Quando os primeiros ataques de Israel começaram a ser vistos na TV na noite da última quinta-feira, o mundo inteiro ficou preocupado, com a certeza de que, nos dias seguintes, o prejuízo iria muito além da região atingida e das vidas perdidas nos bombardeios.

Um dos setores que mais sofre com as questões geopolíticas é a indústria de fertilizantes, insumo fundamental para produzir alimentos e energia em todo o mundo.

No Brasil a situação é mais grave porque importamos 85% dos fertilizantes que a agricultura consome, portanto o efeito ocorre não apenas em preços internacionais mais elevados, mas também no temor de que falte produto para os brasileiros.

No caso do conflito entre Israel e Irã, o reflexo imediato foi visto no mercado de fertilizantes nitrogenados, especialmente a ureia, a mais utilizada mundialmente. Este tipo de fertilizante, na maior parte dos países, é produzido a partir do gás natural, um insumo que foi diretamente afetado pelos bombardeios.

“Na madrugada de 12 pra 13 de junho, com o início dos ataques, já vimos Israel, como uma medida de precaução, sabendo que provavelmente haveria retaliação, começar a tirar os campos de gás deles de operação. Isso começou a ter um impacto em outros países. Israel é um grande fornecedor de gás para o Egito, por exemplo, que é um grande produtor de ureia”, explicou Gisele Augusto, especialista em fertilizantes da Argus, agência de preços e análises em commodities.

Segundo ela, pelo menos dois dos três maiores campos de gás de Israel estão paralisados, afetando o fornecimento para a região. Na sequência, o Egito interromper a produção de ureia, ao ser avisado que não receberia gás natural de Israel.

O Irã também optou por paralisar suas plantas de ureia “porque percebe que os ataques estão ocorrendo justamente em unidades ligadas à energia, petróleo e gás natural, então eles acabam focando em paralisar essas regiões, justamente pra evitar grandes danos”.

Qual foi o efeito disso no mercado de fertilizantes? O principal deles foi uma disparada no preço futuro da ureia já a partir de sexta-feira. Em poucas horas o contrato negociado na Bolsa de Chicago chegou a subir U$ 50, mas depois acabou fechando com alta de U$ 27 em relação à quinta-feira.

No mercado físico, porém, o que tem ocorrido é uma paralisação dos negócios. Se um produtor rural bater à porta de uma indústria de fertilizante para comprar ureia, dificilmente vai conseguir, já que o vendedor “retirou as listas”, como dizem os especialistas, ou seja, “não tem preço”, prefere aguardar o “olho do furacão” para ver onde o mercado vai parar.

“Egito e Irã estão paralisados e há dúvidas sobre a logística, se vai ser possível seguir exportando pelo canal do Golfo Pérsico”, explicou Jeferson Souza, analista de fertilizantes da Agrinvest Commodities.

Ele se refere ao Estreito de Ormuz por onde, segundo o analista, passa 42% da exportação global de ureia. Somente os iranianos exportam por ano 5 milhões de toneladas do fertilizante. A capacidade de produção no Irã é estimada em 9 milhões de toneladas.

É por isso que o preço da ureia que, antes do conflito em meados da semana passada, estava em US$ 390 por tonelada chegou a ter um negócio fechado em US$ 455 na sexta-feira.

Jeferson Souza disse que nesta segunda-feira o mercado foi mais uma vez marcado por muita volatilidade. Disse que chegou a ouvir um negócio fechado por US$ 490, o que representa 26% em relação ao patamar da semana passada.

No fim da tarde, no entanto, o mercado futuro já havia recuado, indicando US$ 440 por tonelada de ureia. Ainda assim está 13% mais alto do que os valores que eram praticados na última quinta-feira.

O indicador diário da Argus mostra valores semelhantes aos relatados pela Agrinvest. A ureia estava em US$ 398 no dia 12, foi para US$ 430 no dia 13 e, nesta segunda-feira, 16 de junho, ficou em US$ 435.  Os valores, porém, são feitos com base na “leitura de mercado”, explicou Gisele, porque não há ofertas ou negócios no mercado spot desde que o conflito escalou.

