Aqua Capital, Agrogalaxy, Agrifirma e cooperativas agropecuárias são algumas das empresas que o engenheiro agrônomo Rodrigo Rodrigues tem no currículo – e que levaram a maior consultoria brasileira de gestão empresarial, a Falconi, a contratá-lo para liderar uma nova área com foco no agronegócio.

Um dos 4 filhos do ex-ministro da Agricultura e professor emérito da FGV, Roberto Rodrigues, o diretor da Falconi evita as apresentações de parentesco e prefere destacar feitos como o ganho de “17 vezes no ebitda" que afirma ter alcançado em um dos negócios que tocou, na área de sementes.

Contam a favor de Rodrigo também falar a língua do produtor rural, já que ele próprio participa da governança dos negócios da família no campo.

O "superfã das agtechs”, como se descreve, já que investe diretamente no setor, está muito atento agora às oportunidades de melhorar a gestão no agronegócio, que começa a enfrentar um ano desafiador em 2023, com preços de commodities em baixa e dólar abaixo de R$5.

Rodrigo diz que montou "um time de botinas” na Falconi, para atender as empresas do que vem “antes da porteira”, e também para o público que está dentro das fazendas. A empresa diz já estar atendendo "três dos cinco maiores produtores brasileiros”, com presença em cinco estados.

"Nós estimamos um universo de pelo menos 200 produtores rurais, entre CPFs e CNPJs, que faturam mais de R$ 300 milhões por ano, mas que possuem um nível de maturidade de gestão muito baixo, especialmente em grãos e fibras", avaliou o executivo.

Na conversa com o AgFeed, Rodrigues se disse muito preocupado com empresas de insumos, incluindo varejo e cooperativas, que terão balanços apertados.

Além disso, ele alerta que uma parte dos produtores rurais ficou muito exposta aos riscos financeiros, por não travar a relação de troca. Confira os principais trechos da entrevista.

A demanda de clientes do agro aumentou junto à Falconi ou foi a consultoria que, estrategicamente, buscou maior presença no setor?
Acho que foram as duas coisas. A Falconi percebeu que o agro era grande. E, na outra ponta, alguns players mais relevantes ou mais maduros bateram na porta. Por isso colocaram um headhunter para encontrar alguém que pudesse unir a Faria Lima com Tangará da Serra.

Essa é sua missão?
Recebi este chamamento para montar a unidade de agro. Até então a Falconi era mais reativa neste atendimento, com um grau de afastamento do entendimento. Existe todo um repertório específico junto aos produtores, maneiras de abordar bastante distintas. Minha função foi montar esta unidade, trouxe uma parte do time exógeno, engenheiros agrônomos, engenheiros agrícolas, gente do campo. Fiz isso junto com pessoas que já estavam na Falconi e que conhecem muito a metodologia e o método de gestão. Além do time, montamos uma oferta de produtos e serviços dedicados ao agro. Na primeira ação com a turma, levei o Paulo Herrmann (ex-CEO da John Deere). Foi muito legal, deu bastante clareza, e pedi para o RH um par de botina para cada um.

Quais segmentos são prioridade?
O que eu vi, ao vir para cá, é que o agro se tornou um lugar grande. Na Falconi, agro é tudo o que vem antes da porteira. Ou seja, toda a cadeia de insumos, cooperativas, revendas e toda a parte sucroalcoleira, e tudo o que for de produção primária, ou seja, dentro da porteira. São clientes bastante distintos. Toda indústria de processamento já está em bens não duráveis. Procuramos gente especializada para conseguir traduzir e interpretar, ser capaz de uma escuta ativa, compreender o que o produtor está falando, para depois traduzir isso para o método. Acho que fizemos isso com bastante sucesso neste período de um ano e 5 meses que estou aqui.

