O avanço do preço do açúcar no mercado externo, causado por uma redução de oferta vinda da Índia, colocou uma grande dúvida nos executivos de grandes indústrias sucroalcooleiras.
Se de lado um mix mais açucarado favorece a transformação de cana no adoçante, do outro o etanol ganha protagonismo na transição energética e nas discussões sobre o tema.
Nessa “briga”, a Unica (União da Indústria de Cana-de-açúcar e Bioenergia) tomou partido da segunda opção.
A partir de amanhã, a associação passa a rodar uma campanha para estimular o uso de etanol para a população brasileira. As ações de marketing envolvem influenciadores digitais e poderá ser vista em canais de televisão, rádio e na internet, e contam com o bordão “Vai de Etanol”.
Do lado climático, a campanha vem no timing certo. O Brasil teve, em 2023, o seu ano mais quente da história, e somado ao El Niño, outros efeitos das mudanças climáticas começaram a dar a caras em diversas regiões do País nos últimos meses.
“O tema é grave, e o mundo vive um processo de ebulição, numa emergência climática. Para fazer a transição energética precisamos de energia de baixo carbono, e o etanol é a maneira mais fácil, barata e prática para fazer isso”, acrescentou Evandro Gussi, presidente da Unica.
Do lado econômico, motoristas e usinas nem sempre andam na mesma direção. Preços mais baixos do combustível estimulam a sua escolha no posto. Por outro lado, levam as empresas a optarem por produzir mais açúcar.
Com adoçante bombando no mercado externo, um “risco” sobrou para o etanol. Com isso, a campanha mostra que o setor entra num momento de colocar forças para manter o biocombustível também em alta.
Além da campanha nacional, a entidade prevê uma série de viagens internacionais para levar a palavra do etanol para outras regiões. “Nosso modelo é escalável e replicável. Estaremos na Ásia, África e na América Latina com muita força nos próximos dois anos para mostrar os benefícios do etanol para o Brasil e o que ele traz para o mundo”, acrescentou Gussi.
A Unica estima que, na safra 2023/2024, foram colhidas 644 milhões de toneladas de cana, um recorde histórico, sendo que a safra ainda tem mais dois meses até seu final.
No mix de produção nas usinas, foram 42 milhões de toneladas de açúcar, um aumento de 25% frente a safra anterior, e 31,4 milhões de litros de etanol, um avanço de 13% frente à safra passada. A oferta total de etanol ainda teve acréscimo de mais 6 milhões de litros vindos do milho, 20% do total.
Dessa forma, o percentual do mix ficou em 49% açúcar e 51% em etanol. Para o futuro, nas projeções da Unica, a safra 2024/25 da cana, que se inicia daqui uns meses, deve continuar com um mix bem parelho de açúcar e etanol, com o biocombustível pouco a frente.
Na produção de etanol, a Unica cita que entre 30% e 40% do total é proveniente de destilarias, ou seja, plantas destinadas à produção somente do combustível.
Gussi, da Unica, vê que a indústria do etanol tende a crescer ainda mais, avaliando investimentos anunciados por players do setor, por uma rapidez da implementação das unidades e de um ganho cada vez maior do etanol de milho na equação.
“O milho está disponível e o Brasil processa pouco esse milho que produz. Tem Capex na mesa sendo efetivamente executado por empresas grandes como Inpasa e FS Bioenergia”, diz.
Luciano Rodrigues, diretor de inteligência setorial da Unica, vê que, mesmo com o açúcar remunerando mais, mais da metade do mix continuará no etanol, que deve ser acompanhado de uma recuperação também no preço.
“2021 foi terrível, com muita seca. Em 2022 recuperamos um pouco e em 2023 nos surpreendemos, com uma produção maior do que o esperado. 2024 depende das condições climáticas do verão. Estamos agora com dois meses de chuva aquém do padrão histórico, mas a safra em si vai depender do que veremos nos próximos meses”, disse, projetando que a nova safra deve ser parelha com a atual.
Há alguns anos, o boom do preço do milho e da soja fez alguns produtores deixarem de produzir cana para apostar nos grãos. Agora, o cenário de preços se inverteu e o movimento de alguns fazendeiros pode estar indo no sentido contrário.
Gussi comenta que vê alguns produtores passando a se dedicar à cana em detrimento dos grãos por uma “segurança” que a cultura traz.
“Isso tem acontecido sobretudo pela estabilidade da cana. Numa analogia, é como se os grãos fossem como se fossem um investimento em renda variável e a cana e como se fosse um CDB, de renda fixa”, pontuou.
Apesar disso, Luciano Rodrigues vê que esse movimento impacta muito pouco a produção. “Estamos falando de 1% de aumento ou de queda nas áreas produtivas. Até porque, via de regra, quem faz cana não quer fazer grãos e vice-versa, são maquinários diferentes, conhecimento e culturas distintas”.