O convite para jantar na casa do vice-presidente do iFood já despertaria a curiosidade de qualquer jornalista, mas a informação de que o cardápio seria uma "experiência em inteligência artificial" elevou a expectativa.

Foi assim que Diego Barreto, vice-presidente de Finanças e Estratégia do iFood, e Sandor Caetano, atualmente Chief Data Officer do PicPay mas também um ex-executivo do iFood, atraíram para a mesa de um jantar, na capital paulista, um grupo de 10 jornalistas de negócios.

A ideia seria conversar não apenas sobre IA, mas claro, falar sobre o lançamento do livro escrito por eles. O título: "O Cientista e o Executivo” – que são Caetano e Barreto, nesta ordem.

O jantar foi servido na casa de Barreto, em uma rua razoavelmente tranquila do bairro de Pinheiros, zona que tem recebido modernos empreendimentos imobiliários, bem próximo da Marginal Pinheiros, importante via da capital paulista.

Antes da refeição/experiência, à beira da piscina, o anfitrião conversou separadamente com o AgFeed sobre o propósito que levou ao livro, além de outros temas. No cardápio, o agronegócio, é claro.

"Queremos mostrar para o empresário e empreendedor brasileiro que Inteligência Artificial (IA) é algo factível”, introduziu Barreto. “Ainda temos uma visão muito etérea deste tema, achando que é coisa para o Google ou para Open AI, mas hoje basta fazer um trabalho concatenado, não é preciso ter capital”.

O executivo está no iFood há sete anos. Diz que juntou-se à empresa "por estar cansado da velha economia” (antes atuava na indústria de papel e celulose) e, junto com colegas, resolveu apostar no uso da IA como alavanca do crescimento da empresa.

"No livro, contamos esta história que começou em 2018 e como levou o iFood a ter hoje 125 modelos de inteligência artificial proprietários", ressaltou.

Para Barreto, a empresa de delivery, que atendeu a cerca de 80 milhões de pedidos em setembro, pode ser um case de inspiração para os diferentes empreendedores porque "é uma empresa brasileira, criada por pessoas normais, que não eram gênios, somente gente que estudou e trabalhou muito".

"Vou confessar que sou um pouco revoltado com o Brasil, claro que adoro meu País, mas aqui sempre foi muito duro, as coisas funcionavam para poucos privilegiados”, disse.

Na visão de Diego Barreto, agora o País precisa aproveitar as oportunidades, afinal, diferentemente do passado, não é preciso ter capital para montar uma fábrica, uma estrutura física.

"O Brasil tem a chance de fazer uma mudança de patamar, porque o mundo viabilizou a tecnologia proprietária digital, que é descentralizada. É como quando uma pessoa senta e faz um código, como fizeram para criar o iFood. É disso que estou falando”.

Potencial para o campo

O agronegócio entra na conversa. Quando perguntado sobre a importância da IA também para o setor, o VP do iFood surpreendeu usando termos como “safrinha”. Logo esclareceu que cresceu na região de Uberaba-MG e que o avô tinha uma fazenda.

"Quando era criança, ia direto para a fazenda, dar ração para o gado de leite. Agora as terras foram arrendadas para o cultivo de cana", conta.

Barreto afirma que não tem intenção de voltar aos negócios rurais, mas diz que quer ajudar o setor “a enxergar as oportunidades de transformação".

E faz a conexão com seu tema central, a inteligência artificial. Segundo ele, a tecnologia tem valor "onde tem muito dado disponível e com uma certa imprevisibilidade”.

Assim, portanto, “é o caso do agro, depende de clima, pragas, colheita, uma logística muitas vezes caótica para chegar no porto".

"A tecnologia de IA tem valor onde tem muito dado disponível e com uma certa imprevisibilidade. É o caso do agro"

O VP do iFood considera o uso da IA no agro "a próxima grande oportunidade que se tem no Brasil". Mas pondera que o desafio é o fato de o setor ser muito fragmentado.

"Fica difícil eleger poucos grupos para começar uma agenda de transformação. Por isso, o governo no passado criou a Embrapa, para centralizar a parte de inovação e ajudar o agro”, acrescentou.

Ganhar eficiência, reduzindo custos e gerando receita são algumas das oportunidades vistas por ele. “Há cases de sucesso como o Frete.com, uma espécie de Uber do caminhoneiro. Imagina algo parecido, criando um banco de dados e otimizando o uso de máquinas e tratores, eliminando a ociosidade?”

