Com faturamento próximo de US$ 102 bilhões no último ano fiscal, a Archer Daniels Midland (ADM), é não apenas uma das maiores tradings e processadoras de grãos do mundo, mas uma das empresas que mais vem investindo no agronegócio brasileiro, em diferentes segmentos.

Na área de comercialização de grãos, historicamente o "ABCD” - grupo que engloba a ADM, líder global no setor, e suas principais concorrentes Bunge, Cargill e Dreyfus (LDC) - domina as exportações de soja e milho que os produtores rurais brasileiros colhem a cada safra.

Embora a ADM não divulgue o faturamento e movimentação no mercado brasileiro, alguns números recentes, mostram o tamanho da operação. Somente no porto de Santos, entre janeiro e março de 2023, a empresa embarcou um volume recorde de 1,74 milhão de toneladas. Na época, a trading comemorava o resultado e a capacidade logística, que recebeu investimentos de US$ 143 milhões.

Na entrevista exclusiva ao AgFeed, porém, o diretor de grãos América do Sul da ADM, Luciano Souza, destaca que a combinação de uma agricultura altamente tecnificada e clima favorável vem sendo responsável pelos saltos expressivos na produção agrícola brasileira, o que é ótimo para o setor, mas traz desafios.

"As tecnologias e o clima evidenciaram em 2023 que a nossa capacidade realmente não é suficiente para aquilo que o Brasil pode produzir", afirmou Luciano Souza.

O executivo destacou que as empresas, incluindo a própria ADM, além do setor público, precisarão investir no que o jargão das tradings chama de "capacidade de elevação", ou seja, estrutura de portos e armazenagem, para poder dar conta daquilo que o Brasil “já está produzindo”.

Souza revelou também que, em breve a ADM deve lançar um programa com foco em agricultura regenerativa e já sinaliza que a empresa está preparada para os desafios que virão com as novas regras da Uniao Europeia, que exigem produtos que não tenham origem em áreas de desmatamento.

Ainda assim, admite que a segregação das cargas que serão destinadas aos europeus segue como "a equação que precisa ser solucionada", mas vê com otimismos os programas recentes que incentivam a adoção de práticas para reduzir a emissão de carbono.

Confira os principais trechos da entrevista.

Como a ADM e o segmento das tradings está vendo o cenário para 2023/2024?
Nós tivemos uma sequência de bons anos, realmente com uma rentabilidade muito boa na região. As exceções, claro, são Argentina, Rio Grande do Sul e Paraguai, que sofreram com secas, mas as outras regiões conseguiram produzir bem e capturar realmente bons preços. Agora a gente passa por um momento de ajuste.

Sentiremos o efeito desse ajuste já na próxima safra?
Felizmente, muitos se prepararam para este momento e cuidaram do planejamento, dos investimentos e da tecnologia. Olhando para 2024, alguns realmente já fizeram boas relações de troca, ou seja, tem uma boa parte da carteira que está muito bem preparada. Mas quando nós olhamos para 2024/2025 é possível que a gente tenha, realmente, um momento de ajuste nos preços e um ajuste de rentabilidade.

Por que 2024/2025 preocupa mais?
Com esta sequência de boas rentabilidades, em diferentes culturas, o produtor rural já conseguiu comprar boa parte da necessidade dele de 2024 com a produção que ele teve em 2023. Então a necessidade de compras a prazo diminuiu. Provavelmente, nós vamos sentir este ajuste na safra 2024/2025. Mas tem que realmente fazer o planejamento lá para frente, para ver como a relação de troca se ajusta, como os preços se ajustam, até porque os custos também se ajustaram agora. Então, o desafio maior está lá na frente.

A comercialização lenta da safra tem o ritmo mais baixo da história. Não pode haver um momento de um grande gargalo no setor?
Eu acho que o desafio do setor, realmente, é a logística, a capacidade de elevação. Temos uma safra recorde de soja, vamos ter uma segunda safra de milho bastante grande, então nós vamos disputar a elevação. Mas o produtor, de uma maneira geral, com exceção do Sul do país, ele vem vendendo. Vendeu, realmente, de uma maneira mais lenta, historicamente abaixo dos níveis que costumava vender, mas não parou de vender. Ele continua comercializando, continua comprando logística, ele continua comprando esta elevação. E o Sul do país realmente deixou para as últimas semanas. Nós passamos a ver este movimento no Paraná e no Rio Grande do Sul um pouco mais tarde. A gente não deve ter um boom, até porque a capacidade de elevação ficou limitada. As fábricas estão com uma cobertura, eu diria, bem organizada.