"Você tem 200 empresários na área de grãos e fibras e mais 20 ou 30 na área de cana, que faturam mais de R$ 300 milhões e muitas vezes estão operando na pessoa física"

Qual o perfil dos clientes?
Você tem 200 empresários na área de grãos e fibras e mais 20 ou 30 na área de cana, que faturam mais de R$ 300 milhões e muitas vezes estão operando na pessoa física. O nível de maturidade de gestão é muito baixo. Eu costumo brincar que ele usa uma planilha de contas a receber, pouca sofisticação, ou que o DRE é o Imposto de Renda que ele apresenta para o banco para levantar financiamento.

O primeiro foco, então são esses produtores?
Estamos falando de gente que cresceu muito, mas que tem pouca maturidade de gestão e que já tem um risco bastante grande considerando o seu tamanho. Faz muito sentido olhar para esta turma. Olhamos, como te falei, com botina e jargão próprio. Eles ainda acham que são pequenos, falam “achei que a Falconi era pra empresa grande”. Aí eu digo, “mas o senhor é empresa grande”.

Como trabalhar com esse perfil de cliente?
A gente tem feito muito trabalho building blocks. Faz um primeiro trabalho, mostra que tem outras ondas e oportunidades para serem capturadas. Uma vez estabelecida a confiança e a entrega, contrata outros temas, encerra um capítulo e vai começando um próximo.

A Falconi tem algum plano específico para o agro?
Vejo que a Falconi está em um "sweet spot" de posicionamento de marca, porque de um lado tem humildade suficiente e a botina para chegar em Tangará da Serra e Balsas. São lugares que a gente já está e que grandes consultorias globais não conseguem chegar, não conseguem se comunicar com o agricultor, o produtor nem sabe que este cara existe. Por outro lado, as consultorias menores não têm o repertorio e a sofisticação para resolver os problemas destes caras, que hoje são problemas grandes.

Os executivos do agro têm destacado que 2023 é um ano de ajuste, um período muito desafiador. Você concorda?
Sim. Aceitei o convite na época que as margens estavam maravilhosas, mas eu já vivi na pele os altos e baixos do agro. Meu bisavô quebrou na crise de 1929, nas décadas de 1960 e 1970 meu pai teve muitas dificuldades. Eu e meu irmão, investindo no Maranhão na década de 1990, também tivemos períodos muito apertados. Então, eu tenho a noção plena de que a agricultura é cíclica e estava antevendo um ciclo bem de arrocho para 2022/2023.

Não aconteceu pela guerra da Ucrânia, que mexeu nos preços do petróleo e todas as commodities ficaram mais altas. Porém, "o freio de arrumação", como diz o meu pai, veio. Ele usa a figura de um trenzinho. Diz que os preços são a locomotiva e os custos são os vagões que vem atrás. Enquanto está subindo, está bonito. Depois, na hora que inverte, é o que o jargão Faria Lima chama de compressão de margem. É o que nós estamos vivendo. E não vai ser uma marolinha. Para alguns setores, em especial, vai ser bem dolorido.

E qual o recado, neste momento?
A primeira coisa que eu digo é que a agricultura não quebra. Quebram os agricultores ou as empresas e a agricultura muda de mão. Até porque tem uma lei irrevogável como a gravidade que é a oferta e demanda. Enquanto tiver demanda você vai ter agricultores fazendo o seu papel e as empresas tomando sua produção, processando e assim por diante.

"A agricultura não quebra. Quebram os agricultores ou as empresas e a agricultura muda de mão"

Como agricultores somos um “sanduiche de oligo”, tinha um professor meu que falava. Há um oligopólio no pão em cima e um oligopsônio (situação de mercado com muitos vendedores e poucos compradores) no pão de baixo. No meio, mesmo se pegar o maior produtor mundial de soja ele terá 0,4% da produção global, isso para citar uma commodity que é concentrada. Os agricultores são tomadores de preço e, consequentemente, têm que ter eficiência, que é o custo mais baixo. Precisam ver quem é capaz de fazer o custo unitário mais baixo no mundo, não só no Brasil.