“Este é um exemplo", reforçou, mais uma vez relacionado ao que fez o iFood, “conectando a capacidade ociosa de pessoas que precisavam gerar renda com os restaurantes e aquelas que recebem a comida em casa”.

Mas, afinal, e o jantar?

Para quem leu até aqui, vamos desvendar o mistério. Foram servidos os mesmos pratos para todos os convidados da mesa, em uma sequência de salada, dois pratos com proteína e um carboidrato, finalizando com a sobremesa.

Até ali, é preciso confessar uma certa decepção de quem esperava que a ação de algoritmos levasse o chef a servir pratos personalizados, a partir de dados obtidos previamente sobre cada convidado. Uma picanha, por exemplo, para a jornalista gaúcha que vos fala.

Não era este, no entanto, o segredo. Uma das “revelações” à mesa foi a de que o chef Fred Trindade definiu o menu com ajuda da IA generativa para “criar receitas extraordinárias para formadores de opinião” por meio de uma solução chamada Plus One.

Além disso, comprou todos os ingredientes pelo aplicativo do iFood, com a função que indica as melhores opções.

Parece algo simples, mas segundo Diego Barreto, “cada vez que você abre o app e faz um pedido, rodam 100 previsões de IA”. O iFood hoje processa milhões de pedidos por dia e se, por exemplo, o sanduíche vier errado, é possível enviar uma foto para que a inteligência artificial avise o restaurante sobre o equívoco, para fazer a troca.

Sandor Caetano e Diego Barreto com o livro

Também foi utilizada no jantar uma nova funcionalidade, ainda não foi lançada para a base total de clientes. O usuário pesquisa "melhor pannacota que existe”, por exemplo – esta foi a sobremesa servida no jantar – e o aplicativo informa a receita, lista os ingredientes necessários e já indica onde e por quanto comprar cada item.

O "jantar com experiência em IA" também foi baseado no uso dos alimentos produzidos pela empresa Notco, startup chilena de alimentos alternativos que utiliza um modelo de machine learning para reproduzir sabores e criar uma "falsa” carne, por exemplo.

O chef explicou que alguns ingredientes dos pratos não eram o alimento original e sim um item produzido pela Notco. O modelo da empresa é baseado em estudos que combinam elementos da natureza e geram, a partir de outro alimento, gosto e textura semelhantes ao de um determinado alimento na sua versão original.

Na conversa com o AgFeed, o VP do iFood já havia citado o caso da Notco como um exemplo de tendência da IA na alimentação das pessoas. Citou também a carne sintética produzida pela Mosa Meat, em laboratório, depois de mapear o tecido da verdadeira proteína animal.

“Claro que hoje custa US$ 100 mil por quilo, precisa de escala, mas tudo isso vai mudar”, afirmou Diego.

O executivo acredita ainda em benefícios da IA na rastreabilidade e na redução do desperdício dos alimentos, otimizando a quantidade, a distribuição, mudando a forma de se alimentar.

Durante o jantar com os jornalistas, Diego Barreto e Sandor Caetano (que já foi do iFood no passado) comentaram o que têm visto em termos de tendências no universo da IA.

"A capacidade do ser humano para exercer determinadas tarefas vai ser substituída, assim como o cortador de cana foi substituído pela máquina”

Para eles, a maior parte dos modelos já está muito próxima do desempenho humano, em diferentes habilidades, como na resposta dos principais exames utilizados nos Estados Unidos para ingressar nas universidades, por exemplo.

"A capacidade do ser humano para exercer determinadas tarefas vai ser substituída, assim como o cortador de cana foi substituído pela máquina, mas o homem vai migrar para outras atividades intelectuais”, disse Barreto.

Uma das tendências é a multimodalidade, quando se combina voz, escrita e imagem. No próprio iFood foi desenvolvido um modelo, somente para uso interno, onde um vídeo do Diego falando pode ser gerado automaticamente, sem que ele tenha gravado o vídeo.

Considerando modelos que já começam a ser desenvolvidos, a dupla acredita que em meados de 2030, por exemplo, até mesmo escritores, artistas e diretores criativos já estarão sendo “substituídos" pela inteligência artificial. Nada, porém, substituirá uma boa conversa em torno de uma mesa de jantar. Com o agro no cardápio.