Toda oportunidade de conversa com Carlos Cogo, um dos maiores especialistas no agro brasileiro e dono de uma consultoria que atende dezenas de multinacionais, é um desafio para qualquer repórter.
Isso porque seu conhecimento, obtido através de décadas como sócio-diretor da Cogo Inteligência em Agronegócio, o torna um “homem sem lide”, já que toda informação falada parece merecer destaque em um texto.
Nesta terça-feira, dia 11 de fevereiro, em um bate-papo virtual com alguns jornalistas organizado pela ICL, Cogo compartilhou suas visões sobre o que esperar para o agronegócio brasileiro em 2025.
Apesar dos multi-assuntos, um dos pontos mais citados foi o impacto da redução da área de soja nos EUA, o que pode beneficiar diretamente o Brasil.
A expectativa é de que os produtores norte-americanos plantem menos soja nesta safra, optando pelo milho, devido às incertezas comerciais e às possíveis tarifas impostas por Donald Trump à China.
Como os agricultores dos EUA precisam escolher entre soja e milho na hora do plantio, a menor demanda chinesa por soja americana pode incentivar essa troca, favorecendo um aumento nos preços globais da oleaginosa.
Isso, por sua vez, pode reduzir a oferta global de soja e sustentar preços mais altos para o Brasil.
“Uma coisa dá pra traçar como certa: haverá redução de área plantada com soja nos EUA”, afirma Cogo.
Esse cenário de incerteza abre mais espaço para a soja brasileira, já que a China tende a redirecionar suas compras para países da América do Sul.
"Estamos vendo um movimento onde a soja perde espaço para o milho nos EUA e o Brasil continua ampliando sua dominância no mercado global", observa o especialista.
Essa sinalização de aperto da oferta nos EUA e um aumento da dependência da China pelo Brasil, os prêmios da soja brasileira podem subir ao longo do ano, o que seria um fator positivo para os produtores nacionais.
"Se Trump de fato taxar a China, o país asiático dependeria ainda mais do nosso produto, o que impulsiona os prêmios nos portos brasileiros", analisa Cogo.
O republicano, que reassumiu a presidência dos EUA há menos de um mês, já indicou que pretende impor 60% de tarifas sobre os produtos chineses. Se isso acontecer, Pequim pode retaliar, desviando suas compras de soja, milho, algodão e carne para o Brasil e a Argentina.
A percepção atual é que Trump está tentando costurar um acordo comercial com os chineses. Com as mãos apertadas com o presidente chinês Xi Jinping, uma tendência positiva se refletiria na Bolsa de Chicago, com um bom sinal para o produtor americano.
Caso as tarifas realmente entrem em vigor, as cotações da soja na Bolsa de Chicago poderiam sofrer um impacto negativo, já que os EUA exportariam menos para seu principal comprador.
Outro fator que pode pesar para o agricultor americano são os subsídios agrícolas. Até o momento, Trump não indicou cortes nesses incentivos, mas em 2017, durante seu primeiro mandato, ele propôs uma redução de US$ 28 bilhões ao longo de dez anos em programas como o seguro rural e outros apoios ao setor.
Na época, os cortes não aconteceram, mas a nova versão de Trump, mais “direto e reto” em suas falas e decretos, coloca mais um alerta aos produtores.
Para contribuir ainda mais com esse cenário, Trump avalia taxar os países vizinhos aos Estados Unidos, México e Canadá, e já anunciou que tomará uma decisão sobre isso ainda no primeiro trimestre deste ano.
Se isso acontecer, o produtor estadunidense pode sofrer não apenas com a baixa nos preços dos grãos, mas também com o aumento nos custos.
Os EUA importam 95% do seu potássio, sendo que 80% desse total vem do Canadá. “Se Trump aplicar tarifas de 25% sobre fertilizantes canadenses, o custo de produção agrícola nos EUA pode disparar", afirmou Cogo.
Avaliando possíveis taxas para o Brasil, Cogo acredita que o “jogo de cintura” dos EUA é menor para culturas como laranja e café, já que os Estados Unidos são o maior importador dessas commodities.
Outras duas culturas de ampla presença no Brasil que podem se beneficiar das tarifas são o algodão e a carne bovina. Hoje, a China é o segundo maior comprador da carne americana, que já sofre com uma oferta local contraída.
