Maior evento sobre inovação no agronegócio da América do Sul, o World Agritech South America Summit começou nesta terça-feira, 18 de junho, em São Paulo, com um posicionamento inédito de uma das maiores companhias do país na área de produção de alimentos.

Coube a Edison Ticle, CFO da Minerva Foods, deixar uma mensagem clara sobre as dificuldades dos frigoríficos brasileiros em fazer a rastreabilidade total da cadeia da pecuária, uma exigência que tem sido cada vez mais forte sobre o setor.

Ao falar no painel de abertura do evento, que tinha como tema o papel do Brasil na sustentabilidade global – em que subiu ao palco ao lado de Renata Miranda, secretária de Inovação, Desenvolvimento Sustentável, Irrigação e Cooperativismo do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), Fabiana Alves, CEO do Rabobank no Brasil, Marcio Santos, CEO da Bayer e Michel Roy, novo CEO da LDC no País –, ele afirmou que seria possível cumprir o objetivo de ter 100% do rebanho rastreado caso o governo contribuísse compartilhando informações com o setor.

Segundo Ticle, a Minerva tem uma meta clara para os próximos anos: 80% de todo gado comprado pela empresa, seja pelos fornecedores diretos ou indiretos, será completamente rastreado.

Os 100% seriam possíveis, na visão de Ticle, se não fossem a falta de incentivos econômicos para o setor e a burocracia estatal. Ele cita particularmente o fato de o Mapa possuir o que chamou de “monopólio da informação” das GTAs (Guia de Trânsito Animal), documento oficial e de emissão obrigatória para o trânsito interdistrital e interestadual de animais para qualquer finalidade.

Ticle acredita que se empresas do setor, como a Minerva, tivessem acesso a essas informações, o rastreamento da cadeia se daria de forma completa e inequívoca.

“Não existe animal sem uma guia que o acompanhe, mas a GTA é tratado pelo produtor rural e pelo Mapa como uma informação equivalente a um sigilo bancário”, afirmou.

“Tendo acesso a essas informações, em uma semana nós montávamos um robô que acessasse o servidor e faria o rastreamento completo”, acrescentou.

Segundo o CFO da Minerva, o grande problema atual do setor é não conseguir monitorar os fornecedores indiretos. “Para participar das cadeias globais de alimentação, precisamos manter padrões mínimos inclusive de rastreabilidade do gado que a gente compra para produzir cortes”, diz.

Atualmente, a Minerva possui um programa que engloba georreferenciamento e imagens de satélite e disponibiliza para seus fornecedores diretos um app onde ele consegue rastrear e, se quiser, rastrear os fornecedores dele, que são os indiretos da Minerva.

De acordo com Edison Ticle, o rastreamento serve, no fim das contas, para medir se o animal veio de uma área desmatada ilegalmente ou não. Em outros países como Argentina e Uruguai, ele afirma que a rastreabilidade é maior que no Brasil, pois todo o gado é “brincado”, e portanto, possui uma espécie de RG.

O diretor ainda fez um apelo direto ao governo federal, que era representado no evento e por Renata Miranda. “O governo precisa nos ajudar. Sofremos pressões da indústria financeira, que, em alguns momentos, resolve não se envolver em questões difíceis e fica na posição de cobrar ao invés de usar instrumentos próprios, como bloquear de contas dos fornecedores e medidas mais drásticas para ajudar a indústria”, afirmou.

Segundo ele, o setor financeiro opta por ficar numa posição passiva e reativa, cobrando o ente mais frágil na cadeia. “Resolvendo essa questão das GTAs, podemos até aumentar a exportação e ter acesso a um mercado maior que o atual”.

Renata Miranda respondeu que o governo está atento às demandas do setor e também trabalha para modernizar a GTA. Além disso, citou o desenvolvimento da Plataforma AgroBrasil+Sustentável, que é feita em parceria com a Embrapa. “O programa vai dar mais transparência e segurança ao sistema produtivo”.

A solução para a GTA não envolve uma distribuição irrestrita das informações, destacou o executivo, já que os produtores têm o direito de resguardar suas informações do próprio negócio.

A solução passa, segundo Ticle, por uma via do meio, em que o governo crie um mecanismo que ao mesmo tempo que protege o fazendeiro, fornece a informação do paradeiro do animal às empresas. “Esse é o arcabouço que esperamos do poder público. Aí fechamos a equação da rastreabilidade”.

Além dessa desburocratização, Ticle pleiteia mais incentivos econômicos ao setor. Dessa forma, o investimento feito em rastreabilidade e sustentabilidade pode ser “compensado”.

Em conversa com o AgFeed após o painel, o executivo afirmou que se o incentivo não vier do governo, pode vir da outra ponta da cadeia, o comprador.

“Esse player, que engloba redes de fast food e empresas do varejo, pagando, significa uma cadeia global inserida na descarbonização. Eles se colocam exigências mais elevadas em si próprios por meio de metas internas, e isso pode aumentar o incentivo econômico para que mais indústrias ‘participem desse clube”, disse.