Lucas Bonventi é um analista de investimentos jovem, mas mesmo com pouca idade, lidera a cobertura de ações de grandes empresas da bolsa em uma das maiores corretoras do Brasil, a Genial Investimentos.

Engenheiro mecânico de formação, ele é responsável pela cobertura de ações de frigoríficos e de empresas agrícolas na corretora. Com seus relatórios, orienta mais de um milhão de clientes da Genial.

O AgFeed conversou com o analista para entender o que esperar das ações de empresas do agro listadas na bolsa brasileira este ano. A Genial produz relatórios sobre todos os frigoríficos que estão com ações na B3, e dentre as empresas agrícolas, cobre SLC, Boa Safra e BrasilAgro.

Nas empresas de proteína animal, a corretora recomenda comprar os papéis da JBS e da Minerva.

No caso da primeira, um dos maiores frigoríficos do mundo, o analista tem um preço-alvo de R$ 30 ao final deste ano, o que traria uma valorização de 23% em relação ao valor atual negociado. Atualmente a ação JBSS3 está avaliada em R$ 24,30.

A recomendação favorável à ação da empresa da família Batista está alinhada a uma percepção de que a companhia deve apresentar uma recuperação gradual de margens neste ano.

“Todos os segmentos, exceto o de bovinos nos EUA, devem apresentar margens crescentes ao longo do ano”, diz. Essa movimentação crescente nas margens já começou a ser vista em 2023.

Depois de passar o primeiro semestre com resultados no vermelho, a JBS passou a respirar no terceiro trimestre deste ano. Após acumular R$ 1,6 bilhão em prejuízos de janeiro a junho, o trimestre encerrado em setembro veio com lucro de R$ 572,7 milhões.

O resultado é 85,7% menor que no mesmo intervalo do ano anterior, quando a empresa teve um resultado líquido positivo em R$ 4 bilhões. Mesmo abaixo, o número é melhor que o visto até então em 2023. De janeiro até setembro, a empresa vem mostrando uma melhora no resultado, tanto que o prejuízo do primeiro trimestre foi de R$ 1,4 bilhão, e o do segundo de R$ 263 milhões.

Os resultados do quarto trimestre serão divulgados no dia 26 de março de 2024. Outro fator positivo para a JBS é a listagem dos papéis nos EUA. “Um gatilho importante no curto-prazo, e que deve ajudar a empresa a destravar valor. Com a dupla listagem, vemos as ações subindo”, afirmou.

Bonventi e a Genial se dizem “bem otimistas com a dupla listagem”, e acreditam que ela deve ocorrer na metade deste ano. Apesar disso, a JBS não está tendo vida fácil para tirar a ideia do papel.

No começo de janeiro, senadores dos Estados Unidos enviaram à Securities and Exchange Comission (SEC, a CVM americana) uma carta sustentando que a listagem da JBS traria riscos aos investidores do país.

Os parlamentares dizem que a empresa tem um histórico de "corrupção, abusos dos direitos humanos, monopolização do mercado frigorífico e riscos ambientais". Além disso, eles citam que a JBS prejudicaria a competitividade de suas concorrentes americanas.

Por lá, a operação conhecida como “Ban the Batistas”, em referência aos irmãos Wesley e Joesley, donos do grupo J&F, que administra a empresa, já conta com 15 senadores que contestam a entrada da JBS na bolsa de Nova Iorque.

Outro fator que reforça a recomendação de compra diz mais respeito à ação do que a parte operacional da empresa. Bonventi calcula que o papel da JBS “negocia em múltiplos abaixo dos concorrentes nos EUA”, levando em consideração o múltiplo EV/Ebitda.

Esse múltiplo basicamente se resume a um indicador que divide o valor de mercado da empresa (pelo critério de enterprise value, que inclui as dívidas da companhia) pelo Ebitda (lucro antes dos juros, impostos, amortização e depreciação). Assim, é possível saber em quantos anos a companhia consegue “se pagar”. Quanto menor o tempo, mais “barata” a ação da empresa é.

Nesse sentido, a ação da JBS é de 5,2 vezes EV/Ebitda, ou seja, 5,2 anos. Ao mesmo tempo, a Tyson Foods, por exemplo, está em nove vezes o múltiplo.

