O dilema do seguro rural é um daqueles gargalos antigos do agro brasileiro. De um lado, as intempéries climáticas e perdas na produção são cada vez mais frequentes. De outro, vai ficando mais difícil para seguradoras correr um risco tão grande, por isso a oferta fica limitada e por vezes mais cara.
Nos últimos anos, uma nova modalidade começou a chamar a atenção de alguns agentes de mercado: o seguro paramétrico. Neste modelo, a principal vantagem é o fato de não precisar verificar in loco se houve ou não perdas nas lavouras.
Além do custo de fazer as perícias, muitas vezes criava-se um impasse para tentar provar que a perda não havia sido por problema climático, mas talvez por alguma falha de manejo, por exemplo.
“O seguro paramétrico está focado em um parâmetro que é apurado de forma independente, sem nenhuma influência das seguradoras e sem nenhuma influência do segurado. Ele se dedica a isolar um fator importante para a produção, que pode ser temperatura, índice pluviométrico, radiação solar, depende do modelo”, explicou Leonardo Paixão, CEO da Sombrero Seguros, em entrevista ao AgFeed.
O executivo fala com entusiasmo da modalidade por entender que a Sombrero foi pioneira no seguro paramétrico adequado às condições da agropecuária brasileira.
A empresa foi criada em 2021 por profissionais da indústria de resseguros, mas também com sócios ligados ao agro, mercado financeiro e mercado de capitais. A primeira apólice foi emitida em janeiro de 2022, mas o piloto com o paramétrico começou no ano seguinte.
“O seguro agrícola depende bastante de resseguro pela característica catastrófica. Esse grupo se reuniu para criar uma seguradora em que o diferencial dela é ser voltada para o interior do Brasil, de modo especial para o agronegócio”, contou ele.
A estratégia vem dando certo. Dos R$ 372 milhões em prêmios recebidos no ano passado pela Sombrero, R$ 141 milhões foram de seguro agrícola. Há ainda outros seguros sem vínculos com a produção que são contratados por produtores e empresas do agro, por isso a estimativa é que o setor já responda por quase a metade dos negócios da seguradora.
“A nossa estratégia de longo prazo é ter uma seguradora que trabalhe por volta de um terço da sua capacidade com riscos ligados ao clima, um terço de riscos do agronegócio sem correlação com o clima e um terço com o que a gente chama de linhas urbanas, que aí pode ser qualquer outra atividade”, revelou.
Entre os clientes “não agro” da empresa também há alguns gigantes, como a Petrobras, que tem operações na parte terrestre seguradas pela Sombrero.
Paramétrico dobra de tamanho
A grande aposta da Sombrero para o futuro – e também no presente – é o avanço na demanda pelo seguro paramétrico.
O CEO explica que muitos produtores rurais, mesmo querendo acessar o seguro agrícola tradicional, ficam impedidos por algumas regras deste segmento. Um solo arenoso, mais propenso a sofrer com baixa umidade, por exemplo, é um fator restritivo. O mesmo ocorre em áreas que foram convertidas recentemente para lavouras ou pastagens.
“Esse produto paramétrico acaba tendo a vocação de complementar o seguro agrícola tradicional, justamente porque ele permite que a seguradora assuma riscos em regiões onde ela não tem o apoio do resseguro para o produto tradicional, mas tem o apoio do resseguro para o paramétrico”, explicou.
A expectativa também é alcançar pequenos produtores. Isso porque o custo de enviar um perito a campo, mais de uma vez, acaba inviabilizando o seguro tradicional em apólices menores, de valor mais baixo.
“Na prática, o que as seguradoras fazem? Elas não fazem áreas menores do que 20 hectares, porque não daria a despesa administrativa de encaminhar um perito, no caso de aviso de sinistro, não daria para sustentar esse seguro. Mas, no caso paramétrico, como não tem o envio do perito a campo, a referência é só um parâmetro divulgado numa base de dados pública, que fica disponível na internet, você pode fazer área de 1 hectare”, diz.
A Sombrero desenvolveu seu modelo próprio de paramétrico e já disponibiliza para startups e corretoras que começam a atuar neste mercado. O diferencial, em relação ao que já vinha sendo ofertado por algumas empresas internacionais, seria uma maior assertividade do modelo, que consegue mensurar quando choveu numa área com a maior proximidade possível.
Na seguradora, o projeto começou com um projeto piloto, em 2023, de 19 apólices, concentradas no Rio Grande do Sul.
“O objetivo principal foi verificar se os produtores entendiam bem o produto, se assimilavam bem o conceito. E a gente percebeu que o produtor está 100% pronto, mesmo um produtor pequeno”, afirma.
Em 2024, o piloto foi ampliado e foram feitas cerca de 300 apólices em 10 estados diferentes.
