"Ovo não é tudo igual!”, exclama Leandro Pinto, mineiro “formado na escola da vida” que, ao lado do sócio Carlos Cunha, começou no mundo empresarial com uma fábrica de carroças e fez fortuna ao construir a maior produtora de ovos do Brasil.

Seu próximo passo é transformar a Mantiqueira, que começou como uma granja e hoje é um grupo com receitas superiores a R$ 1,4 bilhão, que possui 14 milhões de galinhas e produz mais de 10 milhões de ovos por dia, em uma versão agro das Havaianas.

“Sim, Havaianas dos ovos. Por que não?”, afirmou, em um breve encontro com o AgFeed em um escritório da empresa em São Paulo – a sede do grupo é no Rio de Janeiro.

Para não dar dúvidas de suas intenções, o empresário retirou-se do cargo de CEO para, em seu lugar, colocar um especialista no assunto: Marcio Utsch, executivo que por mais de 20 anos no grupo Alpargatas, comandou a transformação da marca de sandálias, de um produto popular a um artigo de exportação, ícone do mercado de consumo brasileiro.

Utsch assumiu em março e, desde então, tem passado por uma intensa rotina de viagens para tomar conhecer as unidades de produção e distribuição do Grupo Mantiqueira, do qual recebeu também uma participação acionária não revelada. E, nos primeiros meses, esquivando-se de dar entrevistas.

Procurado pelo AgFeed, disse que “como eu estou há bem pouco tempo no cargo, temo que não seja um bom entrevistado”.

O executivo não é exatamente novo na Mantiqueira. Amigo da família Pinto há duas décadas, ele é conselheiro do grupo há quatro anos e foi um dos inspiradores dos movimentos recentes que culminaram com o novo posicionamento e sua efetivação como CEO.

“O Marcio sempre demonstrou ser um entusiasta do nosso negócio e traz a visão externa do que já fez na indústria”, afirmou ao AgFeed Murilo Pinto, filho de Leandro e atual diretor Comercial do grupo. “Tem experiência e expertise executiva, e acredita no que tem para desenvolver”.

O primeiro movimento da “havaianização” da Mantiqueira foi uma ação de renovação da marca corporativa do grupo, o conhecido rebranding, realizado pela agência Ana Couto, uma das mais renomadas do País nesse segmento.

Lançada há pouco mais de um ano, a nova marca embalou uma série de projetos com o objetivo de tentar destacar as diferentes categorias de ovos, como prega o fundador, e agregar valor aos produtos da empresa.

Sob o comando de Murilo, o grupo inovou ao lançar um plano de assinaturas de ovos – no qual o cliente paga um valor mensal para receber produtos em casa –, um modelo de lojas dentro de lojas (store in store) e também um serviço de venda direta ao consumidor, com e-commerce e lojas próprias, o Mantiqueira em Casa.

Alguém se lembrou das lojas e dos quiosques da Havaianas? O conceito é semelhante, admite Murilo. “Mesmo valores usados na transformação da Havaianas podem ser usados no mundo do ovo”, diz.

Em um ano, a Mantiqueira abriu cinco lojas próprias, quatro em São Paulo e uma no Rio. Já no modelo store in store, até o momento 11 unidades, dentro de supermercados das redes Pão de Açúcar e Zona Sul.

Nelas, demonstradores da marca procuram explicar que “ovo não é tudo igual”, como afirma o fundador, e estimular o consumo de produtos com maior valor agregado.

“Fomos para o varejo com projetos piloto, com o objetivo de conhecer melhor a relação com o consumidor”, afirma Murilo. “Foi interessante perceber que, uma vez que ele conhece mais sobre o universo dos ovos, o índice de recompra de nossos produtos aumenta em 40%”.

Outra iniciativa do grupo foi a criação da n.ovo, empresa criada para desenvolver e comercializar produtos alternativos de origem vegetal, na emergente categoria chamada de plant based. Liderada pela filha de Leandro, Amanda. Começou com um produto substituto para os próprios ovos, mas já evoluiu para novas linhas.

A operação é apartada, em produção e vendas, mas ajudam a reforçar o branding da companhia. Segundo Murilo, o faturamento mais que dobrou no ano passado.

A estratégia de “descommoditizar” produtos agrícolas já foi tentada com sucesso há algumas décadas por marcas como a União, no mercado de açúcar, pela União. “É uma forma interessante de expandir o conceito de marca e estender para outros produtos relacionados e categorias, de maior valor agregado”, analisa Eduardo Tomyia, sócio da TM20 Branding e especialista na avaliação de marcas.

“Se o segmento de ovos está entrando nesse caminho é porque a categoria ganhou importância na dieta das famílias e tem desafios a enfrentar, como o da questão do bem-estar animal”, afirma Tomyia.

Galinhas livres

Não por acaso, além da marca corporativa, o novo posicionamento inclui o reforço no discurso de bem-estar animal, com a “grife” Happy Eggs. Desde 2020 a empresa incorporou a proposta de investir prioritariamente na criação das chamadas “galinhas livres de gaiolas”.

Com forte apelo junto ao público urbano e mais jovem, o conceito está por trás das últimas aquisições e investimentos em produção da Mantiqueira.

No final do ano passado, por exemplo, o grupo anunciou a aquisição das operações da Fazenda da Toca e da produção de grãos orgânicos da Rizoma Agro. As duas empresas pertenciam ao empresário Pedro Paulo Diniz.

A Toca tem como principal produto justamente a produção de ovos orgânicos produzidos por galinhas livres em uma fazenda em Itirapina, no interior de São Paulo.

“Todo nosso crescimento, a partir de agora, será no modelo de galinhas livres”, confirmou Leandro Pinto ao AgFeed. Com a Toca, a empresa se tornou a maior produtora de ovos orgânicos da América Latina.

Segundo Murilo, o mercado de orgânicos cresce a taxas de dois dígitos. A aquisição da Rizoma foi importante também para o fornecimento de grãos orgânicos para alimentar as aves, um dos desafios desse segmento.

Já no mercado convencional, não orgânico, também os investimentos têm sido na ampliação da capacidade de fornecimento de ovos com a marca Happy Eggs.

O sistema de galinhas livres traz desafios de custos. Produzir um ovo dessa forma chega a ser 2,5 vezes mais caro que o um ovo comum. Na gôndola do supermercado, porém, o valor é recuperado.

A empresa possui 21 unidades espalhadas por seis estados: Minas Gerais, Mato Grosso, São Paulo, Goiás, Paraná e Santa Catarina. Com três centros de distribuição, o grupo distribui seus produtos por 21 estados através de parceiros na área logística, outro ponto sensível na operação em função da fragilidade e do prazo de validade dos ovos.

“Vivemos um momento bom da empresa”, afirma Murilo. “A gente se preparou para a crise de custos, com alta de insumos como milho e soja dobraram e tivemos a oportunidade de continuar crescendo”, diz.

Com Utsch no comando, o jovem engenheiro de 29 anos encara o desafio de dar uma nova imagem ao negócio criado pelo pai. Leandro, por sua vez, diz que pretende ficar mais de olho nas fazendas, cuidando do lado agropecuário do negócio. “Hoje eu cuido do PF. O Márcio fica com o PJ”, completa.