Foram 25 anos de convivência, nem sempre pacífica, entre Unilever e a dupla Ben Cohen e Jerry Greenfield. Eles fundaram um ícone da indústria de sorvetes, a Ben & Jerry's, em 1978 e a venderam para a multinacional anglo-holandesa no ano 2000.
Quando o negócio foi feito, além dos bilhões envolvidos, os empreendedores impuseram uma condição: a companhia deveria manter um conselho independente com autonomia para definir o posicionamento da marca em questões sociais e políticas.
Foi esse ponto, crucial para os fundadores, o estopim de um comunicado feito nesta quarta-feira, 17 de setembro, por Greenfield, que permaneceu na empresa, após sua venda, na condição de conselheiro.
Em uma postagem nas redes sociais, ele comunicou que estava se demitindo de suas funções e se desligando definitivamente da companhia que criou. Sua motivação seria, segundo disse, a perda da independência a intenção da Unilever de silenciar o ativismo social que, desde o início, esteve no DNA da Ben & Jerry's.
“Desde o início, Ben e eu acreditamos que nossos valores e a busca por justiça eram mais importantes do que a própria empresa”, escreveu Jerry. “Se a empresa não pudesse defender as coisas em que acreditávamos, então não valia a pena ser uma empresa.”
Aos 74 anos, Greenfield lembrou que essa independência fazia parte do acordo assinado entre as partes há 25 anos. E que, diante da impossibilidade de assumir posições mais ativas em questões polêmicas, como a guerra em Gaza, não poderia mais “em sã consciência” permanecer na empresa.
“A Ben & Jerry's foi silenciada e marginalizada por medo de desagradar os que estão no poder”, disse ele em seu texto. “Defender os valores da justiça, da equidade e da nossa humanidade compartilhada nunca foi tão importante”.
O clima ruim entre os fundadores e a controladora da companhia não é coisa nova. O conselho independente vinha, há mais de um ano, queixando-se de supostas tentativas da Unilever de esvaziá-lo.
As acusações foram refutadas pela companhia, mas as queixas chegaram até a se transformar em um processo.
Ao mesmo tempo, a Unilever debatia o destino de seus negócios de sorvetes, que, além da Ben & Jerry, reúne marcas como Magnun e Walls, populares na Europa, e a brasileira Kibon.
Uma venda das marcas chegou a ser cogitada – e ainda não está totalmente descartada. Mas a opção inicial foi a cisão da unidade em uma empresa separada, a Magnum Ice Cream Company, controlada pela Unilever.
Foi a Magnun que, na quarta-feira, publicou um comunicado em que agradece a Jerry Greenfield por "seu serviço e apoio ao longo de muitas décadas". Na nota, a empresa diz que discorda da perspectiva dele e que sempre buscou “envolver ambos os cofundadores em uma conversa construtiva sobre como fortalecer a poderosa posição baseada em valores da Ben & Jerry's no mundo”.
Cohen e Greenfield têm sido expoentes do ativismo corporativo desde os primeiros anos da marca. Nas últimas décadas, por exemplo, expuseram abertamente seu apoio a causas como a campanha Black Lives Matter, contra o racismo, o movimento LGBTQIA+ e a defesa de uma reforma criminal nos Estados Unidos.
Há quatro anos, sob orientação dos conselheiros, a Ben & Jerry's anunciou que encerraria as vendas nos territórios ocupados por Israel. Para os fundadores, manter negócios na região iria contra os valores da empresa.
A questão voltou a ser levantada mais recentemente, com o acirramento do conflito em Gaza. Cohen qualificou a ação de Israel de genocídio, uma posição incomum nio mundo corporativo. E chegou a ser preso, em maio passado, por realizar um protesto contra o financiamento americano ao exército israelense durante uma audiência no Congresso dos Estados Unidos sobre o tema.
Na semana passada, Cohen, também de 74 anos, participou de novo protesto em frente a um hotel onde a Magnun realizava uma conferência para investidores. Desta vez, mais uma vez acusando a empresa de descumprir o acordo e tentar desarticular o conselho independente.
O fundador ainda sonha em retomar o controle da marca. Segundo o The Wall Street Journal, ele já havia manifestado o interesse de atrair investidores ativistas para financiar a recompra da Ben & Jerry. O CEO da Magnum, Peter ter Kulve, afirmou, entretanto, que a empresa não estava à venda.
Resumo
- Jerry Greenfield deixa a Ben & Jerry's após acusar a Unilever de tentar silenciar o ativismo da marca
- Segundo fundador, conselho independente, criado no acordo de venda em 2000, estaria sendo esvaziado pela controladora.
- Greenfield e Ben Cohen, seu antigo sócio, seguem como vozes do ativismo corporativo, em pautas como Gaza, racismo e LGBTQIA+.