“33% de todo algodão importado pela China vem dos EUA. Com taxas, ela pode vir buscar o produto no mercado brasileiro”, aponta Cogo.
A safra atual e os custos em alta na temporada 2025/2026
Para a safra atual, a projeção de Cogo é de mais uma temporada recorde. Na soja, ele estima uma produção de 165,4 milhões de toneladas, um salto em relação às 147,7 milhões colhidas no ano passado. “Um número ainda recorde mesmo diante da La Niña”, diz.
A expectativa do consultor é de um plantio em 47,4 milhões de hectares, também um recorde, levemente acima das 46,1 milhões de toneladas da safra de 2023/24.
Ao todo, a safra brasileira, considerando todos os grãos, deve atingir 82,5 milhões de hectares e 333 milhões de toneladas, 11 milhões de toneladas acima da projeção da Conab.
O bom desempenho é ancorado principalmente pela colheita no Centro-Oeste, favorecida pelo clima atual. No entanto, o cenário do Rio Grande do Sul e de outras partes do Sul preocupa o consultor.
Gaúcho, Cogo conversou com jornalistas direto de Porto Alegre, onde os termômetros têm marcado quase 40 graus há mais de uma semana.
“No interior do estado já vemos perdas de safras irreversíveis. Por mais que o calor ajude na época da colheita, se está 38 graus na cidade, na lavoura a temperatura bate os 45 graus.”
Ele estima uma perda de quase 10 milhões de toneladas com o clima extremo na região, considerando a soja e um pouco do milho de primeira safra.
As altas temperaturas na faixa sul do continente sul-americano também prejudicam as lavouras argentinas, paraguaias e uruguaias, o que pode, no fim das contas, melhorar a cotação da soja no mercado externo e a rentabilidade do produtor nacional no Centro-Oeste e no Matopiba.
“Essas quebras parciais no sul do Brasil e no Mercosul já melhoraram a rentabilidade esperada para a soja, que estava até com margem negativa no Cerrado em dezembro”, diz.
A safra global de soja deve atingir 420 milhões de toneladas, sendo 231 milhões advindas da América Latina.
Outro fator que pesa sobre um preço mais favorável são os estoques. Nesta terça-feira, o USDA reduziu os estoques globais de soja de 128,37 milhões de toneladas para 124,34 milhões de toneladas.
“A demanda deve crescer mais de 5% em termos globais esse ano, muito por parte da China”, diz Cogo. Ele ainda projeta que o prêmio pago nos portos brasileiros para a soja suba a partir do segundo trimestre.
“Ao longo da colheita, entre março e abril, devemos ver prêmios negativos, mas que devem subir ao longo do ano, já projetando essa alta no preço da soja por conta dos fatores ao longo do ano”, diz.
Levando Sorriso (MT) como referência, o preço da saca de soja, que está num patamar de R$ 107, pode ir até R$ 120 no final do ano.
No milho, Cogo prevê uma safra de 126 milhões de toneladas, sendo 101 milhões de toneladas de milho segunda safra. Ele estima que até agora, 22% da área da safrinha já foi plantada, ritmo bem abaixo dos 40% vistos até o mesmo período do ano passado.
Mesmo com essa produção, o consultor projeta uma demanda de 141 milhões de toneladas para o milho nacional, sendo 86,4 milhões de toneladas para consumo interno e 54,6 milhões para exportações.
Desse total que fica no País, a avicultura comprará 32% e o etanol de milho, outros 22,4%, ultrapassando as compras da suinocultura.
“Estimo que, dentre 43 usinas em operação e construção, falamos de uma produção de 8 bilhões de litros de etanol.” O investimento no setor chega aos R$ 20 bilhões, segundo Cogo.
Olhando a safra nacional, o setor enfrenta um forte aumento dos custos para Cogo. Se no ano passado, o custo de produção era ancorado num dólar médio de R$ 5,18, neste ano a cotação da moeda já passa de R$ 6,00.
“Esse avanço ocorre em meio a um cenário de juros elevados e dificuldades no crédito rural”, diz.
A retração dos investimentos, observada desde 2023, deve continuar. "Máquinas agrícolas e irrigação sentirão mais, enquanto a armazenagem será um dos setores menos afetados".
A logística segue como um dos maiores desafios, e Cogo projeta que o "problema do frete" encontrará seu auge entre março e abril. Além dos prêmios negativos projetados para essa época, os portos deverão registrar filas de dias para os caminhões.