Um dono de restaurante que teve um crescimento de 200 vezes em seu movimento diário, o que possibilitou até a abertura de uma steak house de alto padrão. A proprietária de uma loja de material de construção que não tem tempo sequer de responder mensagens.

Esta é a realidade atual dos empresários de Ribas do Rio Pardo, cidade localizada a cerca 100 quilômetros de Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul. A cidade vive uma profunda transformação desde que foi escolhida para sediar o Projeto Cerrado, da Suzano, que atraiu para lá um contingente de quase 10 mil trabalhadores e investimentos superiores a R$ 22 bilhões.

Na unidade, uma das maiores do mundo no gênero, a companhia projeta uma produção de 2,55 milhões de toneladas de celulose de eucalipto por ano. Anunciada em 2020, a fábrica deve começar a operar no ano que vem.

No entorno dela, o município de pouco mais de 23 mil habitantes, segundo o último censo do IBGE, colhe os frutos e os problemas provocados pela grandiosidade do investimento. Tanto que a própria prefeitura local contesta os números oficiais e aponta que, com a chegada de trabalhadores para a obra da unidade, hoje já seriam 29 mil, sem contar a população flutuante, que trabalha na cidade mas vive em municípios vizinhos.

A contestação da prefeitura tem por objetivo obter mais verbas oriundas do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), calculado com base na população de cada um. São verbas mais do que necessárias. A chegada da Suzano à cidade causou um colapso em parte da infraestrutura local, que não foi adequada a tempo para suportar o fluxo pessoas gerado pelo projeto.

Procurado pelo AgFeed, o prefeito de Ribas do Rio Pardo, José Alfredo Danieze, não respondeu aos questionamentos feitos. Em reportagem recente do jornal Correio do Estado, a assessoria de imprensa do município informa que, nos últimos dois anos, Ribas teria ganho 9,5 mil habitantes, com a geração de 6.185 novos empregos, fazendo o número de pessoas com carteira assinada crescer 124% no período.

A prefeitura contabiliza também a abertura de 1,4 mil novas empresas empresas, dobrando o número de estabelecimentos. Para os empresários que já atuavam na cidade, o impacto é evidente. Segundo Diógenes Marques, proprietário de restaurantes e que já foi secretário gestão anterior da prefeitura de Ribas do Rio Pardo, o mais positivo é o econômico.

“Eu tinha um restaurante que produzia entre 40 a 50 pratos por dia. Agora, tenho uma cozinha industrial que produz cerca de mil pratos ao dia”, conta Marques ao AgFeed.

Ele afirma que teve a oportunidade de abrir um novo restaurante na cidade. “Abri uma steak house voltada para um público de médio/alto padrão”, diz o empresário.

A demanda é frenética em setores como o hoteleiro, que vive tempos de superlotação e corre para ampliar o número de leitos, e de construção civil – o primeiro edifício da cidade, de apenas cinco andares, foi construído há apenas dois anos, já na “era Suzano”.

Marques nasceu em Três Lagoas, também no Mato Grosso do Sul, onde a Suzano mantém outra unidade de produção. Segundo Marques, as duas cidades têm perfis diferentes.

“Três Lagoas é maior, já passava de 80 mil habitantes quando surgiu o primeiro projeto, à época ainda da VCP. Em Ribas, a parte urbana tem 18 mil habitantes e não houve avanço nas políticas públicas para receber as pessoas que vieram em busca de prosperidade. Houve muito impacto na vida da população local”, afirma o empresário.

Segundo Marques, os principais problemas estão na infraestrutura, na saúde e na educação da cidade. “Não houve uma preparação para o aumento da circulação de veículos pesados, então as ruas estão bem prejudicadas. Na saúde, o hospital não tem capacidade suficiente para atender essa demanda adicional. E a educação passa por esse mesmo problema”.

Queixas semelhantes tem o empresário David Sasso da Cruz, que há oito anos chegou na cidade e montou uma loja de materiais de construção e uma concreteira. Os dois negócios decolaram nos últimos anos e Cruz está montando uma segunda concreteira em um terreno adquirido no ano passado na zona industrial do município.

Sasso enfrenta, no entanto, as dores do crescimento de Ribas. Tem dificuldade para conseguir mão-de-obra para as empresas e inclusive já perdeu funcionários que, por conta da alta do aluguel na cidade, decidiram se mudar. Ele conta que imóveis que há dois anos eram alugados por R$ 500 hoje estão custando até cinco vezes mais. "Estou até dando auxílio para alguns empregados nessa área", diz.