Segundo a especialista, os grandes players internacionais não estão ofertando lá fora e o mesmo ocorre no mercado brasileiro. ”O comprador nos fala que não consegue achar oferta, inclusive no mercado doméstico”. Até mesmo os tradicionais misturadores, que vendem o NPK no mercado brasileiro, “tiraram as listas de preço e não retornaram ainda”, ela ressaltou.

O Irã é um grande fornecedor de ureia para o Brasil, mas os analistas evitam dar números exatos de quanto seria essa exportação. Quando se utiliza fontes de dados oficiais, como o Secex, do Ministério de Desenvolvimento do Brasil, o Irã não aparece no topo, mas sim, Omã.

Segundo Gisele Augusto, da Argus, é possível estimar que quase 20% da ureia importada pelo Brasil tenha sido originada no Irã já que “basicamente Omã não produz ureia”. As demais consultorias também fazem suas próprias estimativas com base nessa distorção de mercado e apontam que o Brasil tenha importado no ano passado cerca de 1,5 milhão de toneladas de ureia iraniana. Também são grandes fornecedores para o Brasil a Rússia e a Nigéria.

Quanto aos demais fertilizantes mais usados na agricultura – fósforo e potássio – os analistas não observam oscilação significativa desde o início do conflito entre Israel e Irã.

Tomás Pernías, analista de Inteligência de Mercado da StoneX, diz que Israel é um player importante em potássio, tendo sido responsável por 7% do que foi comprado pelo Brasil em 2024. “Mas não temos informação sobre interrupção de produção, neste caso”.

Tendência de alta e piora na relação de troca

No Brasil, uma das culturas que mais utiliza ureia para adubação da lavoura é o milho. Como a maior safra é a de inverno, plantada no início do ano e que está sendo colhida agora, o percentual de agricultores que já compraram o produto para 2025/2026 ainda é baixo.

Pernías, da StoneX avalia que a notícia da guerra é preocupante para quem não adquiriu ainda a ureia. “O mercado já estava firme e este é um sinal altista. A China suspendeu a exportação de ureia desde o início de 2025, portanto já vinha num cenário de oferta justa”, alertou.

Souza, da Agrinvest, lembra que o Brasil praticamente não produziu ureia este ano, portanto importa quase tudo. A retomada das plantas que estavam com a Unigel e agora voltaram para a Petrobras ainda não tem data para voltar a produzir fertilizantes nitrogenados.

Como a ureia não está sendo vendida no mercado brasileiro, em meio à turbulência, o analista da Agrinvest fez uma projeção. Se a alta vista no mercado internacional fosse aplicada aos valores em reais, o produtor de milho precisaria de 75 sacas do cereal para comprar uma tonelada de fertilizante.

Antes dos ataques no Irã, essa relação de troca estava em 60 sacas de milho por uma tonelada de ureia. Segundo Souza, é possível afirmar que esta é a pior relação de troca desde o início da guerra entre Rússia e Ucrânia, em 2022, quando o produtor precisava de 100 sacas para comprar esse adubo.

“Ainda tem no Brasil mais de 70% das compras (de ureia) em aberto para o milho safrinha 2026. Também tem volumes a serem vendidos para o milho de verão e para o algodão”, lembrou o analista, concluindo que dificilmente o agricultor verá este ano cotações mais baixas do que as atuais.

As consultorias StoneX, Agrinvest e Argus destacaram outro fator que levam a uma tendência de alta para os preços. O que costuma ditar a direção das cotações da ureia são os leilões de compra por parte da Índia. E um leilão indiano está aberto esta semana, em pleno andamento.

A Índia esperava comprar 1,5 milhão de toneladas, mas os analistas dizem que, neste cenário, não deverá ter sucesso, por isso precisará abrir novos leilões.

Resumo

  • Conflito entre Israel e Irã paralisa produção e logística de ureia, com impactos diretos no Irã e Egito, que suspenderam produção e exportação de fertilizantes
  • Preço da ureia dispara 26% em poucos dias, atingindo até US$ 490 por tonelada; mercado físico está praticamente paralisado
  • Impacto pode ser severo no Brasil, que importa 85% dos fertilizantes. Para o milho safrinha relação de troca é a pior desde a guerra Rússia X Ucrânia