O princípio da segurança jurídica estabelece o dever de atuação do Poder Público de buscar um ideal de estabilidade, confiabilidade, previsibilidade e coerência. Como conteúdos que revelam a segurança jurídica, devem-se salientar a confiança no tráfego jurídico e o devido processo legal.
O trabalho de traduzir os direitos consagrados pela Constituição Federal (CF) em realidade para a maioria da população não compete, exclusivamente, e nem sequer principalmente, ao Supremo Tribunal Federal ou ao Poder Judiciário, com suposto papel de poder moderador, mas requer a integração dos demais Poderes de Estado.
Invoca-se na Constituição certos “princípios” ou “valores constitucionais”, para desfazer regras de inquestionável univocidade semântica: não se vê o todo, mas olha-se apenas para parte. Esse abuso chega ao extremo de se voltar contra a própria Constituição Federal.
No diálogo entre o Direito Constitucional e outras áreas do conhecimento, recentemente, a sociedade brasileira foi surpreendida com o convite de um economista para compor a equipe da presidência do STF.
Surpreendida porque, em que pese a íntima relação entre o Direito, a Economia dos Mercados e as Instituições, o seu convívio tem sido bastante tímido no âmbito dos tribunais brasileiros.
Setores complexos como o Agronegócio ganham na integração do Direito com outras ciências. Há evidências de que a análise conjunta de Direito & Economia é capaz de levar a mudanças no processo de decisão dos juízes, especialmente em relação à aplicação de Políticas Públicas, afastando o uso das normas contra o próprio sistema jurídico brasileiro, até mesmo contra a Constituição.
Assim, por exemplo, preceito segundo o qual os povos indígenas têm direito de ocupar as terras que já ocupavam ou disputavam em 05 de outubro de 1988 (CF).
A discussão sobre o Marco Temporal tomou força nos últimos meses, devido à decisão do STF contrária à estabilização (pré-existente, com posicionamento adotado pelo próprio Tribunal) e à segurança jurídica.
Visando dar devida regulação ao caso, o Congresso trabalhou na aprovação do Projeto de Lei n. 2.903/2023 (PL). O Projeto foi objeto de inúmeros vetos do Presidente da República, que desconfiguraram a regulação pretendida.
Especial destaque está no veto ao art. 4º do Projeto de Lei, que prevê a caracterização de terras indígenas e o marco temporal (05 de outubro de 1988, promulgação da CF).
Objetivando retomar a tese do marco temporal, o Congresso Nacional se reuniu no dia 14 de dezembro e, após votação, decidiu pela derrubada dos vetos da presidência, apenas mantendo os referentes à autorização para plantio de transgênicos em terras indígenas e a flexibilização do contato com povos isolados.
Ainda há, porém, a possibilidade de arguição de inconstitucionalidade.
A competência para regulação da questão é do Poder Legislativo, cumprindo aos demais poderes, pela repartição garantida pelo Estado brasileiro, respeitar as decisões exaradas nos processos legislativos.
O processo legislativo é meio capaz de garantir que a sociedade seja ouvida, através de seus representantes e é de suma importância à situação que envolve disposições que podem prejudicar diretamente milhares de famílias produtoras, responsáveis pela produção de alimentos para o Brasil e para o mundo.
Da promulgação da Constituição, deu-se o prazo de 5 anos para que os povos indígenas reivindicassem suas terras para demarcação.
A derrubada da tese do Marco Temporal acaba com o conceito objetivo para que qualquer cidadão consiga identificar o que é uma área tradicionalmente ocupada por povos indígenas.
A ausência de critério traz subjetividade e submete a definição do direito à propriedade a laudo antropológico (documento baseado em estudo social feito por antropólogo que, no caso, é utilizado para atestar a o direito à titularidade da terra por povos indígenas).
Há três principais assimetrias para melhorar a qualidade da relação entre as políticas públicas e o Direito: informação, realidade e complexidade.
Aqui, ressalta-se o problema de comunicação entre o mundo jurídico e o não jurídico, a informação jurídica ficar presa em ambientes dessa ordem.
Ainda, há tendência à realidade refletida não corresponder a normas e, mais, nas concepções que a sociedade constrói a partir delas.
Somente no Mato Grosso do Sul existem dezenas de conflitos pautados sobre a titularidade de terras, mais recentemente, através de laudos antropológicos, caracterizando ocupações indígenas.
Sabemos dos ótimos resultados das varas especializadas em outras áreas e Estados, afastando ou reduzindo, em sede de julgamento, as assimetrias.
É a categorização da Constituição Federal, em seu art. 126, “Para dirimir conflitos fundiários, o Tribunal de Justiça (“dos Estados”) proporá a criação de varas especializadas, com competência exclusiva para questões agrárias”.
O excesso de Constituição pode ter efeito perverso de levar operadores políticos e os próprios intérpretes e aplicadores da Constituição a leituras complacentes para salvar as “ideologias do momento”, que não combinam com a produção sustentável, abastecimento de alimentos e segurança alimentar global, como uma enorme oportunidade ao país.
O Brasil, como nação, pode se agarrar às estruturas institucionais que sustentam privilégios ou restringem oportunidades ou, por outro lado, pode conceber instituições que são coerentes com a busca não apenas da riqueza compartilhada, mas também de um conceito ampliado de liberdade econômica e desenvolvimento social.
Renato Buranello é presidente do Instituto Brasileiro de Direito do Agronegócio (IBDA).