A supersafra voltou a evidenciar os problemas que o Brasil ainda enfrenta na questão logística? Serão necessários novos investimentos?
As tecnologias e o clima evidenciaram, em 2023, que a nossa capacidade realmente não é suficiente para aquilo que o Brasil pode produzir. Mas, por outro lado, muitos investimentos foram realizados há dez anos, nove, oito anos atrás. Chegamos nessa plenitude agora em 2023. Isso traz um novo desafio para todos, tanto o setor público quanto o setor privado. Acho que realmente todos precisarão investir. Estão todos olhando e nós vamos precisar de novos investimentos para poder acomodar o que nós já estamos produzindo. Deve crescer ainda um pouco a área e seguir crescendo em tecnologia. Então realmente precisaremos ampliar a capacidade de transporte e de escoamento.

A ADM tem planos em relação a isso?
Sem dúvida, vamos participar deste movimento. É algo que o setor como um todo vai ter que participar. O ano de 2023 realmente nos colocou em um desafio, uma safra muito grande, e a gente não tem esta capacidade de movimentação e elevação.

Mesmo com patamares de preços mais baixos e produtores rurais com problemas de gestão, ainda assim é possível investir? Esse cenário não assusta?
Não assusta. Eu diria que para 2024/2025 já temos um desafio maior. Mas são ciclos que este agricultor está acostumado a passar. Vamos passar por mais um. E eu diria que ele vai ser superado de uma maneira melhor, porque o profissionalismo, a tecnologia, realmente toda a organização e o planejamento da fazenda chegaram num nível em que nós vamos sentir menos. Naturalmente, a curva de crescimento tende a ser menor. Em algumas regiões, dependendo da característica, o produtor vai escolher. Com uma rentabilidade menor, ele tende a ser mais seletivo e isso vai trazer algum ajuste no número.

É possível estimar esse número?
A produção estava crescendo perto de 5% ao ano, considerando área e produtividade. Nos últimos anos esta curva ficou até maior do que a curva do crescimento da demanda. O mundo vai acabar fazendo este ajuste. E aí nós vamos perceber, nas próximas safras, onde será feito este ajuste, se é no Hemisfério Norte, se é no Hemisfério Sul. Veremos nas próximas safras.

Vocês estão vendo uma mudança no padrão de demanda mundial? Para esta safra teremos uma demanda um pouco menor em relação as últimas três?
É difícil ter esta resposta. Eu diria que basicamente o número de demanda que o USDA (Departamento de Agricultura dos Estados Unidos) trabalha, a gente consegue colocar no mercado. Do nosso lado, o maior desafio está realmente na capacidade de elevação. O produtor tem comercializado, a demanda tem vindo de forma consistente. Claro que, entrando a safra americana, isso se ajusta e vamos ver onde o preço estaciona, para ver se o produtor realmente vai continuar comercializando. Mas diria que maior preocupação está realmente na logística e não na demanda, neste momento.

Em relação aos desafios da União Europeia, com as novas regras relacionadas a sustentabilidade, como estão se preparando?
A sustentabilidade está no centro da nossa estratégia. Antes de todas estas discussões, dentro da ADM, isso já era uma prioridade, então já estamos trabalhando há bastante tempo. Claro que, com novas exigências, a gente se adapta, trabalha nisso. É o que já estamos fazendo. A rastreabilidade, por exemplo, dos nossos clientes diretos, ela já vem sendo feita 100% há alguns anos. Estamos evoluindo bastante na rastreabilidade dos indiretos. O mapeamento de desmatamento, de acordo com o Código Florestal, de acordo com a moratória da soja ou de acordo com o código do Pará, tudo isso a gente já observa. Agora nós temos a legislação europeia que nos traz desafios e oportunidades também.

Que tipo de oportunidade?
O grande desafio na fazenda é ter o olhar para a oportunidade e não para a exigência. O mercado se ajusta, você tem um consumidor bastante exigente e nós entendemos que o mercado destes produtos ele vai ser valorizado. As boas práticas, o melhor manejo, serão valorizados. São coisas que estão em construção, mas eu vejo a agricultura brasileira preparada para isso. Temos um agricultor que se preparou para isso, o setor e as nossas associações estão preparadas para responder a estas exigências, é mais uma questão de a gente desenvolver um pouco melhor estes mercados.

Qual o papel de empresas como a ADM nesse processo?
A ADM tem um papel muito estratégico, porque vamos da fazenda até a indústria de alimentos. Assim, a gente acaba conhecendo muito bem todos os atores, todos os setores e características e as oportunidades de algum ajuste para atender a legislação e a necessidade de algum consumidor. Tudo isso vai acabar evoluindo numa velocidade muito rápida. São muitas iniciativas que se somam, vão se aperfeiçoando, para poder entregar realmente o que está sendo pedido.