Qual sua abordagem ao produtor em um momento como esse?
O que a gente ajuda a fazer é jogar luz sobre esta questão através da gestão. Uma proposição de trabalho por vez. Tem um capítulo nesta história que é a governança. As empresas familiares cresceram muito e têm muita desordenação neste aspecto.

Se não será marolinha, o que vai ser exatamente?
Eu acho que depende muito do segmento, o agro é uma coisa muito ampla. No setor de açúcar e energia eu acho que está tudo bem. A Petrobras está sendo um pouco mais criativa do ponto de vista de preço no que diz respeito ao álcool, mas ainda está tudo bem, pelo menos para esta safra 23/24.

Para grãos e fibras você já tem um cenário de uma demanda mais desaquecida em função de recessão mundial e uma questão de que podemos ter uma safra bastante grande na combinação das Américas. A América do Norte está com a safra um pouco comprometida, mas ainda é muito cedo. E na América do Sul está previsto o El Niño que só atrapalha um pouco o Matopiba. Mas no restante do Brasil, Argentina e Paraguai, previsão é de safras cheias.

Qual o impacto disso?
Você tem uma combinação de preço baixo com uma safra que não tem um custo muito alto, já que custos caíram de uma maneira relevante. Porém, o custo de capital está alto. Além disso, eu vejo muita gente fazendo compras e vendas de maneira aventureira, sem construir uma política de hedge. É o caso claro do Brasil inteiro hoje, muito atrasado na sua comercialização (da safra).

Com este atraso na comercialização e mudança no câmbio, poderemos ver, por exemplo, maior número de recuperações judiciais no agro, em grãos e fibras?
Elas, na verdade, já começaram. Acho que teremos mais casos de RJ este ano sim, mas estou mais preocupado este ano com varejo e cooperativas. No ano que vem pode ser um calo mais apertado para os agricultores. Se fosse para apostar em duas ondas subsequentes, vejo primeiro o setor de insumos, varejo e cooperativas, com um ano muito apertado, empresas de químicos com balanço apertado, fertilizantes, sementes e também máquinas... Vejo já uma contração de vendas relevante – e no varejo como um todo. E apostaria num cenário mais ácido para os agricultores a partir de 2024.

"Vejo primeiro o setor de insumos, varejo e cooperativas, com um ano muito apertado, (...) uma contração de vendas relevante"

Agora, este é o diário de hoje. Se algo ocorre no mercado internacional, se amanhã China invade Taiwan, se acaba guerra da Ucrânia... Temos que ser honestos com o que a gente não sabe. Os cenários mudam muito rapidamente. Vamos trabalhar o futuro com os subsídios que temos hoje. É um sinal claro que China importando milho muda paradigma do milho, assim como mudou de soja 20 anos atrás.

Qual seu conselho para os gestores neste momento de crise?
Eu gosto muito de ditados. Um deles, que pode ser usado neste momento, é "lucro pequeno nunca quebrou ninguém". Em momento de dificuldade, a melhor maneira de fazer um bom trabalho é olhar para dentro de casa e fazer um hedge das suas posições de compra e venda, para travar a relação de troca, em primeiro lugar.

Em segundo lugar, é olhar para dentro de casa com um olhar menos expansionista. O agricultor quer sempre crescer, mas talvez agora seja hora de maximizar o que se pode fazer com os recursos que você já tem. Olhar tanto para seus processos, para a sua rotina, quanto para suas estruturas, de gente, de máquina, custo de terra, arrendamento, com um viés mais conservador.

Porque este ciclo vai passar e as oportunidades vão vir. Quem vai aproveitar melhor o próximo ciclo? Quem tiver com lição de casa feita e não quem tiver combalido demais no último ciclo de baixa para poder sair de lá. Um pouco da lógica agora é prudência e canja de galinha.

O maior pecado de quem está com problemas foi ter atrasado as vendas?
É difícil falar que tem um pecado aqui, que é cabalístico. É como no acidente de avião, nunca é um só fator. Tem um lado de alavancagem que é muito importante, saber quanto de alavancagem você tem. Temos trazido muito isso, esta linguagem de quantos ebitda você está devendo. De outro lado, qual duração da sua dívida e qual o custo dela. São alavancas muito óbvias, mas que muitas vezes são ignoradas. As pessoas fazem dívida de longo prazo com dinheiro de curto prazo, aí ocorre o descasamento. Este é um problema.

