou para pouco mais de 60%. A diferença, segundo ele, vem sendo ocupada por estados como Goiás, Pará, São Paulo, Espírito Santo e Rondônia.

O modelo de operação regional e o contato direto com o associado têm permitido entender as especificidades de cada cultura, que também tem ganho novos produtos.

Culturas como soja, milho e também pecuária ainda são os grandes meios de atuação, mas em menor volume, a cooperativa já atua em fruticultura, café e até em produtos não tradicionais, como açaí e algas.

“No Espírito Santo, crescemos 56%; em Minas Gerais, 30% no último ano, financiando de mamão a café. O Brasil cresceu nos grãos e na proteína, mas o Sicredi está presente também nas cadeias de nicho, o que ajuda a diversificar nossa exposição”, ressaltou Vitor Moraes.

 

Resumo

  • Sicredi projeta desembolsar R$ 68 bilhões na safra 2025/26, uma alta de 10% puxada por CPRs e crédito em dólar
  • Carteira agro da instituição soma R$ 109 bilhões, a segunda maior do País, segundo a própria empresa
  • Cooperativa avalia que produtores estão preferindo essas linhas mais flexíveis, diante de juros altos e exigências mais rigorosas nas operações equalizadas.