Quando fala de vinho, seu mais recente projeto, ou mesmo sobre a Zanini Renk, projeto de vida inteira, o empresário Luiz Biagi exala empolgação.
Foi assim, em quase toda a mais de uma hora de conversa com a reportagem do AgFeed, há pouco mais de um mês, na vinícola que leva o sobrenome de uma das mais tradicionais famílias do setor produtor de açúcar e etanol do país.
Na entrevista, lembrei que nossa última conversa pessoalmente tinha sido sobre o processo de venda da Santelisa Vale, quando os Biagi deixaram de vez o comando da companhia. À época, o conglomerado nascido a partir da fusão dos grupos Santa Elisa e Vale do Rosário foi adquirido pela Louis Dreyfus venceu a disputa bilionária com a Bunge e a Cosan.
As usinas, entre elas a Santa Elisa, foram incorporadas ao que veio a ser a Biosev, braço sucroenergético da Louis Dreyfus. E, crise após crise, foram adquiridas pela Raízen, joint venture entre a Shell e a Cosan. A mesma Cosan que perdeu a disputa pela Santa Elisa.
Luiz Biagi logo mudou de assunto, ainda no início da entrevista de 13 de junho último. Falou de vinho, uvas, Zanini. Nada de falar da usinas onde passou parte de sua infância.
Antes de se despedir da reportagem, no entanto, sem ser questionado, o empresário desabafou: o (Rubens) Ometto tentou, tentou e tentou comprar a Santa Elisa e a gente não quis vender para ele. Mas ele acabou comprando as nossas usinas indiretamente. E agora está vendendo tudo o que pode”, afirmou.
Foi quase uma profecia. Ometto não vendeu, mas o grupo do qual ele é acionista e fundador fechou a Santa Elisa. Para lamento dos Biagi que ali cresceram – e de milhares de pessoas que conviveram, ou, mais que isso, viveram as quase nove décadas de história da usina.
Talvez nenhuma delas tenha uma relação tão profunda com a Santa Elisa quanto Maurilio Biagi Filho, irmão de Luiz e filho do fundador da companhia.
Horas depois da publicação do comunicado frio de quatro parágrafos em que a Raízen informou ao mercado sua decisão de paralisar a usina, Maurilio também se manifestou por escrito.
Em um tom emotivo e nostálgico, ele usou oito parágrafos para expressar um sentimento pessoal que se alinha com uma espécie de comoção coletiva dos moradores de Sertãozinho e de antigos profissionais do setor sucroenergético.
“Fiquei surpreso pelo tanto de mensagens e telefonemas carinhosos que recebi desde cedo de amigos de todas as fases da minha vida e da imprensa”, escreveu.
“Cada um com uma lembrança, com uma história para ser compartilhada e me pedindo para compartilhar a minha. Por esse motivo decidi me manifestar através deste texto”.
Melhor tradução desse sentimento, o lamento resignado de Maurílio segue aqui, na íntegra, como uma homenagem à história da Santa Elisa.
Recebi com tristeza a notícia da descontinuidade das operações da Usina Santa Elisa, em Sertãozinho, por tempo indeterminado.
Essa usina faz parte da minha história pessoal e da história da nossa região. Foi adquirida por minha família, em 1936, e desde então se tornou um verdadeiro símbolo do desenvolvimento industrial de Sertãozinho. Lá, vivi grandes momentos da minha vida: iniciei minha trajetória profissional atrás do balcão do armazém, passei por todos os setores, da indústria à presidência, e pude liderar sua transformação em uma das maiores empresas do setor sucroenergético no mundo, tanto em inovação quanto em produção.
Em 1998, alcançamos um marco histórico: a Santa Elisa se tornou a usina com maior volume de moagem do mundo à época, com mais de 7 milhões de toneladas. Antes disso, protagonizamos a primeira grande fusão do setor, com a Usina São Geraldo, sempre buscando caminhos de crescimento e sustentabilidade econômica e social.
Mas, acima de tudo, nenhuma conquista teria sido possível sem as pessoas extraordinárias que caminharam ao meu lado. A Santa Elisa foi uma escola de formação profissional e humana para milhares de colaboradores, muitos dos quais ajudaram a construir não só essa empresa, mas outras que nasceram a partir dela.
Há 25 anos deixei de participar da sua gestão e há 20 da sociedade, com o sentimento de missão cumprida. Vivi lá desde o meu nascimento, dediquei grande parte da minha vida a essa companhia e me orgulho do legado que deixamos. Torço para que os impactos dessa decisão sejam os menores possíveis, especialmente para os trabalhadores, fornecedores e para toda a comunidade local.
Mais do que um empreendimento, a Usina Santa Elisa representa um patrimônio imaterial valioso — de memória, de pertencimento, de vínculos afetivos e sociais. A história que ela ajudou a escrever em Sertãozinho é indelével.
Neste momento de pausa, escolho olhar para o futuro com esperança. Acredito na força de reinvenção da nossa região e confio que, com diálogo, sensibilidade e responsabilidade, será possível encontrar novos caminhos e equalizar essa situação. Tenho a convicção que os atuais proprietários tomaram a decisão certa para o momento, com todo o cuidado e respeito pelas partes envolvidas. Aliás, aproveito para destacar que sempre agiram para comigo com muita fidalguia, com total consideração a mim e a todo esse legado.
Fiquei surpreso pelo tanto de mensagens e telefonemas carinhosos que recebi desde cedo de amigos de todas as fases da minha vida e da imprensa. Cada um com uma lembrança, com uma história para ser compartilhada e me pedindo para compartilhar a minha. Por esse motivo decidi me manifestar através deste texto.
A Santa Elisa pode ter encerrado temporariamente suas atividades, mas o que ela construiu jamais será apagado. E é com esse espírito que seguimos em frente, com coragem, resiliência e fé nos novos tempos.
Maurilio Biagi Filho, empresário