Um ponto de atenção para a JBS está no ciclo bovino nos EUA. Bonventi explica que por lá, o preço da arroba do boi está caro, o que aumenta o custo dos frigoríficos e, consequentemente, as margens das empresas.

Bonventi calcula que o segmento USA Beef corresponde a menos de 30% do faturamento da empresa, o que não deve atrapalhar muito os resultados. Com isso, a diversificação operacional da JBS pode favorecer a empresa no ano.

“Até mesmo o segmento de peixes na Austrália vemos como business interessante, pois roda em margens altas. Num longo prazo, passado o momento difícil nos EUA, vemos a empresa até fazendo um M&A nessa parte de aquicultura daqui alguns anos”, comenta o analista.

Na visão da Genial, esse ciclo pior para o gado americano deve melhorar somente no segundo trimestre de 2025.

Se de um lado o ciclo bovino está desfavorável nos EUA, no Brasil o cenário é invertido. Segundo dados da Scot Consultoria, o boi está cotado por US$ 90 nos EUA e R$ 245 por aqui, algo em torno de US$ 50 na cotação atual.

Essa dinâmica favorece a Minerva, que também tem uma recomendação de compra pela Genial. Nos cálculos de Bonventi, o papel deve passar dos R$ 7,20 atuais para R$ 14 ao final do ano, uma valorização de quase 95%.

“Boa parte das operações da Minerva está no País, o que deve favorecer as margens em 2024. O ciclo também é positivo no Paraguai, que já vê as adversidades climáticas do meio do ano passado normalizadas”, comentou.

A exportação pode ajudar os resultados da empresa, tanto para a China, consumidor tradicional, quanto dos EUA, que, pelo preço alto do boi, tem importado carne nacional, de acordo com Lucas Bonventi.

Do lado negativo, o analista cita a aquisição dos ativos da Marfrig por parte da empresa. Em agosto passado, a Minerva anunciou que comprou 16 plantas de abate e desossa da Marfrig na América do Sul e um centro de distribuição por R$ 7,5 bilhões. São 11 plantas no Brasil, três no Uruguai, uma na Argentina e uma no Chile.

Segundo Bonventi, a transação é estratégica, mas trouxe uma “incerteza à tese de investimento da empresa”, já que foi vista como cara por parte do mercado. “Muitos viam a Minerva como uma empresa para pagar dividendos esse ano, e com a compra, isso ficou para atrás, pois ela se alavancou para a aquisição”.

Na visão do analista, se a aprovação do negócio demorar a acontecer por parte do CADE, pode atrapalhar a empresa a aproveitar o ciclo do gado favorável. “Quanto antes o órgão aprovar a transação é melhor para a empresa aproveitar o ciclo neste ano. Se demorar, e ficar para o segundo semestre, pode prejudicar”, afirmou.

Ainda dentro do universo dos frigoríficos listados, a Genial adota uma postura neutra com as casas de Marcos Molina: a Marfrig e a BRF.

Em relação à Marfrig, maior acionista da dona da Sadia e Perdigão, o problema é justamente o ciclo do gado negativo nos EUA e a própria BRF, onde a empresa tem mais de 50% das ações, que tem alguns pontos ainda incertos sobre seu futuro.

“Se somarmos as operações da América do Norte com a da BRF, chegamos aos 80% do faturamento da Marfrig. Ainda vemos a alavancagem como ponto de atenção, mesmo que reduzida com a venda de plantas para a Minerva”, acrescenta Bonventi, da Genial.

A BRF fez em 2023 um aumento de capital de 500 milhões de novas ações no mercado, somado a um investimento de R$ 4,5 bilhões da Marfrig e do grupo saudita Salic, que passou a ter 10% de participação da BRF. O grupo do Oriente Médio também é dono de 30% da Minerva.

Essa participação do Salic no concorrente faz Bonventi acreditar que uma fusão propriamente dita entre BRF e Marfrig, algo cogitado pelo mercado, também não deve acontecer. “Existe uma questão contratual do Salic com a Minerva que ele só pode investir em um operador de bovinos no Brasil. Acho pouco provável a fusão”.

Segundo Bonventi, falta uma clareza da BRF em relação à melhora das margens no segmento internacional, além de uma incerteza da efetiva redução da alavancagem da companhia com o aporte recebido ano passado.