Uma dúvida que o mercado tem se refere, por exemplo, às exigências que nós vimos quando a China autorizou a importação de milho do Brasil, mas pedindo rastreabilidade completa. Se foi difícil naquele momento, não será mais difícil ainda agora com a UE?
São desafios um pouco diferentes. Em relação ao protocolo chinês, ele vai um pouco além da forma como se origina (grãos). A exigência de não ter algumas pragas quarentenárias traz um novo controle, o mercado se ajusta. Isso tudo ocorre lá na fazenda, passa pelo manejo, pelas práticas de dentro da fazenda, para poder entregar este milho que a China está pedindo. Isso está sendo feito. Em relação a rastreabilidade, é algo que a gente já vem fazendo. O que nós temos são cortes de datas. Nós temos certificações que trabalham com uma determinada data. Tem esta da Uniao Europeia, que trabalha com o corte de 2020. Então se tem determinadas exigências e condições, você traz isso para o mercado, identifica regiões que estão realmente de acordo com a exigência e trabalha para que estas regiões atendam estes mercados.

Se entrar em vigor a regra da UE em setembro de 2024, que é o que está sendo sinalizado até o momento, está tudo preparado ou há algo que precisa ser ajustado?
Em termos de rastreabilidade, o setor aprendeu a fazer e está preparado para fazer. Mas tem uma mudança gigantesca que é a segregação. Nós temos um desafio logístico, que é a nossa capacidade de movimentação e elevação nos portos. No momento que a gente faz a segregação nestes corredores, perdemos um pouco de eficiência. Então este é o desafio, esta é a equação que nós temos que superar. Estamos dedicados a isso, a ver como resolver esta equação.

Recentemente o Cade aprovou a criação de uma joint venture da ADM com outras tradings, com foco na criação de um software para padrões e medição de sustentabilidade. Essa ferramenta é importante neste processo?
É um acordo feito na Europa e é mais uma iniciativa que vai somar, pensando em rastreabilidade. Nós, regionalmente, já temos alguns acordos, trabalhamos a rastreabilidade dos nossos diretos, estamos levando aos indiretos algumas sugestões de serviços, de empresas que fazem este trabalho, todo o cumprimento que precisa ser feito. É mais uma coordenação entre empresas para levar comunicação, educação, informação. A importância de tudo isso é você no final do dia realmente trabalhar no engajamento. Como eu disse, para você tirar este olhar da obrigação e começar a olhar para a oportunidade que você tem ao cumprir determinados requerimentos, de determinados mercados.

Como seria possível resolver esta questão da segregação?
Precisamos identificar as áreas de produção que atendem a estes requisitos. Para os produtos destas fazendas, precisamos de um local de armazenagem totalmente segregado de outros produtos, chegar até o porto em algum meio de transporte também de forma 100% segregada. E também vai entrar no navio de forma segregada, para chegar na Europa totalmente segregado. Este é um desafio para a capacidade do Brasil de transporte, que precisa ser resolvido.

O mercado europeu é relevante o suficiente para isso?
É um mercado importante para o farelo brasileiro, uma percentagem importante vai para a Europa. Na verdade, temos que estar preparados para atender todos os mercados. Não podemos abrir mão deste mercado, por mais que 80% da soja brasileira vá para a China, Europa também é importante.

A ADM fez uma parceria recente com a Bayer em um projeto para a produção de soja "baixo carbono”. Quais são os planos relacionados a isso?
Está tudo relacionado. Temos os programas de rastreabilidade e as certificações, que já fizemos há vários anos. Temos um programa de agricultura regenerativa que estamos por lançar, nas próximas semanas. O Pro Carbono é um programa muito inteligente, em que eles procuram discutir a pegada de carbono de cada produção. Primeiro a soja, mas depois outros produtos. Quando nós vimos, realmente decidimos apoiar, participar e multiplicar isso. É uma maneira de você valorizar a melhor prática, a melhor produção, o melhor manejo, de uma maneira muito precisa. Você realmente consegue fazer desde a chegada dos insumos até a entrega da produção.

Já preveem algum tipo de valorização financeira para o produtor?
Neste momento são pilotos. A Bayer está em uma variedade enorme de propriedades, nós estamos em algumas com eles, o Pro Carbono foi lançado com detalhamento em 10 propriedades, se não me engano, tem ainda algumas etapas para que a gente realmente tenha o projeto 100% completo e isso seja apresentado ao mercado. De qualquer maneira, nós já estamos conversando com a indústria de alimentos destes mercados para que eles entendam desde agora tudo o que está acontecendo e possam participar, colocar os requerimentos deles e a gente atenda todas as exigências, de todos os setores.

Vai haver valorização financeira para o produtor?
Sim, isso é factível. Mas o melhor deste projeto é que ele também é economicamente viável. O produtor que participa deste projeto, mesmo ainda não recebendo uma valorização por esta mercadoria, já tem outros ganhos. Tem o ganho na melhora do solo, tem ganho em produtividade, tem retornos imediatos ao aderir a estas melhores práticas.