A decisão inédita que concedeu tutela cautelar, com suspensão das cobranças e execuções de dívidas estimadas em R$ 1 bilhão, e abriu caminho para a cooperativa gaúcha Cotribá acessar a recuperação judicial começou a enfrentar reação de credores do setor financeiro.
O primeiro movimento veio do Santander, que protocolou na segunda-feira, 1º de dezembro, agravo no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) pedindo efeito suspensivo — o que, na prática, derrubaria o stay period de 180 dias concedido pelo juiz Eduardo Busanello, da Vara Regional Empresarial de Santa Rosa (RS).
A ofensiva marca o início de um embate jurídico que pode crescer rápido. A cooperativa tem mais de 30 instituições financeiras entre seus credores e, como já esperado pelo próprio Busanello, outros bancos devem seguir o mesmo caminho do Santander.
A decisão, que tratou a cooperativa como empresa para fins de recuperação judicial, reacendeu um debate antigo no setor jurídico e no agronegócio: até onde vai o alcance da Lei 11.101/2005 quando se trata de cooperativa.
No recurso, o banco sustenta que a legislação brasileira não autoriza cooperativas agrícolas a pedir recuperação judicial. A argumentação é direta: a Cotribá é sociedade simples, não empresária, e portanto não poderia acessar o regime da Lei 11.101/2005. Para o Santander, a decisão judicial “flexibilizou” a norma e abriu margem para insegurança jurídica no crédito rural.
O banco também afirma que a cooperativa não entregou parte essencial dos documentos exigidos no pedido — ponto sensível porque, sem essa base, o mecanismo perde transparência e previsibilidade.
Além disso, destaca uma Cédula de Crédito Bancário de R$ 18,8 milhões inadimplida e alerta para o efeito sistêmico sobre todo o grupo de credores.
Busanello explicou ao AgFeed o que está em jogo com o novo recurso: “O Santander apresentou um agravo de instrumento pedindo efeito suspensivo, ou seja, para suspender a minha decisão que concedeu o stay. Se a decisão for suspensa, as execuções contra a Cotribá voltam a correr normalmente. Esse é o primeiro objetivo do banco”, disse o magistrado.
A explicação reforça o ponto central: se o Tribunal acolher o pedido, todas as cobranças — inclusive de bancos e fundos — voltam a ser executadas imediatamente.
Entre os produtores associados, o clima é de preocupação. A Associação dos Produtores e Empresários Rurais (APER) tenta acesso imediato à ata da assembleia que aprovou o plano apresentado pela Cotribá, para entender exatamente o que foi votado e quais medidas estavam previstas.
Segundo Arlei Romero, presidente da entidade, há dúvidas reais sobre o caminho daqui para frente. “O sentimento entre os produtores é de apreensão. O Santander já recorreu e há 31 instituições financeiras listadas — se todas contestarem a decisão, ninguém sabe qual pode ser o impacto sobre o patrimônio, as contas da Cotribá e, principalmente, sobre o que cada produtor tem a receber”, afirmou ele ao AgFeed.
O caso mobiliza o setor porque pode se tornar um divisor de águas. Se o Tribunal mantiver a decisão de Busanello, cooperativas agrícolas — historicamente excluídas da recuperação judicial — podem passar a usar o mecanismo em momentos de crise. Isso impacta o custo do crédito, a avaliação de risco e as condições de financiamento de toda a cadeia.
Se o Tribunal reverter, o processo volta ao ponto inicial, execuções são retomadas e o futuro da Cotribá se torna mais incerto — junto com a situação de milhares de produtores que têm valores a receber.
Por enquanto, o recado é claro: o caso Cotribá saiu do campo regional e virou pauta nacional. E deve ganhar novos capítulos nos próximos dias, à medida que outros credores definirem suas estratégias.
Resumo
- Santander recorre para suspender decisão que garantiu stay period à Cotribá, abrindo ofensiva dos credores financeiros
- Caso reacende debate sobre se cooperativas podem acessar a recuperação judicial e gera insegurança entre produtores
- Na semana passada, juiz gaúcho concedeu, em despacho inédito, tutela cautelar abrindo a possibilidade de a Cotribá buscar uma RJ