No próximo mês de setembro começa oficialmente a operar a segunda planta da Raízen dedicada à produção de etanol de segunda geração (E2G).
Localizada na unidade de Bonfim, no município de Guariba, no interior de São Paulo, ela é resultado de investimentos de R$ 1,2 bilhão, incluído em um ambicioso plano de crescimento anunciado em 2021, mas que agora ganha um novo impulso.
“Daqui para a frente temos de acelerar”, afirma Francis Queen, vice-presidente Etanol, Açúcar e Bioenegia da companhia, nascida de uma joint-venture entre o grupo brasileiro Cosan e a gigante global de energia Shell.
Outras cinco plantas de E2G estão em construção, sendo duas para inauguração em 2024. Até 2030, o “cronograma apertado”, nas palavras de Queen, prevê a inauguração de um total de 20 unidades, totalizando cerca de R$ 25 bilhões em aportes.
Não há nada tão estratégico para o futuro da Raízen nas próximas décadas quanto essa nova onda de investimentos.
Com o olhar cada vez mais voltado para o exterior – seja em função de potenciais mercados externos, seja para entregar mais valor a investidores estrangeiros, que hoje respondem pela maior fatia das negociações com suas ações – a companhia tem apostado no E2G como uma commodity de alto valor agregado e que deve crescer a taxas exuberantes nos próximos anos.
“A Europa está puxando essa agenda”, afirma Queen, em entrevista ao AgFeed. “Com a demanda que começa por lá, temos mercado praticamente ilimitado para um combustível substituto dos fósseis e que não compete com o alimento”.
O E2G, explica, se encaixa perfeitamente nessa definição. Graças a uma tecnologia proprietária para transformação da celulose do bagaço da cana – resíduo da produção de açúcar e do etanol convencional – a Raízen se posicionou na vanguarda global dessa solução.
A empresa começou a produzir etanol de segunda geração em 2014, em uma primeira planta que ainda funcionava como um piloto, mas que demonstrou a viabilidade de dar escala ao processo.
“Havia uma corrida para fazer essa transformação e, nesse tempo, muitas empresas falharam”, conta Queen. “Conseguimos vencer o desafio e hoje somos praticamente os únicos a determos a tecnologia de larga escala do E2G de cana”.
O E2G já tem alguns mercados consolidados, seja na descarbonização de transportes, seja em aplicações em indústrias como as de plásticos, bebidas, higiene e cosméticos. Outro grande potencial é o seu uso como insumo para a produção de combustível sustentável para aviação, conhecido pela sigla em inglês SAF.
A Raízen estima que, com as 20 plantas operando em 2030, será capaz de produzir cerca de 1,6 bilhão de litros anuais de E2G, um volume até modesto se comparado à demanda global futura gerada, por exemplo, pelas metas de descarbonização da indústria da aviação.
Queen tem os números na ponta da língua. Até 2030, diz, o consumo de SAF deve ser de 20 bilhões de litros anuais. Desse total, estima-se que 25% seja produzido a partir de etanol de cana – há outras matérias primas da qual se pode produzir o SAF, como óleo de cozinha, gorduras bovinas ou óleos de grãos como soja.
A produção de cada litro de SAF demanda 1,8 litro de etanol. Assim, a demanda global ficaria próxima de 10 bilhões de litros em 2030.
Não por acaso, a Raízen já tem hoje contratos que assegura a venda antecipada da produção futura de pelo menos 8 das plantas de E2G que ainda serão inauguradas pelo prazo de até 10 anos.
Com a produção convencional de etanol, a empresa já tem conquistas a comemorar. Na semana passada, a empresa celebrou a notícia de que é a primeira produtora de etanol do mundo a receber certificação para a produção de SAF, o que a mantém na dianteira internacional messe mercado.
Mais energia na mesma área
Maior empresa do mundo na produção e processamento de cana, a Raízen tem capacidade de moagem para cerca de 100 milhões de toneladas da planta em seus 35 parques de bioenergia – termo que a empresa usa para requalificar as antigas usinas de açúcar e etanol.
Na atual safra (2023/24), a previsão é de moer cerca de 80 milhões de toneladas, um crescimento próximo a 10 % em relação à safra anterior. De acordo com Queen, o planejamento da empresa é chegar a algo entre 94 milhões e 95 milhões em 2026/27, bem próximo do limite instalado.
A empresa ainda trabalha na incorporação de ativos e fornecedores que vieram com a aquisição, em 2021, da Biosev, que ampliou em nove usinas e 32 milhões de toneladas anuais de cana a sua capacidade. A área total cultivada (entre própria e de terceiros) está em 1,3 milhão de hectares.
A negociação foi fechada em R$ 3,6 bilhões, mas pode ter sido a última do gênero, na Raízen, por algum tempo. Com os investimentos pesados em E2G e em outras frentes, como a de produção de biogás, Queen afirma que a companhia não deve mais “crescer horizontalmente”, mas focar na estratégia de “extrair mais da cana”.
“A gente produz uma capacidade enorme de energia que não consegue usar”, diz. Cada litro de etanol produzido atualmente nas plantas da usina gera, por exemplo, 12 litros de vinhaça. A palha resultante da folha da cana, que há 20 anos anos era queimada no canavial, hoje é limpa e deixada no campo. “Ela tem um terço de toda a energia da planta”, afirma Queen.
A Raízen espera ter destinação melhor para esses resíduos no próximo ano, a exemplo do que aconteceu com o bagaço, que era subutilizado, na produção do E2G.
Uma das alternativas é a produção de biometano. Segundo Queen, o potencial atual da Raízen é para a produção de 1 bilhão de metros cúbicos do gás, que pode ser utilizado como substituto renovável do gás natura e do diesel em operações industriais ou de transporte.
“Com E2G e biometano, conseguimos aumentar em 50% a produção de energia sem aumentar 1 hectare plantado”, afirma Queen.
Empresas como Yara, Volkswagen e Scania já têm contratos para receber, via dutos da Comgas (com quem a Raízen compartilha um mesmo acionista, a Cosan) para fornecimento de biometano.
Mas a expansão, nesse segmento, não seguirá no mesmo ritmo do E2G. Em meados de agosto o CEO da Raízen, Ricardo Mussa, anunciou que os planos de construção de novas plantas de biogás devem ser “desacelerados” e “reavaliados”.
Uma nova planta, na Unidade Costa Pinto, em Piracicaba, deve ser inaugurada ainda nesta safra, mas Queen afirma que as próximas dependerão de um amadurecimento do mercado interno, que não tem demandado o biometano da forma como o externo busca o E2G.
“O biometano é uma solução mais local, não conseguimos exportar”, diz o executivo. “Acreditamos que a demanda ainda vai vir, já que é uma solução eficiente para descarbonização e barato para a produção”.
A lógica indica que sim. A própria produção de E2G deve gerar ainda mais vinhaça, o que, em tese, contribuiria para a aumentar o potencial de produção de biogás. Uma das opções avaliadas, segundo disse Mussa em um evento, seria sua utilização para a produção de fertilizantes. “Ainda não achamos um caminho para destravar esse mercado do biogás”, diz Queen.
Outro ponto que deve merecer atenção da Raízen, em seu plano de olhar mais para fora do Brasil, é a logística. A empresa já é, atualmente, a maior trading de etanol do mundo, mas a entrada do E2G no jogo deve elevar exponencialmente os volumes de combustível exportado.
“Vamos precisar construir logística”, admite Queen, sem detalhar, no entanto, como serão feitos investimentos nessa área. Disse apenas que parte serão próprios e parte, de parceiros. “Não vamos ter dificuldade de exportar”, garante.