Um pedaço da história do setor sucroenergético brasileiro pode ter se encerrado oficialmente nesta terça-feira, 15 de julho.

Os quase 90 anos de história da Usina Santa Elisa, um marco da modernização da indústria da açúcar e do etanol no País, foram interrompidos através de um comunicado de quatro parágrafos enviado pela sua atual proprietária, a gigante Raízen, à CVM.

No texto, a companhia do Grupo Cosan informa que decidiu suspender as operações na usina situada em Sertãozinho, no interior de São Paulo. E que, em mais um movimento em seu esforço para reduzir o endividamento bilionário, vendeu ativos relacionados a ela por um valor total de R$ 1,04 bilhão.

Entre esses ativos estão 3,6 milhões de toneladas de cana-de-açúcar (incluindo cana própria e a cessão de contratos com fornecedores), negociadas em uma relação de US$ 53 por tonelada de cana com empresas como Usina Alta Mogiana, Usina Bazan, Usina Batatais, Pitangueiras Açúcar e Álcool e a São Martinho.

Do lado “comprador”, em outro comunicado, a São Martinho informou que assumirá 10,6 mil hectares de cana de contratos da usina. A São Martinho não comprará as terras, mas sim seus “ativos biológicos”.

Na prática, a São Martinho vai cuidar da área, que continua como propriedade da Raízen, e vai colher a cana e processá-la na sua própria unidade, já que companhia do grupo de Rubens Ometto vai desativar o parque industrial.

De acordo com o comprador, as áreas de cana estão localizadas em raio médio de 25 quilômetros da Unidade São Martinho, em Pradópolis (SP), que possui uma capacidade de moagem de 50 mil toneladas de cana por dia.

A São Martinho não informou o prazo desse contrato, que é de longo prazo, mas citou que a transação soma até R$ 242 milhões.

“Estima-se que, dado potencial do ambiente, como condições de solo predominantemente A e B, e condições climáticas, o volume de cana totalizará 600 mil toneladas na safra 2026/2027 e 800 mil toneladas a partir da safra 2028/2029”, informou a São Martinho, em comunicado.

História e troca de mãos

A Santa Elisa foi fundada em 1936 pelas famílias Biagi, na figura de Maurílio Biagi (pai), e pelos Marchesi, e foi considerada um marco do setor sucroenergético na região de Ribeirão Preto.

Ao longo de sua história, com a influência sobretudo dos Biagi, esteve no centro das principais inovações e dos movimentos políticos e econômicos associados ao setor, como a criação do ProÁlcool, nos anos 1970.

Décadas depois, já nos anos 2000, quando o setor vivia um momento de expansão, o empresário Cícero Junqueira, um dos pais do Proálcool e dono da usina Vale do Rosário, se uniu aos Biagi para criar a Santelisa Vale, em um dos maiores M&As da época.

Meses antes, Junqueira havia recusado uma oferta inicial do grupo Cosan, de Rubens Ometto, para assumir a Vale do Rosário.

Porém, com uma crise que a empresa enfrentou nos anos seguintes, a Santelisa Vale teve 40% do negócio comprado pela Biosev, subsidiária da LDC (Louis Dreyfus Company).

Uma reportagem do jornal Folha de S.Paulo, publicada em abril de 2009, apontou que a Santelisa Vale tinha R$ 3 bilhões em dívidas e perdas cambiais de R$ 300 milhões ao fim de 2008, e que a venda foi realizada para evitar um pedido de recuperação judicial.

Em 2021, num processo envolvendo troca de ações, uma emissão de novos papéis e R$ 3,6 bilhões em dinheiro, a Raízen comprou a Biosev e, consequentemente, herdou algumas usinas, incluindo a Santa Elisa.

Agora, a Santa Elisa torna-se personagem de mais um capítulo da nova Raízen. Junto a uma estratégia de trocar o perfil da dívida, emitindo novos bonds e debêntures com prazos mais longos para pagar vencimentos curtos, a companhia também decidiu “reciclar” seu portfólio.

Em maio, a Raízen anunciou a venda da usina Leme, localizada no município paulista de mesmo nome, para a Ferrari Agroindústria e para a Agromen Sementes Agrícolas, numa transação de R$ 425 milhões.

Em abril, a companhia anunciou que vendeu, por R$ 700 milhões, 31 projetos de energia solar distribuída para a Élis Energia, companhia controlada pelo Patria.

No mesmo mês, surgiu no mercado o boato de que a companhia venderia três usinas no Mato Grosso do Sul, também herdadas com a compra da Biosev, para a Atvos.

A negociação da Santa Elisa, então, já fazia parte dos rumores. E se concretiza agora, com o fechamento por tempo indeterminado.

A decisão da companhia, embora esperada, gerou reações imediatas. O Centro Nacional das Indústrias do Setor Sucroenergético e Biocombustíveis (Ceise BR), por exemplo, emitiu nota que alerta para os impactos históricos e econômicos do movimento da Raízen, em um efeito cascata sobre outros negócios locais.

“Embora respeite a autonomia das decisões empresariais, o Ceise BR ressalta que movimentações dessa magnitude impactam diretamente a dinâmica industrial da cadeia produtiva, especialmente nos polos tradicionais do setor sucroenergético, como Sertãozinho e região”, diz o texto.

“A suspensão por tempo indeterminado de uma unidade com forte representatividade histórica e operacional levanta preocupações quanto à manutenção da capacidade instalada, à preservação de empregos e ao fomento contínuo à inovação e sustentabilidade da indústria”.

Por outro lado, analistas que avaliam aspectos financeiros da Raízen enxergam o movimento como positivo. Em relatório divulgado poucas horas após o anúncio da companhia, Monica Martins Greco Natal e Eric de Melo, do Itaú BBA, apontaram que a transação “vem em linha com a estratégia de reciclagem de portfolio da companhia, redução da dívida e melhoria na eficiência agroindustrial” e avaliaram que a cotação de referência para o açúcar utilizada na transação está acima da média de outras operações recentes.

Resumo

  • Raízen desativa a histórica Usina Santa Elisa, em Sertãozinho (SP), e arrecada R$ 1,08 bilhão com a venda de parte de seus ativos para outros grupos sucroenergéticos
  • A São Martinho, por exemplo, adquiriu os ativos biológicos equivalentes a 10,6 mil hectares de cana por R$ 242 milhões
  • Fundada em 1936 pelas famílias Biagi e Marchesi, usina esteve no centro dos principais movimentos do setor, sendo incorporada pela Raízen em 2021