“A BRF tem um histórico de um consumo alto de caixa após as captações, algo que nos desagrada”, diz.

Além disso, ele cita a competição forte com a Seara, da JBS, no território nacional como outro fator de cautela. “Vejo pouca margem de segurança para se investir na empresa nos patamares atuais”.

Nem mesmo o preço dos grãos como a soja e o milho em baixa, que ajuda as margens da empresa, deve mudar o jogo. A Genial vê o preço dessas commodities ainda em queda, reduzindo o custo para aves e suínos.

Na Genial, tanto a BRF quanto a Marfrig possuem uma recomendação neutra, com preços-alvo de R$ 11 e R$ 10, respectivamente. Atualmente, a ação da dona da Sadia é negociada por R$ 14,60 e a da Marfrig por R$ 9,75.

Empresas agrícolas

A Genial ainda possui uma cobertura nos papéis da SLC Agrícola, Boa Safra e BrasilAgro. Dentre essas, a corretora tem uma visão menos otimista apenas com a última.

A ação da BrasilAgro tem uma recomendação neutra pelo analista, com um preço-alvo de R$ 28 ao final do ano, um upside de 12% frente ao preço atual.

Na Boa Safra, a recomendação é de compra com um preço de R$ 17, valorização de quase 10%. Já a SLC tem um preço-alvo de R$ 23,50, 21% acima do negociado atualmente.

O principal ponto de atenção que permeia a recomendação dos três papéis é o preço dos grãos, que deve continuar em queda neste ano. Somado a isso, a redução de área e algumas quebras de safra em algumas regiões por conta dos efeitos climáticos do El Niño estão no radar da Genial.

Já para a próxima safra, a 2024/2025, a expectativa é de que seja uma supersafra, com uma produtividade “acima da média”, na visão da Genial. Uma cultura que deve ter bons preços ao longo do ano, e ajudar a SLC é o algodão.

Outro fator observado pela Genial, por meio de conversas com empresas e produtores, é uma tendência de operações em terras arrendadas, o que, segundo o analista, deixa o “business mais leve”.

A visão pessimista para a BrasilAgro acontece por essa dinâmica nos grãos. Segundo Bonventi, a corretora tem uma visão mais pessimista para os preços do que a própria empresa. Ele também cita um risco na estratégia de hedge operacional como algo a se prestar atenção. “Não estamos confortáveis para dar essa recomendação”.

Para a ação da SLC, que tem recomendação positiva, além da dinâmica favorável ao preço do algodão, a Genial vê a empresa com uma alavancagem abaixo de sua média histórica, o que torna a ação “descontada”.

“Chegamos a rebaixar a recomendação da SLC no passado diante das incertezas com clima. A ação chegou a cair muito, acho que o mercado acabou exagerando no pessimismo, o que tornou o papel barato sob a ótica do valuation”, afirmou.

De um ano para cá, por exemplo, a ação acumula baixa de mais de 13%. No final de janeiro de 2023, a ação era cotada a R$ 23.

Quando divulgou, no começo de dezembro passado, o fato relevante com a revisão de suas projeções operacionais, com diminuição da área de soja e milho e aumento para algodão 1ª safra, a ação ordinária da SLC começou uma trajetória de queda, e chegou a cair 2,5% em um só dia.

Do primeiro pregão de janeiro até agora, porém, a ação parece esboçar uma recuperação e acumula alta de quase 5%.

Na Boa Safra, os resultados operacionais ajudam a visão positiva. Bonventi cita que no terceiro trimestre do ano passado, a empresa teve resultados sólidos e acima das expectativas, com crescimento e expansão de margens, além de atingir um recorde na carteira de clientes.

A empresa atingiu um lucro líquido de R$ 115,6 milhões no terceiro trimestre de 2023, resultado que representa um crescimento de 34,5% em relação ao mesmo período em 2022, quando registrou lucro de R$ 85,9 milhões.

No final de setembro, a carteira tinha R$ 506 milhões em pedidos realizados. No mesmo mês em 2022, o número era 9% menor.

“Isso indica que a empresa deve ter uma performance interessante no quarto trimestre”, projeta o analista. Outro ponto favorável é uma junção de produtividade com rentabilidade pela diversificação operacional. “Vemos a empresa ampliando operações para feijão, trigo e forrageiras”.