Local das obras do Projeto Cerrado, em Ribas do Rio Pardo

Sasso reclama também da falta de estrutura e diz que esperava uma contribuição maior por parte da Suzano nesse sentido. Mas o diretor de Engenharia do Projeto Cerrado, Maurício Miranda, afirma que a companhia tem investido para melhorar as condições da cidade, já prevendo este fluxo de pessoas chegando a Ribas do Rio Pardo.

“Reservamos R$ 48 milhões para investir na cidade. Estamos para entregar a duplicação do hospital municipal, com três leitos de UTI. A cidade não tinha UTI”, conta o executivo da Suzano.

Segundo Miranda, foram construídas ainda uma casa de passagem para pessoas que chegam à cidade procurando emprego, uma nova delegacia, e 50 novas residências. “Teremos inclusive um posto da Polícia Rodoviária Federal em Ribas”.

Outro ponto destacado por Miranda é que com o início da construção, a região ficou praticamente sem desemprego. “Estamos buscando trabalhadores no Maranhão, no Piauí. Até mesmo migrantes vindos da Venezuela”, afirma.

A Suzano construiu alojamentos com capacidade para receber 9.600 pessoas. Os locais oferecem alimentação, internet, assistência médica e convênio para atender emergências.

Sobre os impactos econômicos, ele conta o caso de um técnico de manutenção de ar condicionado. “Ele trabalhava sozinho, com o auxílio do filho. Agora, ele tem uma equipe de oito funcionários, se tornou um empresário mesmo”, diz o diretor da Suzano.

Falta de planejamento

Junior Ramires, diretor da Reflore-MS, a Associação Sul Mato-Grossense de Produtores e Consumidores de Florestas Plantadas, diz que faltou planejamento para a prefeitura de Ribas do Rio Pardo.

“O poder público não acompanhou a velocidade de execução do setor privado. Tivemos várias reuniões com a prefeitura nos últimos anos, alertamos diversas vezes sobre a necessidade de melhorar a estrutura da cidade. Mas isso não aconteceu”, conta Ramires.

Miranda, da Suzano, lembra que o projeto já tinha a licença ambiental conseguida pela Rio Pardo Celulose, e esta licença foi comprada pela Suzano. “O decreto saiu em julho de 2021, e o projeto foi aprovado em outubro do mesmo ano. Tudo muito rápido”, ressalta.

Ramires aponta outro grande projeto de fábrica de celulose no estado, na cidade de Inocência, a 337 quilômetros de Campo Grande.

“É um projeto até maior que este da Suzano, em uma cidade menor, com menos de 10 mil habitantes. Mas as obras começam em 2025, e a cidade já está executando um planejamento, já está se preparando”, conta o diretor da Reflore-MS.

Segundo informações da prefeitura de Inocência, o investimento inicial estimado pela chilena Arauco é de US$ 3 bilhões, com a operação se iniciando em 2028.

No caso do Projeto Cerrado, o início das operações está previsto para o segundo semestre de 2024. A estimativa é que a fábrica tenha cerca de 3 mil trabalhadores, depois de ativa.

“Hoje temos 458 mil hectares de área no Mato Grosso do Sul, e com o novo projeto, vamos chegar a 600 mil hectares. Além disso, teremos 160 mil hectares de áreas preservadas no estado”, diz Miranda.

Segundo estimativas feitas pelo governo do Mato Grosso do Sul, somente o Projeto Cerrado vai proporcionar um crescimento entre três e quatro pontos percentuais no PIB do estado. “A celulose vai passar a soja como o produto mais exportado pelo Mato Grosso do Sul”, projeta Ramires.

O diretor da Reflore lembra que a área que será ocupada pelos eucaliptos da Suzano é exclusivamente composta por pastagens degradadas. “No estado, quase metade da área voltada para o agronegócio é de pastagens, cerca de 16 milhões de hectares. Deste total, 9 milhões de hectares são áreas degradadas”, conta.

Por isso, segundo Ramires, há ainda muito espaço para a indústria de celulose crescer no Mato Grosso do Sul. “Para o produtor local, isso traz uma valorização das terras, e a possibilidade de novos negócios, até com arrendamentos”.

A continuar assim, Ribas do Rio Pardo talvez precise substituir a estátua de um boi nelore hoje instalada em um dos trevos de acesso à cidade por árvores de eucalipto.