O tipo mais conhecido de paramétrico é aquele em que, por exemplo, o produtor acerta que o “gatilho” será acionado se chover menos ou mais do que um número X de milímetros, num determinado período. Não importa se ele colheu bem ou não, se a chuva não ocorrer conforme o previsto, ele receberá a indenização.
“Recebemos mais algumas sugestões no segundo piloto sobre o desenho do produto. Por exemplo, proteção não só do acumulado de chuva ou da falta de chuva, mas também de dias consecutivos (sem chuva), porque às vezes o produtor recebe a chuva, porém mal distribuída, então isso acarreta a perda”.
Leonardo Paixão contou ao AgFeed que este ano a seguradora começou a trabalhar o paramétrico mais forte, com apoio de corretores parceiros e uma venda mais ampla.
Com isso, entre janeiro e maio, segundo ele, já foi possível mais que dobrar as contratações de paramétrico na comparação com o resultado de todo o ano de 2024. Os prêmios no paramétrico já ultrapassaram R$ 1 milhão nos primeiros 5 meses do ano. Até o final de 2025, este crescimento pode acelerar ainda mais, porém o executivo evita fazer previsões.
Considerando todos os tipos de seguro, a Sombrero avançou 181% em prêmios no ano passado, na comparação com 2023. No acumulado até maio deste ano, cresceu cerca de 4%. Paixão espera um crescimento “mais tímido” em 2025 no seguro tradicional, em função do momento de maior aperto financeiro dos produtores rurais, com juros altos.
Ele explica que, em anos de previsão de El Niño ou La Niña mais intensos, o produtor também tende a procurar mais o seguro, como no ano passado. Já em 2025 o Brasil está convivendo com a neutralidade climática.
Por outro lado, o ano pode ser diferente no que se refere ao pagamento de sinistros. Em 2024, embora tenha tido o crescimento expressivo nos prêmios, a Sombrero fechou com prejuízo líquido de R$ 7,4 milhões.
A explicação, segundo o CEO, foi o alto nível de investimento nos novos produtos, além de um aumento da sinistralidade. “A gente teve um pouco mais de sinistro do que o esperado no agro, chegou ali por volta de 75% de sinistralidade, que é acima da média histórica de 60%, tivemos algumas perdas no Rio Grande do Sul, nas enchentes lá do final de maio”.
“Exportação”
Por ter desenvolvido um modelo próprio e conquistar credibilidade no mercado, Leonardo Paixão diz que a Sombrero foi a primeira a fazer seguro paramétrico com subvenção do governo, dentro do programa público, o chamado PSR.
Em 2024, a empresa utilizou R$ 40,6 milhões de subvenção aos seguros que comercializou e, somente no paramétrico, apesar de ser um projeto piloto, foram R$ 421 mil.
“No paramétrico podemos falar que estamos na vanguarda. Mesmo que exista hoje na Ásia, na Europa, nos Estados Unidos, a gente criou algo que não existe em outro lugar do mundo, é um paramétrico extremamente simples e fácil de adotar”, defende ele.
Como obteve o aval das resseguradoras internacionais, Paixão conta que recebeu a demanda de levar o conhecimento e a tecnologia para outras seguradoras, que atuam na América Latina, onde a Sombrero ainda não tem licença para operar.
“Nós estamos desenvolvendo no grupo já uma empresa de tecnologia para ajudar outras seguradoras da América Latina”, contou.
“O ressegurador, como ele opera globalmente, pode usar o nosso produto, adaptar às diferentes geografias e, com outras seguradoras e o nosso apoio como consultoria, oferecer o produto. Nós já estamos fazendo isso”, disse.
Segundo ele, as negociações seguem em andamento, mas com este reconhecimento acreditam ter comprovado que estão no caminho certo.
O potencial de crescimento está também na diversificação de culturas que podem contratar o seguro paramétrico, infinitamente mais ampla do que o seguro tradicional.
No Brasil, já foram emitidas apólices para cultivos como coco, carinata, banana, amendoim, além de lavouras mais tradicionais como algodão, feijão, girassol, milho, soja e trigo.
Outros segmentos como frutas, verduras e pastagens, também já vêm fazendo cotações junto à seguradora. A empresa já trabalha, por exemplo, em soluções para o estresse térmico de gado leiteiro e de corte.
“Temos a convicção de que essa é a estrada pela qual o seguro agrícola vai evoluir”, ressaltou Paixão.
Resumo
- Dos R$ 372 milhões em prêmios recebidos no ano passado pela Sombrero, R$ 141 milhões foram de seguro agrícola
- Entre janeiro e maio, empresa mais que dobrou as contratações de paramétrico na comparação com o resultado de todo o ano de 2024
- A empresa desenvolveu tecnologia própria e busca “exportar” o modelo para seguradoras da América Latina por meio de uma nova empresa de tecnologia