Mas, como disse, não é o único...
O segundo, associado a este, é que, no momento de bonança tinha crédito farto. Então fizeram crescimentos relevantes baseados em dinheiro que estava lá relacionado a um fluxo de caixa anterior e não o atual. Por último, mas não menos importante, é esta questão de quase desespero. Eu deixo de vender soja a 200 reais por saca, para não vender a 150 e para terminar esmagado vendendo a 120, que são os preços atuais.

O que deve ocorrer com o setor de revendas?
A visão é que este setor se consolide, seja via cooperativas, revendas, ou via de pool de compras grande. Eu acredito em consolidação porque faz sentido, ganha escala, economiza custo de transação, etc. As revendas têm três razões de existir:
financiar o produtor, apoio na logística da última milha, porque o Brasil é grande e complexo, e por último o que alguns chamam de assistência técnica, que é este elo da ponta, onde existe uma certa transferência de confiança. Estes papeis tem que ser desempenhados por alguém e é natural que a revenda faça isso. É muito provável que tenhamos algum abalo sísmico no mercado de revendas, porém, de novo, mais consolidação vai acontecer porque faz sentido que ocorra.

E agora falando com o Rodrigo produtor rural, você deve ampliar a área nesta próxima safra?
Hoje, como produtor, não estou investindo. Estou repondo eventuais máquinas que estejam muito velhas, mantendo o nível tecnológico e investindo em capacitação de pessoas. Não estou expandindo frota, nem comprando área.

"Está mais fácil investir agora, porque vai ficar mais claro quais são as boas as apostas. Serão menos numerosas e mesmo as boas terão desconto"

Falando em investimentos, é hora de aplicar nas empresas do agronegócio?
Sou superfã de agtechs. Sou investidor na (pessoa) física de várias e conselheiro de algumas empresas também. Então, não dá para falar não aos investimentos. Acho que, no preço certo, vamos ter oportunidades. Já está acontecendo. Sempre fui um investidor do mercado de capitais e de startups. A questão é em que cavalos apostar neste momento. A minha leitura é que está mais fácil investir agora, porque vai ficar mais claro quais são as boas as apostas. Serão menos numerosas e mesmo as boas terão desconto.

Por exemplo?
Você tem boas empresas listadas. Se olhar para setor de açúcar e álcool e mesmo SLC, BrasilAgro, por exemplo, são empresas que vão fazer coisas boas e que estão descontadas em relação ao preço de ação.

Outro dia ouvimos de um importante executivo do agro que a Faria Lima não sabe precificar o setor. Você concorda?
Concordo sim. Vivi isso na prática na época da Agrifirma, em que fiz fund raising nos quatro continentes. O que acontece é que mercado de capitais gosta de novidade, de preferência a cada trimestre, e muitas vezes o agro não tem novidades assim, só a cada ano. Olhando o agro dentro da porteira, é um negócio com ROIC (sigla, em inglês, para retorno do capital investido) muito ruim. É muito dinheiro em terra, arrendamento, etc., e rendimento baixo sobre aquele negócio. Isso o mercado não gosta. Ele quer aquele de Ambev, que faz um monte de dinheiro com pouco dinheiro.

A diferença é que o ROIC pode ser baixo, porém a resiliência e o retorno no longo prazo é muito consistente e é bom, é parecido ou melhor que o S&P 500, ao longo de 50 anos, com volatilidade mais baixa. Com a incapacidade do mercado entender isso, ele dá um desconto muito grande para aquele pacote de ativos que está imobilizado e que um dia vai ser realizado. Mas acho que cada vez mais o mercado de capitais vai participar do agro, principalmente com Fiagros, CRAs, LCAs, com outras coisas, não necessariamente por listagem.