Problemas climáticos que começaram pela seca em Mato Grosso e chegaram na tragédia das enchentes do Rio Grande do Sul estão refletindo no resultado das exportações de soja e milho do Brasil.
O AgFeed obteve com exclusividade os números contabilizados pela Anec, Associação Nacional dos Exportadores de Cereais, sobre os embarques de grãos de janeiro a junho.
Na soja, foram exportadas 66,16 milhões de toneladas no primeiro semestre, enquanto no mesmo período do ano passado foram 65,3 milhões de toneladas embarcadas, praticamente estável, com alta de 1,2%.
Somente no mês de junho os embarques da oleaginosa atingiram 13,9 milhões de toneladas, abaixo das previsões iniciais de que pudessem alcançar 14,5 milhões de toneladas.
A Anec também revelou o que os dados de line up indicam para o mês de julho: na soja devem ser exportadas 9,7 milhões de toneladas, mais do que o mesmo mês de 2023, quando os embarques foram de 8,6 milhões de toneladas.
No milho, foram exportadas em junho 982 mil toneladas. Há duas semanas a Anec projetava embarques acima de 1 milhão de toneladas.
No primeiro semestre do ano, o Brasil exportou 5,85 milhões de toneladas de milho, segundo os dados da entidade. No mesmo período do ano passado os embarques de cereal alcançavam 9,5 milhões de toneladas.
“Qualquer comparação com o ano passado, ou com qualquer ano, vai ficar abaixo, porque 2023 foi realmente um ano privilegiado, com dois recordes, de soja e milho no mesmo ano”, ressaltou o diretor geral da Anec, Sérgio Mendes, em entrevista ao AgFeed.
Para julho, a previsão da Anec é exportar 4,4 milhões de toneladas de milho, bem abaixo das 5,9 milhões de toneladas vendidas ao exterior em julho do ano passado.
Mendes disse que prevê um total, para o ano de 2024, de 97 milhões de toneladas em exportações de soja, o que ficaria abaixo das 102 milhões de toneladas que levaram o Brasil ao recorde em 2023.
Já no milho acredita que o recuo será mais expressivo, caindo das 56 milhões de toneladas do ano passado, para no máximo 41 milhões de toneladas em 2024.
“O apetite da china está um pouco menor, mas não é razão pra deixar de vender o milho. A diferença desse ano é a quebra de safra, algo que já vínhamos estimando desde o início do ano”, afirmou.
Houve queda na área plantada com milho no Brasil, em função de problemas climáticos, já a partir da safra de verão. Depois disso, as enchentes do Rio Grande do Sul também trouxeram prejuízos para a produção tanto de soja, quanto de milho, segundo Mendes.
Os principais destinos para a soja seguem sendo a China, com mais de 70%, e a Espanha. Os países europeus, segundo Mendes, estão ficando mais rigorosos nas análises fitossanitárias no Brasil.
No caso do milho, além da China, que lidera o ranking, aparecem países como Irã e Egito. Mendes explicou que o milho estocado no primeiro semestre excede os limites europeus para defensivos químicos, por países como a Espanha, nesse período, acabam não aparecendo entre os maiores compradores.
Efeito China (e Argentina)
O Brasil teve um salto nas exportações de milho desde o final de 2022 quando conseguiu aumentar as exportações para a China, que até então tinha regras rígidas fitossanitárias que impediam o acesso do cereal produzido aqui.
Pelos dados do governo federal (Secretaria de Comércio Exterior), a China foi o destino de 27% do milho exportado pelo Brasil em 2023, em receita. Já no período de janeiro a maio deste ano, essa participação está em 19%. Os números de junho da Secex só serão divulgados na próxima quinta-feira, 4 de julho.
Já em 2024, um outro fator passa a contar no mercado internacional do milho. A Argentina finalizou há algumas semanas um acordo sanitário que permitirá ao país exportar o cereal para a China.
Segundo reportagem da agência Bloomberg, os primeiros navios de milho argentino devem zarpar em breve com destino ao país asiático e estariam sendo negociados pela Cofco.
“Quando há quebra de safra no Brasil para o milho, quem sofre é a exportação, afinal é preciso atender o mercado interno, a área de proteína animal e as indústrias de etanol”, explicou Sergio Mendes.
Como os frangos, por exemplo, não podem ficar sem ração, a indústria as vezes até aceita pagar mais pelo milho, garantindo o abastecimento em detrimento da exportação, ele diz.
De qualquer forma, ele ressalta que o principal fator é o milho “disponível” e, segundo a própria Conab, o Brasil colherá 17 milhões de toneladas a menos de milho em 23/24, considerando as três safras que o País cultiva. É uma diferença muito próxima do que está sendo apontado como queda para as exportações brasileiras de milho em 2024.
“A América do Sul vai ter uma excelente exportação, é como se não tivesse essa perda no Brasil, porque a Argentina está produzindo 50 milhões de toneladas”, disse Mendes.
No ano passado os argentinos colheram a pior safra da história e o Brasil também havia se beneficiado desse cenário.
Desafios burocráticos
Na conversa com o AgFeed, o diretor da Anec disse que as tradings seguem enfrentados dificuldades competitivas quando o assunto é burocracia.
Ele diz que a liberação dos certificados fitossanitários já chegou a demorar 10 dias, e agora levam cerca de 4 dias.
“Mas agora vem a safra de algodão. Antes, 70% da pluma era exportada pelo porto de Santos, agora é 99% da produção”, alertou. Segundo Mendes, trata-se de uma cultura que requer avaliações específicas. “Tem um corpo de fiscais que diminuiu enquanto crescemos em vendas”.
A solução para o problema seria a adoção, em maior escala do chamado “fito eletrônico” ou “e-fito”. O dirigente diz que o governo havia prometido o início do programa para o início do ano passado, mas que a implantação está ocorrendo de forma bem mais lenta, e está atrasado.
Mendes disse que já houve casos de empresas buscarem o documento físico nos órgãos oficiais e levarem de avião até o comprador, em outro país, para conseguir liberar os recebimentos.
“Enquanto isso na Argentina os certificados são liberados em 24h ou em 6h, se solicitado. Nos EUA levam 48h”, acrescentou.