Com paladar mais exigente e mais acesso à informação, o brasileiro tem consumido mais carne de alta qualidade, a chamada linha premium, que ganha espaço não apenas na pecuária, mas também entre os chefs de cozinha.

No início de agosto, um evento reuniu 5 mil pessoas em São Paulo, capital, para comer carne “com grife”, na chamada “Churrascada”, com ingressos vendidos a R$ 850 por pessoa.

Entre as raças bovinas presentes estavam Angus, Braford, Hereford, Nelore e Wagyu, uma das mais caras entre as vendidas no Brasil.

Para a gerente nacional do Programa Carne Angus Certificada, Ana Doralina Menezes, o aumento na busca por carnes de maior qualidade reflete o maior entendimento e conhecimento do consumidor em relação ao produto premium.

“O consumidor não busca mais aqueles cortes tradicionais, como picanha, maminha, ancho, fraldinha e costela. Ele busca novos cortes porque entende que vai ter qualidade”, disse a dirigente, em entrevista ao AgFeed.

Menezes observa que o mercado de carnes premium ainda é pequeno no cenário nacional, mas que está em ascensão dentro do consumo de carne bovina no País, com participação próxima de 3%. Tal crescimento, segundo ela, é observado de forma mais intensa nos últimos dez anos, em linha com a maior exigência do consumidor.

Dados da Associação Brasileira de Angus apontam a produção da carne certificada, com o selo do programa, aumentou em 26% no primeiro semestre deste ano ante um ano antes, para 22,8 mil toneladas.

No caso da carne embalada a vácuo, 92% foram para consumo interno e somente 8% para a exportação, o que reforça a tese de maior consumo de carnes premium no País.

Com mais conhecimento e ferramentas para aprender sobre carnes nobres, Menezes avalia que o consumidor vem desafiando a cadeia produtiva diante do maior apetite por informações em relação a qualidade, origem, forma de preparo e armazenamento, cortes, além de novas possibilidades e receitas.

“Nós, como cadeia, temos que estar cada vez mais organizados para entregar isso ao consumidor. Hoje, o consumidor busca essa experiência com essas carnes. Ele tem educação e conhecimento para preparar cortes nobres, que envolve quase um boi inteiro e não apenas a picanha e a maminha”, explica a gerente nacional do Programa Carne Angus.

No paladar dos chefs

Além de consumidores, a carne Angus conquistou a alta gastronomia. O empresário e chef Gustavo Bottino é curador da Churrascada, o primeiro festival de gastronomia do fogo e entretenimento do Brasil. À frente do evento desde 2015, ele conta que carnes como Angus não estavam presentes quando assumiu a Churrascada, em São Paulo.

“No começo, eu não tinha a carne. Eu tinha cruzamentos de raças britânicas com zebuíno. Angus foi crescendo a ponto de, na última edição, ter uns 15 chefs trabalhando com a carne, certificada ou não. Hoje, o produto tem uma representatividade bastante relevante”, relata ao AgFeed.

Na 23ª edição da Churrascada, realizada no início de agosto, as 5 mil pessoas presentes no evento consumiram 10 toneladas de carne. A organização diz que o evento “já tem um tamanho definido”, mas é fato que este ano houve uma mudança. Em 2022 e 2023, por exemplo, o evento foi realizado em uma área no bairro da Mooca, com 3 mil e 4,5 mil pessoas de público, respectivamente. Com o interesse crescente, desta vez foi para uma área maior, próxima da Marginal Pinheiros.

Essa edição reuniu 40 chefs de cozinha. Com a demanda por carne nobre crescente, o número de marcas participantes também cresceu de 40 para 50, este ano.

Bottino não faz distinção das carnes pela raça do animal, já que como evento de gastronomia se interessa pelo produto final. “Hoje, a gente serve e tem acesso à (raça) Nelore de ótima qualidade. Mas a carne Angus sempre tem uma percepção de qualidade e uma entrega realmente de qualidade muito consistente de sabor, maciez e textura”, reforça.

Segundo ele, Angus tornou-se uma das queridinhas da gastronomia por ser “excepcional”. O empresário e chef mora na Holanda, mas exalta a qualidade da carne brasileira.

“Nos últimos dez anos, a gente teve uma melhora genética no Nelore, que é de uma qualidade excepcional. Temos a produção de Wagyu no Brasil, além de experiências com a produção do gado 888, que tem produzindo animais excepcionais”, detalha.

O processo de produção do boi 888 consiste em valorizar animais velhos, com 8 anos, ou 8 dentes, com 800 quilos e 8% de marmoreio. O sistema foi adotado pelo engenheiro agrônomo e churrasqueiro Roberto Barcellos, que decidiu produzir um lote especial de carne de boi velho no País.

Apesar de viver na Holanda, Bottino diz ter bastante acesso à carne brasileira na Europa e destaca que, aos poucos, o Brasil vem conseguindo vencer obstáculos em relação à comercialização de carne no exterior. “A carne brasileira vai ganhando mais confiança do consumidor aqui fora. Mostra cada vez mais que tem consistência de qualidade”, ressalta.

A própria Angus diz que aumentou as exportações de sua carne certificada em 7,8% no primeiro semestre este ano, com o embarque de 1,3 mil toneladas.

O empresário e chef diz que é preciso escolher carne com cuidado, levando em conta não apenas a experiência sensorial que a carne proporciona, mas também o impacto que teve no processo.

“No passado, a gente não tinha essa escolha no Brasil. Tinha para comprar a carne de panela, de bife, de churrasco e a moída. Hoje não. A gente consegue ter um olhar para a origem. O selo é o que dá garantia para o consumidor de que ele não está comprando gato por lebre. É bastante importante”, destaca.

Contudo, o acesso à carne premium ainda é restrito. Gustavo Bottino reforça que o consumo interno avança, mas ganha mercado entre o público de maior poder aquisitivo.

“Hoje, um cliente no restaurante devolve o prato se não estiver de acordo com o que ele quer. A carne pode até custar um pouco mais, mas ele está disposto a pagar porque terá retorno. É um custo-benefício melhor”, pondera.