No apagar das luzes do governo do presidente Joe Biden, a John Deere, a maior fabricante de máquinas agrícolas do mundo, se viu com um problema nas mãos.

A Comissão Federal de Comércio dos Estados Unidos (FTC, na sigla em inglês), equivalente ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) no Brasil, entrou com um processo contra a companhia nesta quarta-feira, dia 15 de janeiro, acusando a empresa de praticar monopólio ilegal no mercado ao restringir o acesso dos fazendeiros à manutenção de seus próprios equipamentos.

“Restrições ilegais podem ser devastadoras para fazendeiros, que dependem de reparos acessíveis e oportunos para colher suas safras e ganhar sua renda”, disse a presidente do FTC, Lina M. Khan.

“A ação do FTC hoje busca garantir que fazendeiros em toda a América sejam livres para consertar seus próprios equipamentos ou usar oficinas de reparo de sua escolha – reduzindo custos, prevenindo atrasos ruinosos e promovendo competição justa para oficinas de reparo independentes.”

A John Deere respondeu, em nota, dizendo que "a reclamação é baseada em deturpações flagrantes dos fatos e teorias jurídicas fatalmente falhas, e pune a inovação e o design de produtos pró-competitivos" e que vai se defender "vigorosamente" contra o processo, que classificou como "infundado".

O FTC mantém uma investigação sobre a atuação da John Deere desde 2021, atendendo a queixa de grupos de produtores rurais dos Estados Unidos. Os agricultores abriram queixas contra o modelo de assistência técnica da companhia, que exigia que serviços de reparo das máquinas fossem feitos somente por concessionárias autorizadas da empresa e custam caro.

A John Deere também teria criado barreiras nas ferramentas de softwares integrados nas máquinas, criando a necessidade de assistência de um técnico autorizado, segundo o FTC.

"Por meio da distribuição limitada de suas ferramentas de reparo, a Deere conseguiu controlar e limitar quem pode consertar seus equipamentos agrícolas, permitindo que mantivesse uma participação de mercado de 100% e cobrasse preços mais altos, por meio de sua rede de revendedores autorizados, para todos os reparos que exigissem a ferramenta totalmente funcional", disse o órgão na abertura do processo.

No começo de 2023, a John Deere chegou a assinar um memorando de entendimento com a American Farm Bureau Federation, a maior entidade representativa de produtores norte-americanos, para permitir que mecânicos independentes tenham acesso a ferramentas e informações de software para consertar seus equipamentos.

Em troca, a federação dos produtores concordou em não defender nenhuma legislação estadual ou federal de direito de reparo.

O conserto das máquinas agrícolas vem se tornando um problema para os produtores norte-americanos nos últimos anos pelo aumento do custo médio de manutenção, que aumentou quase 48% entre 2020 e 2023, segundo dados do Bureau of Labor Statistics.

“As restrições de reparo da Deere permitem que ela obtenha lucros adicionais por meio da venda de peças, já que sua rede autorizada de revendedores quase sempre usa peças caras da marca Deere, em vez de peças genéricas”, diz o FTC.

Apesar de o processo ter sido aberto, a votação foi apertada, com um placar de 3 a 2, com votos contrários dos comissários Melissa Holyoak e Andrew Ferguson, nome indicado pelo presidente eleito Donald Trump para chefiar o FTC.

Advogado, ex-assistente do juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos Clarence Thomas e ex-procurador-geral da Virgínia, Ferguson foi nomeado como comissário do FTC em 2023 pelo presidente Biden. Ele tem trabalhado em causas envolvendo as big techs.

Ao anunciar o nome de Ferguson, Trump ressaltou a postura combativa contra as companhias de tecnologia. "Andrew tem um histórico comprovado de enfrentar a censura das big techs e proteger a liberdade de expressão em nosso grande país", afirmou o presidente eleito em postagem na rede social Truth.

"Andrew será o presidente da FTC mais pró-inovação e América em primeiro lugar na história do nosso país."

Ferguson considerou, em seu voto contrário, que a abertura da ação tem caráter político. "A medida parece ter sido tomada às pressas para anteceder a posse do presidente Trump, o que confere ao processo um cheiro de motivação partidária", afirmou.

"Não posso apoiar a conduta da Comissão, que aparenta ser resultado de um partidarismo descarado. A decisão da maioria democrata que está deixando o cargo de abrir um processo poucos dias antes da posse presidencial prejudica a reputação da Comissão", emendou.

Por mais que tenha discordado da decisão do FTC, Ferguson salientou que é favorável ao direito de consertar - um indício de que, mesmo com a troca de comando, a pressão sobre a John Deere pode continuar.

"As partes estão em negociações ativas sobre uma solução que, se concretizada, poderia fornecer alívio significativo aos fazendeiros americanos. Sou a favor de resolver este litígio, mas apenas se esse acordo fornecer benefícios reais e tangíveis aos fazendeiros americanos."

Durante a campanha eleitoral, Trump disse que, se eleito, iria impor uma tarifa de 200% sobre produtos importados pela John Deere caso a companhia transferisse sua produção para o México.

"Se eu ganhar, a John Deere vai pagar 200%. Eles ainda não começaram. Talvez nem tenham tomado a decisão final ainda. Mas eu acho que sim - a John Deere vai pagar, e qualquer outro que faça isso também, porque está prejudicando nossos agricultores. Está prejudicando nossa indústria", afirmou Trump.

A John Deere vem, de fato, transferindo algumas linhas para sua operação no país vizinho aos Estados Unidos nos últimos anos, como a de produção de cabines e de minicarregadeiras de médio porte.

Ao mesmo tempo, no ano passado, a companhia anunciou a demissão de cerca de 800 trabalhadores nos Estados Unidos, com cortes nas plantas de Waterloo e Des Moines, em Iowa, e em outra unidade localizada no estado de Illinois.

A companhia respondeu Trump dizendo que não estaria transferindo sua produção para o México e que menos de 5% dos produtos vendidos nos Estados Unidos eram produzidos no país vizinho.